08/11/2012 - 16:52

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Desde criança, a vocação de defensor da liberdade

08/11/2012 - 16:52

Desde criança, a vocação de defensor da liberdade

Heráclito Fontoura Sobral Pinto nasceu em Barbacena, Minas Gerais, em 5 de novembro de 1893. Aos 3 anos de idade mudou-se para Porto Novo do Cunha, distrito de Além Paraíba, onde seu pai, Príamo, era agente ferroviário. Foi nesta cidade que Sobral presenciou a cena que o fez despertar para a vocação de defensor da liberdade: estava no jardim de sua casa, com sua mãe, Idalina, quando viu um rapaz ser arrastado e espancado por policiais, em ato de covardia explícita. Sobral, criança que ainda era, revoltou-se e berrou com os policiais, exigindo que parassem de maltratar o homem, que o levassem preso dignamente.
 
Aos 13 anos foi estudar em Friburgo, no Colégio Anchieta, escola jesuíta que consolidou sua formação católica.
Em seguida, estudou Direito no Rio de Janeiro, na Faculdade de Ciências Jurídicas e Sociais, onde formou-se advogado em 1917.
 
Em 1922 casou-se com Maria José de Azambuja, com quem teve sete filhos.
 
Na década de 1920, ainda muito jovem, foi nomeado procurador criminal da República, um dos postos mais importantes do governo, ao qual renunciou depois de um escândalo em sua vida pessoal. A decisão de Sobral de entregar o cargo veio de sua percepção de que não poderia mais acusar ninguém depois de ter falhado no cumprimento de seus próprios princípios. A ética estava acima de tudo.
 
Continuou advogando de maneira privada, e em 1936 foi apontado pela OAB para representar Luis Carlos Prestes e Harry Berger, comunistas presos pelo regime de Getúlio Vargas. Diante do tratamento escabroso que recebiam os dois, vítimas de tortura física e psicológica, Sobral Pinto se valeu da Lei de Proteção aos Animais para requerer condições decentes para seus clientes, argumentação surpreendente que se tornou célebre.
Deste momento em diante Sobral Pinto se notabilizou por defender presos políticos, não raro seus opositores ideológicos. Católico fervoroso, aplicou na vida a máxima “odiar o pecado e amar o pecador”. Defendia, antes de tudo, o direito e a liberdade, independentemente de ideologia. E, na maioria das vezes, sem cobrar honorários. Sobral nunca acumulou fortuna com seu trabalho, encarava seu ofício como uma missão.
 
Na década de 1950, às vésperas da campanha que levaria Juscelino Kubitschek à presidência do país, soube que os militares articulavam barrar a candidatura dele. Sobral votava com a UDN, partido opositor ao PSD de Juscelino, mas mesmo assim se levantou contra o que viu como uma afronta à Constituição. Criou a Liga pela Defesa da Legalidade e articulou um movimento para garantir o direito de Juscelino se candidatar, embora não pretendesse votar nele. Uma vez eleito, Juscelino convidou-o para integrar o Supremo Tribunal Federal, ao que Sobral recusou, esclarecendo que tinha defendido a lei e a Constituição, e não a candidatura de Juscelino, e muito menos aceitaria qualquer vantagem ou prêmio por sua atitude.
 
Sobral Pinto apoiou inicialmente o golpe de 1964 por julgar que o governo João Goulart estava ferindo a Constituição e caminhando para instalar um regime comunista no Brasil mas, imediatamente após a tomada do poder pelos militares, percebeu que instalava-se uma ditadura que não restauraria a lei e a ordem, muito pelo contrário. Passou então a criticar duramente o regime e a lutar contra ele, defendendo milhares de perseguidos políticos, dentre os quais o próprio Juscelino Kubitschek, além de Miguel Arraes, Carlos Lacerda, José Aparecido de Oliveira e muitos outros.
 
Sobral escrevia cartas quase que diariamente aos presidentes, generais, ministros e afins protestando contra os desmandos da ditadura e exigindo o retorno do Estado de Direito, sem medo das consequências que poderia vir a sofrer.
 
No dia seguinte à declaração do Ato Institucional nº 5, em dezembro de 1968, foi preso por insubordinação à ditadura. Mas ficou apenas alguns dias no cárcere, devido à sua estatura pública, a um movimento feito por advogados amigos no sentido de libertá-lo, e também ao seu discurso pela legalidade dentro da prisão. Os militares acharam melhor livrar-se de Sobral do que tê-lo discursando contra a ditadura para os outros presos e para quem mais quisesse ouvir, inclusive oficiais do Exército. Sua coragem não tinha limite.
 
Lutou com ardor nos anos seguintes pela abertura política e participou ativamente da campanha pelas eleições diretas nos anos 1980. Fez um dos discursos mais memoráveis do movimento no comício da Candelária, no Rio de Janeiro, em abril de 1984, quando evocou o artigo 1º da Constituição Federal: “Todo poder emana do povo e em seu nome será exercido”. Levou a multidão de um milhão de pessoas ao delírio.
 
Sobral Pinto manteve sua rotina diária de trabalho em seu escritório no Centro do Rio até o último mês de vida. Morreu aos 98 anos, em 30 de novembro de 1991.

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