03/08/2018 - 21:04

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Polêmica sobre CNJ agrega defensores de sua atuação e expõe feridas do Judiciário

03/08/2018 - 21:04

Polêmica sobre CNJ agrega defensores de sua atuação e expõe feridas do Judiciário

Duas decisões liminares de interesse da sociedade e, diretamente, da advocacia entraram na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) em fevereiro, após terem atravessado o recesso sob intensa polêmica, expondo profundas dissensões no meio jurídico. A primeira, sobre a competência – concorrente ou subsidiária – do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) no controle e na fiscalização do Judiciário nos estados. A segunda, relacionada a investigação do CNJ iniciada, e sustada, de movimentações atípicas apontadas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) em relatório envolvendo magistrados e servidores em 22 tribunais do país, no valor de R$ 855,7 milhões (de 2000 a 2010). São Paulo, Rio de Janeiro e Minas Gerais concentraram os maiores valores movimentados.

PATRÍCIA NOLASCO

A primeira liminar, concedida pelo ministro Marco Aurélio em ação da Associação de Magistrados Brasileiros (AMB), impôs limitação aos poderes correicionais do CNJ, entendendo que não se sobrepõem aos das corregedorias locais. A segunda, de Ricardo Lewandowski, suspendeu as investigações do Conselho motivadas pelo relatório do Coaf ( veja artigo na página 6). Além de manietarem o CNJ até a decisão do pleno do STF, ambas provocaram, na sociedade, na advocacia e também na magistratura manifestações sobre a necessidade de maior transparência ao Judiciário.

No Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT-1), foram detectadas pelo Coaf operações de transferência realizadas por uma só pessoa totalizando R$ 282,9 milhões, em 2002. O fato levou o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, a oficiar ao TRT-1, solicitando esclarecimentos e identificação do responsável, e à Procuradoria Regional da República, para que informe se houve investigação e, nesse caso, qual o resultado, uma vez que o Coaf informou, posteriormente, ter sido um ex-doleiro quem movimentou o dinheiro, tendo sido preso durante uma operação da Polícia Federal. A iniciativa de Wadih teve ampla repercussão na imprensa. A direção da corte afirmou desconhecer tal ocorrência.

O juiz da 7ª Vara Cível de Nova Iguaçu, João Batista Damasceno, integra um grupo de magistrados do Rio e de São Paulo que decidiu abrir mão do sigilo bancário e fiscal para expressar apoio à plena competência de fiscalização do CNJ. Ele diz ter pretendido explicitar seu entendimento de “que aqueles que desempenham função pública não podem pretender sigilo ou alegar intimidade no que diz respeito às funções que desempenham ou quanto ao que percebem dos cofres públicos”.

Damasceno rebate acusações de entidades corporativas da magistratura sobre uma suposta pretensão da Corregedoria Nacional de Justiça de devassar mais de 200 mil contas bancárias de juízes e servidores. “Não vislumbro qualquer abuso por parte da corregedora Eliana Calmon. Alguns presidentes de tribunais fizeram pagamentos a magistrados numa única parcela e ordenaram pagamento aos demais em dezenas de prestações. Há o caso de um presidente de tribunal que, além de pagar aos favoritos da corte, pagou a si mesmo numa única parcela. O caso tangencia a improbidade administrativa, por violação ao princípio da impessoalidade. Tais montantes, pagos numa única parcela, levaram o Coaf a detectar movimentação financeira atípica na conta daqueles magistrados favorecidos pela ilegalidade”, explica.

Lembrando que o Coaf não investiga, limitando-se a encaminhar os dados encontrados aos órgãos competentes, o juiz acha que “estão fazendo tempestade em copo d’água”. Na opinião dele, se a movimentação foi lícita “é só justificar e acabou”. Parece-lhe que “a improbidade é de quem ordenou o pagamento numa única parcela e não de quem recebeu o que era devido”. Segundo Damasceno, “as oligarquias estaduais estão aproveitando o caso para tentar enfraquecer o CNJ”.

Para o juiz, a atividade jurisdicional é bem transparente, mas a atividade administrativa dos tribunais “é um buraco negro”. Ninguém, diz, “é capaz de entender o que acontece e pouca coisa fica registrada para possibilitar controle”.

