30/05/2016 - 12:41

COMPARTILHE

Lei de Propriedade Industrial: moderna, aos 20 anos

30/05/2016 - 12:41

Lei de Propriedade Industrial: moderna, aos 20 anos

Mudança inseriu o Brasil de forma definitiva no comércio internacional, mas país continua em lista de observação por pirataria e INPI precisa melhorar
 
VITOR FRAGA
A Lei 9.279/96, chamada Lei da Propriedade Industrial, completa 20 anos este mês. Considerada um marco, que teria inserido o país de forma definitiva no cenário do comércio mundial, ela faz parte de um contexto que, entre o final dos anos 1980 e meados dos 1990, trouxe uma série de mudanças em tratados internacionais – como, por exemplo, a assinatura do acordo Trips (Agreement on Trade-Related Aspects of Intellectual Property Rights) – acordo sobre aspectos dos direitos de propriedade intelectual relacionados ao comércio, integrante do conjunto de documentos firmados em 1994 que encerraram a Rodada do Uruguai e criaram a Organização Mundial do Comércio (OMC). Com a lei, o Brasil passou a ter credibilidade e voz no órgão, apesar de permanecer até hoje em uma lista de observação composta por países que têm problemas com a pirataria.

Para o presidente da Comissão de Propriedade Industrial e Pirataria (CPIP) da OAB/RJ, Paulo Parente, o diploma legal representou a inserção do Brasil em outro patamar de negociação diante dos organismos multilaterais. “A lei trouxe um avanço estrondoso para incluir o país no mercado comercial internacional. Muito em função disso, passamos a ter cadeira na OMC, por exemplo, porque ganhamos credibilidade. A legislação colocou o país como um player nas rodadas de comércio internacional”, afirma. Segundo Parente, antes de 1996 a legislação na área era muito fechada, engessando o desenvolvimento tecnológico nacional. “Historicamente, tínhamos um código de propriedade industrial que estava em vigor desde a época do regime militar. Era um momento fechado, que deixou o Brasil ao largo de todo o desenvolvimento em curso com a globalização. A Lei 5.772, de 1971, não ajudava o desenvolvimento. Com a pressão dos EUA, houve uma tendência de adequação do país ao novo cenário mundial, a partir do final dos anos 1980”, explica. A insegurança das empresas estrangeiras em realizar investimentos teria sido decisiva para a mudança. “Como as empresas investiriam em um país se este não protege as criações intelectuais? Nos anos 1990, as relações diplomáticas levaram a um pensamento que projetava outra nação, onde as empresas pudessem investir com segurança, com medidas de enforcement reais. Esse processo mudou o próprio parlamento, e começou-se a gestar uma nova legislação”, diz o presidente da CPIP, observando ainda que, a partir da Lei de Propriedade Industrial, vieram outras.

 O vice-presidente da Comissão de Direitos Autorais, Direitos Imateriais e Entretenimento (Cdadie) da Seccional, Claudio Lins de Vasconcelos, que também é especialista em Direito Internacional, reforça os argumentos de Parente. “No final da década de 1990, além da Lei de Propriedade Industrial, houve mudanças na Lei 9.610/98, de Direito Autoral; surgiram a Lei 9.609/98, do Software; e a 9.456/97, de proteção aos cultivares [espécies vegetais melhoradas, com registro], enfim, houve um movimento de reforma legislativa por conta de o Brasil ter assinado o acordo Trips”, acrescenta. Para ele, a Lei de Propriedade Industrial talvez seja o exemplo mais importante dessa mudança de paradigma legislativo ocorrida por força dos compromissos internacionais do Brasil. “O Trips foi assinado em 1994, entrou em vigor em 1995, e a legislação brasileira começou a ser mudada a partir de 1996”, diz.
 
A Super 301
 
No contexto das negociações que criaram a OMC, a pressão dos EUA para que outros países adotassem medidas protetivas com relação à propriedade industrial teve um momento crucial em fins dos anos 1980. “Os EUA criaram naquela época a Super 301, medida que deixou o Brasil em uma lista que taxava em 100% os produtos importados dos países que não protegiam a propriedade intelectual. O recado era claro: mesmo sendo parceiros, quem não proteger a propriedade intelectual das empresas americanas será taxado. O prejuízo foi grande, e aí viu-se que era necessária uma nova legislação”, lembra Parente.

A Super 301 surgiu em 1988, quando os EUA editaram a Lei Abrangente de Comércio e Competitividade. O dispositivo vigorou de 1989 a 1990, e deu ao USTR (United States Trade Representative [em português, Escritório de Comércio dos Estados Unidos] poder para investigar “práticas e países prioritários em matéria de liberalização comercial.” O Brasil foi inserido à época na lista de países investigados, acusado de pirataria, e após negociações diplomáticas frustradas os EUA impuseram uma taxação de 100% sobre a indústria brasileira de papel celulose, produtos químicos e eletroeletrônicos. O USTR pretendia infligir prejuízo da ordem de US$ 39 milhões, mas dados do Ministério das Relações Exteriores apontam que o valor chegou a US$ 250 milhões. 
No mesmo contexto, foi criada a Special 301, que desde 1989 classifica anualmente os países em duas listas, uma de “observação prioritária” – os que infringem a legislação internacional de propriedade intelectual e estão sujeitos a sanções – e outra apenas de “observação” – com aqueles que buscam combater a pirataria. O Brasil já esteve na lista prioritária, e desde 2007 consta da lista de observação. 

“A Lei 9.279 trouxe essa proteção, porque o maior problema eram as patentes, o que chamamos de privilégio de invenção, das indústrias farmacêuticas, químicas e alimentícias. Nesse novo cenário, empresas estrangeiras começaram a investir no Brasil, trazendo desenvolvimento tecnológico, porque perceberam que haveria menos pirataria, menos remédios falsificados, entre outros. O respeito ao privilégio de invenção, a proteção às marcas e ao design, tudo isso faz com que as empresas acreditem no país, porque terão menos prejuízo”, defende Parente. Segundo ele, a legislação garantiu ao Estado brasileiro condições de punir o uso indevido de marcas, patentes, designs etc. “A questão do enforcement, que são os dispositivos relacionados ao exercício do direito de impedir que uma empresa que esteja usando uma marca, patente ou design sem autorização continue a fazê-lo, é fundamental. E esse mecanismo funciona. A conquista da lei é clara: investimentos em inovação, tecnologia, novas marcas, protegendo não apenas empresas estrangeiras, mas nacionais também”, ressalta. 

Após 20 anos, o presidente da CPIP não vê necessidade de modificações na lei. “Ela ainda é moderna, mas acho importante que haja mudanças políticas no principal escritório de registro de marcas e patentes do país, o INPI [Instituto Nacional de Propriedade Industrial], que deveria ter estrutura melhor, com mais investimentos em pessoal e capacitação. Há um acúmulo de mais de 150 mil processos atrasados de pedidos de registro de marca. É preciso entender o INPI como uma entidade estratégica para o desenvolvimento industrial do país. O papel da Ordem é criticar o que for necessário, mas também trazer sugestões para a eficácia e a eficiência da legislação”.

Abrir WhatsApp