17/11/2017 - 15:42

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Reforma trabalhista: o que muda para os advogados?

17/11/2017 - 15:42

Reforma trabalhista: o que muda para os advogados?

Mudanças na CLT entram em vigor e trazem incertezas à comunidade jurídica. A TRIBUNA conversou com juristas  destacou os principais pontos sensíveis aos advogados
 
EDUARDO SARMENTO, VITOR FRAGA E CÁSSIA BITTAR
 
Proposta pelo governo federal, aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada em julho deste ano pelo presidente da República, Michel Temer, a Reforma Trabalhista (Lei 13.467/17) entrou em vigor no dia 11 de novembro cercada de dúvidas. A essência das mudanças na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) é o aumento da possibilidade de negociação direta entre entidades empresariais e funcionários, possibilitando que o acordado se sobreponha ao legislado. Alterações em relação a pontos sensíveis como férias, remuneração, jornada diária e descanso geram discordâncias no mundo jurídico, inclusive entre os juízes do Trabalho, responsáveis pela aplicação das novas regras. A reportagem ouviu advogados e magistrados a fim de elucidar as principais dúvidas e salientar os pontos de maior interferência no cotidiano dos colegas.

Crítico da reforma, o presidente da Comissão de Justiça do Trabalho da OAB/RJ, Marcus Vinicius Cordeiro, demonstra preocupação com as mudanças nas regras trabalhistas no atual momento do país. “Não consideramos desnecessária uma nova configuração da legislação trabalhista. Mas da forma como foi feita, com açodamento, sem um debate adequado com a sociedade e com a comunidade jurídica, e sem a participação das partes principais, que são empregadores e empregados, estas novidades trarão muito mais insegurança do que qualquer outra coisa”, protesta. Para Cordeiro, os idealizadores da reforma trabalhista têm objetivos não declarados. “Querem satisfazer forças políticas, econômicas e sociais, mas se escondem sob a ideia de que a reforma vem para modernizar e agilizar os procedimentos das relações de trabalho. Não adianta afirmarem que o novo texto vai incrementar o número de empregos, o que vem por aí é mais precarização. É exploração de mão de obra barata sem assegurar direitos”, prevê.

É ponto pacífico entre os profissionais consultados que a entrada em vigor da nova legislação irá impactar significativamente o cotidiano dos advogados. Uma vez que a maioria dos juristas acredita que as regras de direito material valem apenas para os contratos novos, celebrados após 11 de novembro, a principal preocupação diz respeito às novas regras de processo do trabalho, sobre as quais não há unanimidade nem mesmo em relação à aplicação nos casos em andamento. As denúncias de inconstitucionalidade, inclusive por parte do ex-procurador da República Rodrigo Janot, e a falta de unidade dos magistrados no que tange à interpretação das recentes modificações levam a outro consenso: a insegurança jurídica que irá perdurar até que seja firmada jurisprudência sobre a matéria.

O juiz do Trabalho Marcelo Moura é um dos que temem os resultados de tantas indefinições. “Faltou discussão. Embora eu não consiga enxergar uma ampliação do número de empregos, conforme alardeado por alguns, há bons pontos na reforma, como a flexibilização do acordo de compensação de jornada. No entanto, a via está errada. Meu questionamento é mais em relação à forma do que ao conteúdo”, afirma. Moura é um dos organizadores do seminário sobre a Reforma Trabalhista que será realizado na OAB/RJ, em 4 de dezembro, com o intuito de estimular o debate e dirimir dúvidas sobre o tema. 

No mesmo sentido, a desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região (TRT) Vólia Bomfim acredita que levará “muito tempo até a pacificação de algumas celeumas”. O primeiro obstáculo, segundo Vólia, será referente à aplicação da lei aos contratos em curso. “Há no mínimo três correntes com opiniões diversas sobre o tema”, explica, antecipando que a defesa da não aplicação da reforma aos contratos em vigor pode gerar ainda mais problemas. “É preciso considerar o cunho político e evitar demissões em massa, já que a reforma visou a reduzir os custos, precarizando as relações trabalhistas. Acho que o empresário, sabendo que pode economizar entre 30% a 40% com a ‘pejotização’ [contratação de pessoa jurídica], com a terceirização e com a retirada de benefícios, vai demitir e contratar novos empregados, caso não possa aplicar as novas normas imediatamente”.

