09/02/2015 - 15:22

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Origens da advocacia e defesa do Estado Democrático de Direito

09/02/2015 - 15:22

Origens da advocacia e defesa do Estado Democrático de Direito

Leonardo Vizeu Figueredo*

A advocacia, reconhecida constitucionalmente em democracias consolidadas em torno do Estado de Direito como uma função essencial, é indispensável à administração da Justiça.

O livro de codificação romana Digesto definiu o profissional da advocacia como “aquele que expõe ante o juiz competente a sua intenção ou a demanda de um amigo, ou para bem combater a pretensão de outro”. O termo advogado, etimologicamente, deriva do latim advocatus, sendo oriundo da aglutinação de ad (para perto) e vocatus (chamado), sendo aquele que é convocado pelas partes para prestar auxílio em suas alegações.

Na sociedade helênica antiga, os cidadãos compareciam, pessoalmente, diante dos magistrados, para expor e defender os seus direitos, sendo facultado, nos termos das leis de Sólon, ter um auxílio por parte de um amigo, amici, que coadjuvasse as suas explicações. Os juízes, denominados de arcontes, interrogavam as testemunhas, procedendo a colheita de provas. Após, as partes eram convocadas para sustentação oral de suas pretensões in casu, ocasião na qual poderiam ser auxiliadas pelos oratores, que, mediante exposições orais perante o juiz, defendiam interesses envoltos na lide. Todavia, a própria Lei de Atenas vedava a prática da oratória em juízo com fins de mercancia, proibindo a cobrança de honorários ou ter qualquer tipo de ganho na defesa de uma causa de outra pessoa. 

Ao contrário dos helenos, os romanos organizaram profissionalmente a classe de indivíduos especialistas em defesa e assuntos jurídicos, ganhando individualidade e autonomia funcional, formalizando a categoria dos advogados. Em que pese a lei promulgada em 204 a.c ter proibido os advogados romanos de receberem honorários, esta restou revogada pelo imperador Claudius, que legalizou a advocacia como profissão, constituindo os romanos como os primeiros juristas que puderam exercer livremente sua carreira. A profissão era denominada de advocatus ou patronus. Roma desenvolveu, ainda, uma classe de especialistas que eram conhecedores da lei, conhecidos como iuris consulti (jurisconsultos). Estes eram patrícios romanos abastados, que se dedicavam ao estudo das leis por mero diletantismo intelectual, sem fins profissionais, tampouco lucrativos. 

Com a queda do império romano ocidental a profissão do advogado entrou em declínio. Com o fortalecimento dos estados nacionais, em torno da autoridade central dos reis, estes passaram a impor a sua força através das leis editadas. Assim, surgiu a necessidade de formação de especialistas em leis, uma vez que as pessoas comuns, em sua maioria, não eram letradas ou versadas em ciências. Destarte, a classe dos advogados ressurgiu fortalecida nessa época, como mediadores entre o Estado absoluto editor de normas e o povo comum a ele submisso.

Desde o Século 15 os advogados estavam presentes na maioria dos fatos notórios de lutas sociais, pela igualdade e pelos direitos humanos. Na Revolução Francesa, vários deles apoiaram e legitimaram o embrionário regime. Dentre os que se notabilizaram, merece destaque Robespierre.
Os advogados, atualmente, são renomados especialistas e reconhecidos por serem grandes idealistas da liberdade e dos direitos humanos. 

Criada no cenário pós-Revolução de 1930, a Ordem dos Advogados do Brasil, filha combativa do Instituto dos Advogados do Brasil, firmou-se no Estado brasileiro como uma instituição permanente na República. Durante o regime de exceção fascista, implantado por Getúlio Vargas, quando a Lei de Segurança Nacional instituiu o Tribunal de Segurança Nacional, subordinado ao Poder Executivo, a Ordem aprofundou sua luta em defesa das liberdades democráticas e dos direitos humanos diante das primeiras medidas da execução do estado de sítio e da Lei de Segurança Nacional. Dentre outros, no histórico episódio das prisões de Luís Carlos Prestes, Olga Benário, Harry Berger (Arthur Ewert) e Elise Ewert, após a Intentona Comunista, notabilizaram-se grandes advogados, a exemplo dos inesquecíveis Sobral Pinto e Evandro Lins e Silva. O primeiro foi indicado pelo Conselho Federal da OAB para defesa dos líderes comunistas Luís Carlos Prestes e Harry Berger, travando, por nove anos, duras batalhas em defesa da liberdade e contra a violência do regime, apelando, inclusive, para a lei de Proteção aos Animais, na tentativa de resguardar a integridade física dos presos políticos.

Em 31 de março de 1964, um movimento político-militar depôs o presidente João Goulart. O regime militar foi marcado pelo autoritarismo, que privilegiava a autoridade do Estado em relação às liberdades individuais, e o Poder Executivo em detrimento dos poderes Legislativo e Judiciário. A atuação da Ordem dos Advogados do Brasil foi memorável na defesa dos cidadãos, dos presos políticos, na articulação para a anistia dos exilados pelo regime militar e na redemocratização do país, que culminou na Constituição cidadã de 1988.

Nessa época, notabilizaram-se grandes advogados brasileiros, dentre os quais Evaristo de Moraes Filho e Raymundo Faoro, bem como os imortais, incansáveis e invencíveis Sobral e Evandro. Seguiu-se a anistia após os anos de chumbo e a interlocução da OAB afigurou-se essencial à sua decretação. A luta pela redemocratização do país seguia com focos obscuros criados pela ditadura militar, com atentados com o intuito de produzir terror e dificultar a abertura política, praticados por setores da linha dura dos quartéis – a explosão de bombas no Riocentro e o brutal atentado que vitimou a secretária da presidência da OAB, Lyda Monteiro da Silva, em 1980, foram alguns deles.

A manutenção de uma Ordem dos Advogados do Brasil independente e autônoma é a garantia da defesa do Estado Democrático de Direito. Nações que mantêm suas congêneres autônomas são democracias consolidadas e reconhecidas no cenário internacional.

A tentativa de cerceamento do livre exercício à advocacia privada, assim como os tentames para censurar a imprensa livre são fortes indícios de perversão, por parte dos poderes constituídos, de enfraquecimento da democracia e das instituições de Estado.

Por tais razões, o advogado privado é indispensável à administração da Justiça, sendo constitucionalmente inviolável por seus atos e manifestações no exercício da profissão, nos limites da lei.
 
*Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ, autor de Lições de Direito Constitucional e Lições de Direito Econômico

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