A liberdade de expressão das atividades artística, intelectual, cultural, científica e da comunicação está assegurada na Constituição brasileira em seu artigo 5º, inciso IX, de modo que todos podem produzir, criando, sem censura e sem licença de quem quer que seja, suas obras intelectuais. Além disso, a Constituição garante um capítulo sobre cultura, estabelecendo, como nos ensina o magistério acadêmico de José Afonso da Silva, nesse mister, a mais aberta liberdade cultural, sem censura, sem limites, em uma vivência plena dos valores do espírito humano em sua projeção criativa.

Cultura é tudo aquilo que resulta da criação humana. São ideias, artefatos, costumes, leis, axiomas, conhecimentos, adquiridos a partir dos talentos pessoais e do convívio social. Não existe cultura superior ou inferior, melhor ou pior, mas sim culturas diferentes. E cultura não é só aquilo que você gosta. Não podemos, em uma sociedade democrática, vetar ou apedrejar uma manifestação artística apenas por ser diferente da que gostamos.

Nem tudo o que é publicado é de nosso agrado, nem sempre será de nosso gosto ou aceitação em termos valorativos. Mas não podemos censurar. A censura é odiosa porque a todos atinge. A vítima de hoje poderá ser você amanhã em um outro contexto. 

Em 10 de maio de 1933 foram queimadas em praça pública, em várias cidades da Alemanha, as obras de escritores alemães que desagradavam ao regime de Hitler. Era o apogeu da perseguição dos nazistas aos intelectuais, sobretudo escritores. Nessa ação orquestrada por Joseph Goebbels participaram policiais, autoridades públicas e até professores universitários, tendo sido a queima protagonizada por estudantes integrantes da Liga dos Estudantes Alemães criada em 1926.

Desse modo, tudo o que fosse crítico ou desviasse dos padrões impostos pelo regime nazista teria que ser destruído, para que fossem eliminados os fundamentos intelectuais da tão odiada, pelos nazistas, República de Weimar.

Naquele momento, a opinião pública e a intelectualidade alemãs ofereceram pouca resistência à queima. E entre os poucos escritores que reconheceram o perigo e tomaram uma posição estava Thomas Mann, que havia recebido o Nobel de Literatura. Por prudência, em 1933, para salvar sua própria vida, ele emigrou para a Suíça e depois para os Estados Unidos. Entre os livros queimados, estavam obras dos judeus Sigmund Freud, Karl Marx, Albert Einstein e Walter Benjamin, do filósofo Friedrich Nietszche, do próprio Thomas Mann e do dramaturgo Bertolt Brecht, assim como livros escritos por intelectuais da República de Weimar.

O argumento usado é um bem conhecido dos dias atuais. De que tais obras estariam "falsificando a História", como se tem observado nos discursos de certas autoridades governamentais quando a leitura historiográfica utilizada não os agrada.

Também se observa atualmente em nosso país uma perseguição às ciências humanas. Nesse contexto, vale ressaltar que o governo brasileiro somente tornou explícita a determinação do corte de verbas na educação após o anúncio, pelo chefe do Poder Executivo, na sua página no Twitter, no dia 26 de abril de 2019, de que “o Ministro da Educação estuda descentralizar investimento em faculdades de filosofia e sociologia (humanas)”.

Desse modo, assim como no passado, nos momentos autoritários governantes gostam de ver banidos principalmente os livros de história, filosofia, sociologia e ciências políticas que desafiam regimes ou abrem espaço para um debate, assim como obras de literatura que promovem reflexões sobre o sistema.

Em tempos remotos os livros sempre foram perseguidos. A destruição de uma das maiores bibliotecas da História antiga, a de Alexandria, representou um verdadeiro "livrocídio". Embora os historiadores divirjam sobre o que aconteceu, a versão que se popularizou é a de que a biblioteca foi destruída por ordem do governador provincial, pouco depois da conquista do Egito.

inquisição foi outro evento histórico responsável pelo extermínio de uma grande quantidade de livros, queimando não somente a obra, mas muitas vezes seus autores. Só em Salamanca durante a Inquisição Espanhola, mais de 600 títulos foram para a fogueira.

