03/08/2018 - 20:59

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Proibição prévia da publicação de notícias

03/08/2018 - 20:59

Proibição prévia da publicação de notícias

Proibição prévia da publicação de notícias

 

Direito e barulho

 

José Rollemberg Leite Neto*

 

Fernando Sarney é acusado de comportamento censório no caso em que contende com o jornal O Estado de S. Paulo, impedido de publicar matérias que digam respeito a determinado inquérito sigiloso, por ordem do TJ/DF. Fique claro que, neste caso, não há censura, porque não existem direitos absolutos. Entrando em choque dois ou mais deles, impõe-se a pesquisa de qual deve prevalecer. E, nesse âmbito, a razão pertence a Fernando Sarney.

 

A divulgação de informações sigilosas colide com diversos direitos da personalidade (à privacidade, à imagem, ao bom nome etc.), ressalvas expressas à liberdade de noticiar (art. 220, § 1.º, da CF). Choca-se, também, com outros postulados constitucionais, sobretudo o da legalidade. A lei erige como imprescindível ao bom andamento das investigações criminais a não revelação de seus conteúdos, com ênfase nos inquéritos em que constem interceptações telefônicas e quebras dos sigilos bancário e fiscal. Pune como crime esses vazamentos.

 

Isso significa que se, em regra, no conflito normal entre uma prerrogativa individual e o direito de informar este deve prevalecer, em um caso como este, as coisas mudam de perfil. Ou se cumpre a legislação que resguarda o sigilo ou se ignora esta, em proveito cabal da - ilimitada - liberdade de imprensa.

 

O maior problema da segunda alternativa está em permitir que o vazamento de informações sigilosas possa ser utilizado por um órgão de comunicação. Mesmo que se admita que o jornal não é autor de qualquer delinquência, é dela aproveitador. Lucra com ela. Ganha dinheiro com o crime alheio.

 

A ponderação feita pelo TJ/DF foi acertada. Existe uma ordem, emanada da Justiça Federal, afirmando o caráter reservado das investigações.

 

De outra parte, é incabível reclamar a questão diretamente ao STF. Isto porque a ADPF 130, que declarou a Lei de Imprensa não-recepcionada pela Constituição de 1988, em nada se conecta ao presente caso. Não se está, nesta contenda, a debater qualquer dispositivo dessa lei.

 

Entender a questão como um tema constitucional da maior relevância, em que postos os interesses da Justiça e os proveitos comerciais de um jornal, é acrescentar tempero ao velho confronto entre liberdade de imprensa e direitos da personalidade. O resto é barulho.

 

*Advogado de Fernando Sarney

 

 

Censura nunca mais!

 

Manuel Alceu Affonso Ferreira*

 

Antecipando tutela recursal requerida pelo sr. Fernando Sarney, um desembargador do TJ/DF ordenou ao jornal O Estado de S. Paulo abster-se, "de qualquer forma, direta ou indireta", da utilização dos "dados relativos ao agravante, eis que obtidos em sede de investigação criminal sob sigilo judicial."

 

Aludia-se, na decisão, às informações coligidas pela Polícia Federal (Operação Boi Barrica) e oriundas de lícitas interceptações telefônicas, diálogos estes dos quais vieram a saber O Estado de S. Paulo e outros periódicos, face aos vazamentos ocorridos.

 

As conversas entre o investigado e alguns parentes - entre eles o presidente do Senado -, bem como com terceiros, não envolviam privacidades ou segredos íntimos. Em essência, aqueles telefonemas tratavam de assuntos do mais autêntico e didático interesse público: nomeações para cargos, licitações, negócios governamentais, contratos administrativos etc.

 

Nem se alegue, para tolher a publicação, que a divulgação das gravações telefônicas incidiria no crime tipificadona Lei nº 9.296, de 1996. A uma porque, mesmo se em tese ocorresse, a eventual responsabilização dar-se-ia a posteriori, jamais podendo retroagir para fundamentar a censura. A duas porquanto, tal como há muito doutrinadores e julgados pacificaram, a responsabilidade pelo sigilo judicial é de seus custodiantes - os operadores policiais e forenses partícipes da interceptação -, jamais de quem, como o jornalista, por exclusiva falta alheia tomou ciência do respectivo conteúdo.

 

Induvidoso, pois, que as medidas censórias editadas afrontaram os taxativos preceitos constitucionais que as repelem. Comandos fundamentais estes, aliás, que no recente julgamento da ADPF 130, inaugurada pelo deputado Miro Teixeira e na qual se concluiu pela ab-rogação da lei especial de 1967, mereceram a enfática reafirmação do STF.

 

Lembre-se que, naquele aresto, o Supremo insistiu em recusar capacidade censória a quaisquer autoridades, nelas abrangidas as togadas. Foi o que, litteris, figurou no acórdão relatado pelo ministro Ayres Britto: "Não há liberdade de imprensa pela metade ou sob as tenazes da censura prévia, inclusive a procedente do Poder Judiciário, pena de se resvalar para o espaço inconstitucional da presdigitação jurídica.".

 

Em suma, censura prévia nunca mais!   

 

*Advogado do jornal Estado de S. Paulo

 


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