Ele dá um exemplo próprio: “No Rio de Janeiro, temos a lista prévia para as promoções por merecimento ao cargo de desembargador. Há anos protocolo com antecipação os futuros promovidos por merecimento. Meu último requerimento ao presidente do TJ foi uma certidão dos critérios para formação da última lista. Jamais errei um nome ou a ordem nas quais as promoções são feitas. Já se esgotou o prazo legal para expedição da certidão e até o momento ela não me foi encaminhada”.

O juiz discorda do posicionamento do ministro Marco Aurélio quanto à limitação da atuação correcional do CNJ. “Li e reli o artigo 103B da Constituição e não encontrei qualquer referência à ‘subsidiariedade’ imposta. Ao contrário, ao dispor sobre a competência do CNJ, a Constituição assinalou a atuação ‘de ofício’ do Conselho, ‘sem prejuízo da competência disciplinar e correicional dos tribunais.”

Daí, observa Damasceno, seu entendimento de que a competência é concorrente e não subsidiária. “A Emenda Constitucional 45 não foi editada para suplementar o poder dos tribunais locais, mas para instituir um controle central, ante a ineficácia ou o mau uso do poder correicional dos tribunais”. Ele sustenta ser testemunha de casos em que “o poder correicional local se direcionava contra o bom juiz que contrariava os interesses políticos e econômicos das oligarquias estaduais e protegia aqueles que lhes favoreciam os negócios”.

‘Decisão do STF contrária ao Conselho seria triste retrocesso’ O presidente da Caarj, Felipe Santa Cruz, afirma estar preocupado com a futura manifestação do Supremo no caso. “Hoje, o que se ouve nos corredores é a voz de uma reação corporativa cega. Uma decisão que venha ceifar a competência do CNJ pode destruir a credibilidade do Poder Judiciário”, alerta. Ele defende a atuação do Conselho e espera uma posição favorável do STF. “O contrário seria um triste retrocesso”, comenta.

No entanto, Felipe prefere não se perfilar junto aos que apontam uma tentativa de esvaziamento do CNJ por parte das entidades corporativas. “Por natureza, não gosto de generalizações. Acho que facilitam a vida de quem não quer realmente avançar no debate institucional. Não penso que todos que tenham críticas ao Conselho estejam lutando por um Judiciário fechado, mas esse clima de final de campeonato acaba juntando no mesmo lado setores diversos, com interesses diversos, legítimos ou não. Um pouco mais de serenidade seria positivo para todos”, ressalta.

O historiador e professor da Universidade Federal de São Carlos (SP) Marco Antonio Villa, habitual crítico da falta de transparência no Judiciário, entende que “a guerra travada por setores conservadores e corporativistas, no pior sentido da expressão, contra o CNJ, é um combate contra a cidadania”. Ela endossa a defesa da competência do Conselho. “Ter algum tipo de controle sobre o Judiciário é fundamental para consolidar as nossas instituições democráticas. Ninguém quer que o CNJ aja arbitrariamente – o que não tem feito, vale registrar”, observa. O que se deseja, salienta, “é mais que inibir, acabar com práticas pouco republicanas que ocorrem no Judiciário de forma sistemática sem que haja algum tipo de punição”.

Villa avalia negativamente a contribuição do Judiciário para o aperfeiçoamento do Estado Democrático de Direito e nos serviços prestados à sociedade. “Desde a redemocratização, [ o Poder] tem pecado muito. Em resumo: não tem exercido a sua função constitucional e deixado de lado a sua principal atribuição: fazer justiça”.

Ele critica benefícios como férias de 60 dias para a magistratura, mas ressalva: “Sei que a maioria trabalha muito, cumpre suas funções e não tem privilégios. O problema maior está nos tribunais de Justiça, sem esquecer as cortes superiores”.

Mas, para o historiador e cientista social, os debates em torno das atribuições do CNJ têm seu lado positivo. “O bom de toda esta polêmica é que acabou aquele silêncio meio forçado sobre o Judiciário. Hoje, transparência é um tema popular. Ninguém aguenta mais tanta morosidade, tanto privilégio, tanta empáfia, e tão pouca justiça”.


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