Na opinião do advogado e conselheiro seccional Luciano Gago, se for seguida a “via normal, vara trabalhista, TRT, TST [Tribunal Superior do Trabalho] e STF [Supremo Tribunal Federal]”, vai demorar “alguns bons anos” até que seja firmada a jurisprudência. “Todavia, se vier uma medida buscando o controle concentrado da Suprema Corte, pode ser que consigamos encurtar o caminho. Malgrado o Supremo não ser um exemplo de celeridade, poderia impor uma decisão de caráter liminar. Ainda que não agrade a todos, traria, sem dúvida, uma pacificação da tormentosa insegurança jurídica”, acredita. Ele salienta que o TST, com o novo Código de Processo Civil, “resolveu apaziguar algumas dúvidas acerca da aplicação da norma civilista no Processo do Trabalho e editou a Instrução Normativa 39/2016”, que teria trazido “direcionamentos aos atores do Judiciário trabalhista”. O resultado poderia levar a um impasse: “Contudo, não me parece que a corte repetirá o procedimento em relação à Reforma Trabalhista, ante a incógnita dentro do próprio tribunal acerca da aplicação da norma. De toda sorte, com algum prejuízo, se fará agora o que o Congresso deveria ter feito: ouvir a sociedade”.

Polêmicas à parte, a advogada Carolina Tupinambá enxerga a possibilidade de benefícios para a advocacia com as mudanças na lei. “O advogado trabalhista terá que se reinventar. A nova legislação traz uma série de elementos que podem ser pactuados, inclusive individualmente, entre empregado e empregador. Nesta medida, ganham relevância os instrumentos contratuais de negociação”, afirma, considerando que o trabalho de consultoria, melhor remunerado, prevalecerá. “O advogado terá que fazer um contrato, e não mais imprimir um modelo. Se o colega usar seu conhecimento para fazer um documento efetivamente estratégico, pode haver ganho substancial de seu cliente, o que não existia na área trabalhista”, considera. Ela ressalta que as vantagens não se restringem aos colegas que defendem empresas. “O advogado que atende o empregado também terá melhores condições, já que, em caso de vitória, poderá receber valores da empresa sem prejuízo de eventuais honorários contratuais que tenha negociado com seu cliente”, explica.
 
Honorários de sucumbência e acesso à Justiça
Uma das maiores alterações sentidas pelos advogados no dia a dia será em relação a custas e honorários. Em seu artigo 791-A, a Lei 13.467/17 prevê um ônus à parte que perde o processo, o chamado honorário de sucumbência. Até então, a Justiça do Trabalho seguia a regra da Súmula 219  do TST, que previa apenas honorários assistenciais, ou seja, o valor era devido apenas à parte assistida por um sindicato. Na prática, os advogados que trabalhavam com clientes individuais acertavam entre eles os honorários contratuais a serem cobrados. “Este é o ponto número um para a advocacia”, considera Marcelo Moura.

A gratuidade de Justiça também sofreu alterações. A partir da entrada em vigor da nova legislação, terá direito à Justiça gratuita quem recebe até 40% do teto do INSS, o que em números atuais representa um salário de R$ 2.212,52. 

Na visão de Tupinambá, as novas regras resultarão em uma mudança de postura, uma vez que, com a possibilidade de condenação em honorários sucumbenciais, entre 5% e 15%, será preciso cautela por parte dos advogados. “Não eram poucas as vezes em que o advogado ingressava com demandas que, na concepção dele, não seriam positivas, mas que na avaliação judicial eram consideradas pertinentes. Isso só fazia aumentar a aposta na judicialização”, considera.

Para Moura, a possibilidade de o proponente da ação ter que desembolsar uma quantia ao final do processo altera por completo a forma de se pensar o Direito do Trabalho. “É uma mudança de paradigma. O número de processos tende, com o tempo, a diminuir”, diz.

Já Tupinambá avalia que, a princípio, haverá aumento dos litígios, uma vez que “existirá inevitavelmente um ambiente de insegurança em relação à interpretação das normas”. Ela afirma que existe a possibilidade de intimidação da advocacia no que diz respeito às teorias mais ousadas. “Pode ocorrer uma desmotivação, já que para ingressar com uma tese mais audaciosa será preciso o aval do cliente em relação ao risco suportado, coisa que não havia anteriormente”, completa.

Na mesma direção, Vólia crê que “a Reforma Trabalhista inibiu demandas aventureiras e descabidas, principalmente pela aplicação da litigância de má-fé, da penalidade à testemunha mentirosa e dos honorários advocatícios sucumbenciais”. Ela destaca as restrições à gratuidade da Justiça como de “duvidosa constitucionalidade”.
 
