19/08/2015 - 12:48

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Imposto sobre fortunas

19/08/2015 - 12:48

Imposto sobre fortunas

Tributo, além de não ter arrecadação rep resentativa, provoca fuga de capitais

CESAR MORENO*
Encerrado o período eleitoral e iniciado o novo mandato, coube ao governo federal encarar a dura realidade da crise econômica que assola o país e propor um ajuste fiscal, de modo a contornar os efeitos da queda na arrecadação.

Para tanto, adotou a estratégia que se repete em todos os governos desde a volta da democracia: aumentar a carga tributária. Agora, volta a cogitar a criação do IGF (Imposto sobre Grandes Fortunas). É a terceira vez que se retoma a discussão nos últimos 12 anos.

Nos anos de 2003 e de 2008, a proposta do Executivo consistia, basicamente, em suprimir o texto “nos termos de lei complementar” que existe no inciso VII, do artigo 153, da Constituição Federal, que trata do IGF. Na prática, o objetivo era possibilitar a criação de tal tributo por lei ordinária, que exige apenas aprovação por maioria simples (25% mais um) dos membros do Congresso Nacional, ou seja, 21 senadores e 129 deputados, ou até mesmo por medida provisória. 

Como tal modificação não foi adiante, continua sendo necessária lei complementar para a criação do IGF, o que traz como consequência a exigência de sua aprovação pelo voto favorável da maioria absoluta dos membros do Congresso Nacional (ou seja, 41 senadores e 257 deputados). Por isso é que a base governista apresentou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 130/2012.

Como a Constituição não define o que são “grandes fortunas”, o projeto as classifica como o patrimônio líquido que exceda a determinado valor em múltiplos do limite mensal de isenção do IR para pessoa física.

Assim, patrimônios até oito mil vezes o limite mensal de isenção do IRPF estariam isentos. Acima disso e até 25 mil vezes, a alíquota seria de 0,5%; acima de 25 mil e até 75 mil vezes, de 0,75%; e acima de 75 mil vezes, de 1%.

Tomando por base o limite de isenção do IRPF em vigor desde abril de 2015 (R$ 1.903,98), as faixas de tributação seriam: até R$ 15.231.840, isenção; acima desse valor e até R$ 47.599.500, alíquota de 0,5%; acima desse valor e até R$ 142.798.500, 0,75%; e acima deste, 1%.

Do projeto em discussão, cabe destacar o fato do seu artigo 2º definir como contribuintes não só pessoas físicas brasileiras, como também pessoas físicas ou jurídicas domiciliadas no exterior em relação ao patrimônio líquido possuído no Brasil. O que assusta é a amplitude do conceito de patrimônio líquido (bens e direitos de qualquer natureza, segundo o texto do projeto), o que pode dar ensejo à tributação de capital produtivo (participações societárias, por exemplo).

Além disso, o projeto determina que o patrimônio imobiliário terá seu valor definido a partir da avaliação feita pelos municípios, ou seja, com base no valor venal para fins de incidência do IPTU. 

O IGF não é um tributo muito comum. São poucos os países que o instituíram pelo fato de não ter arrecadação representativa, aliado à fuga de capitais que provoca. Mesmo assim, em razão de sua fúria arrecadatória, o governo empenha esforços para criar mais este imposto, quando poderia muito bem dedicar seu tempo para simplificar e reduzir a carga tributária brasileira, bem como eliminar parte das obrigações acessórias, tornando, assim, a indústria nacional mais competitiva.
 
* Bacharel em Direito e LL.M. em Direito Societário pelo Ibmec-SP, especialista em Direito Tributário internacional pelo International Bureau of Fiscal Documentation

É hora de mandar conta do ajuste para aqueles que podem pagar

PAULO R. FELDMANN (*)
O Brasil assistiu nesse início de Século 21, pelo menos entre 2005 e 2012, a um crescimento do consumo e da renda da população mais pobre, o que fez com que muitos interpretassem como decorrência de uma melhoria na péssima distribuição de renda. Importante esclarecer que isso não é verdade e nosso país continua ostentando uma das piores taxas de distribuição de renda do mundo.  Uma das instituições internacionais que mede e avalia esses dados é o Pew Research Center. Segundo eles, quem ganha entre U$ 2 e U$ 10 por dia é considerado pobre ou miserável, e mais da metade da população brasileira está nessa categoria; 50,9%, para ser preciso. Na classe média, cuja renda diária vai de US$ 10 a US$ 20, estão 27,8 % dos brasileiros, e na classe alta, que vai de US$ 20 a US$ 50 por dia, ficam 15,9 % da população. Para completar os 100% faltam 5,4% da população que são os ricos e que ganham acima de US$ 50 por dia. Essa distribuição das porcentagens praticamente não mudou nos últimos 40 anos. Isso quer dizer que, se os pobres aumentaram suas respectivas rendas, os ricos também o fizeram mais ou menos na mesma proporção, e com isso a má distribuição de renda se perpetuou.

Os programas sociais implantados nos últimos anos não foram feitos como em outros países, tributando os mais ricos e repassando para os pobres. Eles resultaram de verbas orçamentárias do próprio governo federal que foram realocadas e do aumento do salário mínimo. 

Está na hora de mandar a conta do ajuste para aqueles que têm e podem pagar essa conta. Segundo um relatório do banco Credit Suisse divulgado pelo jornal Folha de S. Paulo em 14/10/2014, no Brasil existem 225 mil adultos que possuem um patrimônio pessoal de mais de U$ 1 milhão. Suponhamos que essa riqueza seja, em média, de U$ 1,5 milhão. Isso significaria um patrimônio total de R$ 900 bilhões. Um imposto de 4% apenas sobre essa riqueza daria ao governo uma arrecadação adicional de R$ 36 bilhões. Isto representa mais da metade do valor do ajuste fiscal que o ministro Joaquim Levy está promovendo. Só que o ministro o faz cortando verbas de programas sociais, inclusive na área educacional. Não seria muito mais justo finalmente taxarmos os muito ricos?

Taxar mais e melhor as heranças também poderia contribuir, e muito. O Brasil ostenta uma das mais baixas alíquotas no mundo para o Imposto sobre Herança. Aqui chamado de ITCMD – é um imposto estadual. Heranças em nosso país são tributadas pelos governos estaduais e sobre elas incide um imposto de apenas 4%. Um décimo do valor da alíquota do Reino Unido, onde esse imposto é um dos mais importantes. Assim mesmo, no Brasil, em 2013, os governos estaduais arrecadaram R$ 4,5 bilhões com essa tributação. Se a alíquota fosse a mesma do Reino Unido teríamos tido uma arrecadação de R$ 45 bilhões.

No Brasil, a maior parte do que se arrecada é constituída de impostos indiretos, os ICMS, ISS, Cofins etc. que oneram da mesma forma os mais ricos e os mais pobres, ou seja, nosso sistema tributário é injusto. Aqui o que se arrecada com impostos diretos equivale a 2% do PIB, enquanto nos Estados Unidos, que também tem um percentual baixo, os impostos diretos são 8% do PIB. A alíquota mais alta do Imposto de Renda no Brasil é de 27,5%, enquanto na França é de 50%.

Taxar os ricos e as grandes fortunas nos tornará um país mais justo, abrindo caminho para o efetivo desenvolvimento de milhões de brasileiros que hoje sobrevivem com migalhas e esmolas a que chamamos programas sociais.
 
* Professor de Economia da FEA USP

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