Muitas publicações e espetáculos artísticos têm sido atualmente vitimados por perseguições morais, de discordância ideológica, ou simplesmente porque o gosto não agrada ao intérprete censor.

Isso não é outra coisa senão a tentar restringir a liberdade de pensamento, para, assim, promover o patrulhamento ideológico.

Tais atitudes, atentatórias da democracia, e perpetradas no momento atual do Brasil, são solares, de modo que não se faz necessário empreender esforços hercúleos para nos apercebermos do perigo antidemocrático revelado através das tentativas de medidas deste jaez.

É de bom alvitre registrar que tais iniciativas antidemocráticas ferem a um só tempo um amplo rol de direitos fundamentais protegidos pela Constituição Federal. E a censura é proibida no Brasil. A exemplo das constituições democráticas contemporâneas, a Constituição brasileira proíbe qualquer espécie de censura, seja de natureza política, ideológica ou artística pelo artigo 220, § 2º.

A censura se perfaz através de toda e qualquer iniciativa com fins de impedir a livre circulação de ideias contrárias aos interesses dos detentores do poder político vigente, de modo que o status quo impõe uma pauta de valores que deve ser seguida e os “censores” proíbem ou perseguem qualquer manifestação que seja divorciada da ideologia e da moral do Estado.

Quando ocorre a censura em um país como o Brasil onde existe uma Constituição democrática que a proíbe, os “fiscais”, travestidos de paladinos da moralidade e dos bons costumes lesionam alicerces constitucionais imperiosos para a construção de uma sociedade mais livre, democrática, justa, desenvolvida e igualitária.

E a mordaça ganha hoje novos contornos. Abandona-se a tônica do imperativo para trazer à lume atitudes a cada dia mais totalitárias, embrulhadas em um conjunto de meta-narrativas que induzem a sociedade à aceitação de determinado ato governamental. 

A cultura é um direito de todos e seu objetivo não é apenas preparar o cidadão para o mercado de trabalho, mas desenvolvê-lo como ser humano, para que possa contribuir com a sociedade, tornando-o apto para enfrentar os desafios do cotidiano.

Censurar livros, manifestações culturais, cursos, aulas, palestras, obras, evidencia o caráter ideológico e antidemocrático de muitos que lançam mão de protótipos profanadores do pluralismo de ideias.

Daí a advertência da ministra Cármen Lúcia, do STF, segundo a qual “discordâncias são próprias das liberdades individuais. As pessoas divergem, não se tornam por isso inimigas. As pessoas criticam. Não se tornam por isso não gratas. Democracia não é unanimidade. Consenso não é imposição, porque sem manifestação garantida o pensamento é ideia engaiolada. Pensamento único é para ditadores. Verdade absoluta é para tiranos. A democracia é plural em sua essência. E é esse princípio que assegura a igualdade de direitos individuais na diversidade dos indivíduos”.

Ao contrário do que infelizmente anda ocorrendo, em tristes e lamentáveis episódios, a OABRJ tem fomentado iniciativas de valorização da cultura, como a campanha Porte de Livros.

A idealizadora da campanha, nossa vice-presidente Ana Tereza Basílio, conseguiu doações, feitas pela advocacia fluminense, com fins de levarmos os não-jurídicos para as escolas públicas no interior do estado e os livros jurídicos para as subseções mais carentes da Ordem.

Só a educação liberta um povo. E a OABRJ jamais apoiará censura ou atos discriminatórios. Ao revés, queremos que toda a sociedade brasileira abrace a ideia de que devemos todos defender o porte de livros!

Os artigos publicados no site da OAB/RJ não refletem, necessariamente, a opinião da entidade.