Questionamentos
A constitucionalidade de alguns pontos da Reforma Trabalhista vem sendo amplamente questionada desde a sua concepção. Apenas um mês após a sanção do texto, o então procurador-geral da República Rodrigo Janot ajuizou no STF a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5766, com pedido de liminar, contra dispositivos que, em seu entendimento, impõem “restrições inconstitucionais à garantia de gratuidade judiciária aos que comprovem insuficiência de recursos, na Justiça do Trabalho”. De acordo com Janot, as alterações promovidas nos artigos 790-B, caput e parágrafo 4º; 791-A, parágrafo 4º; e 844, parágrafo 2º, da CLT configuram violações à garantia constitucional de amplo acesso à Justiça e à assistência judiciária integral aos necessitados.

Em outubro, a Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) promoveu a 2ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho, evento que foi marcado pela aprovação de 125 enunciados, sendo 58 aglutinados e 67 individuais, sobre a interpretação e aplicação da Lei 13.467/17. Entre as teses aprovadas está a que demonstra a incompatibilidade da Lei 13.467/2017 com convenções internacionais da Organização Internacional do Trabalho (OIT), além da ausência de consulta tripartite prévia com relação a diversos institutos previstos na nova norma.

Sobre as controvérsias das mudanças, Vólia explica que houve mudança estrutural na Justiça do Trabalho. “Há uma inversão na pirâmide trabalhista. Em qualquer ramo do Direito, segue-se a clássica pirâmide de Kelsen, que prioriza, hierarquicamente, a Constituição Federal, depois as leis complementares, leis ordinárias, convenções e acordos coletivos, costumes e sentenças normativas, nesta ordem. Já no Direito trabalhista tínhamos um dinamismo dessa pirâmide: para nós, era hierarquicamente maior a norma que fosse mais favorável ao trabalhador, a condição mais benéfica, mesmo se essa norma viesse do próprio regulamento da empresa. Esse dinamismo acabou agora com a reforma”, assinala a desembargadora.

De maneira geral, as críticas à reforma apontam que as mudanças tornarão ainda mais precárias as já inseguras relações de trabalho em muitos setores, principalmente diante do nível de desemprego e da consequente situação de necessidade pela qual passam muitos trabalhadores. No entanto, Luciano Gago garante que é possível resistir, mesmo dentro das novas regras, em nome da modernização das relações trabalhistas. “Nem todo negociado prevalecerá sobre o legislado, já que a norma criada impôs alguns limites. Além disso, era preciso dar um passo ao encontro da flexibilidade nas negociações coletivas. A dinâmica trabalhista estará sempre à frente do que legislação prevê e o Direito e o Processo do Trabalho indubitavelmente foram ramos que muito evoluíram na última década. Isto não quer dizer que as regras negociadas serão sempre maléficas. Pode haver negociações necessárias para ajustarem mais adequadamente um ramo ou segmento específico do trabalho, sem, necessariamente, prejudicar a sua categoria”, defende.

Apesar de julgar que a reforma “retrocedeu o Direito do Trabalho”, Vólia considera inviável a não aplicação de parte da nova legislação por parte dos magistrados trabalhistas, hipótese que vem sendo aventada em diversos círculos jurídicos. “Já passei da fase de procurar inconstitucionalidades e injustiças nesta reforma. Há tudo isso, mas as mudanças estão aí e a lei deve ser aplicada. Com o meio político atual, a situação como está, acho mais fácil receber a norma, acolher esse retrocesso e tentar, dentro do seu conteúdo, fazer a interpretação que for possível”, afirma.

O ponto de vista da desembargadora vai ao encontro do que pensa Moura, para quem a decisão está tomada, sem chance de reconsideração. “Não tem volta, pelo viés político está tudo resolvido e o Judiciário agora vai exercer o seu papel de interpretar. Algumas coisas me deixam preocupado até em relação à democracia. O Legislativo aprovou uma lei, a sociedade deve cumpri-la e o Poder Judiciário é quem vai determinar se é constitucional ou não, se deve prevalecer por tal ou qual princípio. Não é possível dizer que o juiz não vai cumprir, ele vai cumprir as normas, contanto que não fira a Constituição Federal, que não afronte os princípios do Direito do Trabalho. Se houver uma lei permitindo a cada um matar o vizinho, vamos cumprir essa lei? Teremos a incumbência de, em alguma forma, minorar os prejuízos do trabalhador”, conclui.

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