03/08/2018 - 21:04

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Justo tributo ao mestre

03/08/2018 - 21:04

Justo tributo ao mestre

Evandro Lins e Silva é homenageado pela OAB/RJ no dia em que completaria cem anos

CÁSSIA BITTAR

Grandes nomes da advocacia e da sociedade, das mais variadas gerações, reunidos para lembrar um dos mais notáveis criminalistas da história do país. No dia que marcou seu centenário, 18 de janeiro, Evandro Lins e Silva teve sua memória celebrada em uma homenagem que lotou o plenário que leva o seu nome, na sede da Seccional.

“Em Evandro Lins e Silva, estavam reunidas diversas qualidades que formam, além de um grande advogado, um grande homem”, afirmou o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, lembrando que o jurista não se acovardou por ter, como magistrado, um posicionamento contrário ao regime ditatorial: “Evandro foi aposentado do Supremo Tribunal Federal (STF) por não concordar com as medidas do governo. E isso muito nos honra, como advogados”.

Conselheiro da OAB/RJ e neto do criminalista, Ranieri Mazzilli recordou as ideias socialistas do avô, que foi um dos fundadores da Esquerda Democrática, e sua excelência no campo do Direito: “Ele era um advogado incomparável. Conseguia enxergar nos autos dos processos coisas que para nós, simples mortais, ficam simplesmente ocultas”. Ranieri recebeu, das mãos de Wadih, uma placa em homenagem a Evandro. No final do evento, outra placa alusiva à data seria inaugurada na parede do plenário.

Muito lembrada foi, também, sua solidariedade ao cliente e a vocação para passar conhecimento adiante. “A memória que guardo de Evandro é de, como uma advogada menos experiente, ficar parada ouvindo-o falar para tentar adquirir todas aquelas lições”, recordou a presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional, Margarida Pressburger.

O discurso principal sobre a vida do jurista ficou a cargo do amigo e ex-presidente do STF Sepúlveda Pertence, que fez uma intervenção emocionante, brindando a plateia com histórias bem humoradas sobre ele.

“Evandro é um marco divisor da oratória forense. Além disso, seus anos de militância no Tribunal de Segurança Nacional ainda revelariam duas virtudes essenciais para a profissão: sua coragem moral e a tolerância que o fez defender, com a mesma dedicação, os perseguidos de esquerda próximos de seu ideal socialista, mas também os integralistas e até acusados de espionagem nazista”, relatou Pertence.

Além dos filhos — Ana Teresa, Patrícia, Carlos Eduardo e Cristiano — e netos, estiveram no evento grande parte da diretoria da Seccional, presidentes de comissões e de subseções e figuras como o ex-presidente do Conselho Federal Eduardo Seabra Fagundes; os ex-presidentes do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) Benedito Calheiros Bomfim, Ricardo Lira, Celso Soares e Marcelo Cerqueira; os desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro Marco Aurélio Bezerra e Claudio Tavares e o conselheiro da OAB/MG Henrique Mourão, além de representantes de várias instituições da classe. Também compareceu à homenagem Ana Maria Machado, presidente da Academia Brasileira de Letras (ABL), instituição que teve Evandro como membro.

A mesa foi composta, além de Wadih e Ranieri, pelo vice-presidente da Seccional, Sérgio Fisher, pelo secretário-geral, Marcos Luiz Oliveira de Souza, pelo tesoureiro, Marcello Oliveira, pelo presidente da OAB/PA, Jarbas Vasconcelos, e pelo presidente do IAB, Fernando Fragoso.

Na trajetória de advogado, ministro de Estado e do STF, a marca da luta permanente contra o autoritarismo

Evandro Lins e Silva nasceu em Parnaíba (PI), em 18 de janeiro de 1912. Veio para o Rio ainda no ginasial, concluído do Colégio Pedro II. Já trabalhando como jornalista, formou-se pela antiga Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, hoje UFRJ, em 1932. Foi procurador-geral da República, ministro das Relações Exteriores e do Supremo Tribunal Federal (STF), corte da qual se viu subitamente aposentado, em 1968, por força do Ato Institucional nº 5 (AI-5). Como advogado, especializou-se em Direito Penal, com intensa atividade no Tribunal do Júri, nos juizados criminais e nos tribunais superiores. Atuou em processos criminais de repercussão nacional, inclusive em matéria política. Na década de 1930, defendeu tanto comunistas como integralistas perante o Tribunal de Segurança Nacional do Estado Novo. Durante os primeiros anos da ditadura militar, como ministro do STF, participou dos julgamentos de mais de cem presos políticos, entre eles Miguel Arraes, Caio Prado Júnior, Muniz Sodré e Enio Silveira. Nos anos 1990, atuou como advogado de acusação contra o então presidente da República Fernando Collor de Melo. Integrou o Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil por vários períodos, entre 1944 e 1961, tendo participado, com destaque, das conferências da entidade. Foi, também, professor e escritor. Autor dos livros A defesa tem a palavra, Arca de guardados e O salão dos passos perdidos, ocupou a cadeira nº 1 da Academia Brasileira de Letras (ABL).

Livro do jurista é relançado durante o ato

Após permanecer por 20 anos fora de catálogo, A defesa tem a palavra, obra de Evandro Lins e Silva que teve sua primeira edição em 1980, foi relançada pela editora Booklink durante a homenagem ao centenário do jurista. Além de observações sobre a atuação do advogado no júri e nos crimes políticos, o livro reproduz um dos julgamentos mais debatidos da história brasileira: o assassinato de Ângela Diniz, conhecido como “O caso Doca Street”, como era chamado o acusado pelo crime, Raul Fernandes do Amaral Street, cuja defesa ficou a cargo do jurista. Evandro comenta o processo desde a luta pela liberdade do acusado até a sustentação da decisão dos jurados para reafirmar o preceito de que todos têm direito à defesa, sempre dentro da lei. Nessa linha de raciocínio, com o recurso que cunhou da “legítima defesa da honra”, relata como conseguiu absolver o réu, tornando a publicação de interesse não apenas de bacharéis. Um verdadeiro curso para advogados iniciantes ou mais experientes, a obra, que tem apresentação do jurista Fábio Konder Comparato e texto da orelha escrito por Ranieri Mazzilli, reúne também várias informações sobre a instituição do júri popular.


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