13/09/2016 - 14:00

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Superendividamento pessoal: questão legal ou de educação?

13/09/2016 - 14:00

Superendividamento pessoal: questão legal ou de educação?

Preocupação com inadimplência das famílias brasileiras gera debate sobre efetividade de propostas para evitar gastos além da capacidade de pagamento
 
EDUARDO SARMENTO
Um dos primeiros impactos negativos de uma crise econômica, como a que o Brasil atravessa, é a alta das taxas de juros. Aliada à oferta de crédito relativamente fácil, temos uma bomba-relógio que exige cuidados por parte do consumidor, já que financiamentos longos e empréstimos com grande número de parcelas podem facilmente se tornar armadilhas. Com o aumento do desemprego, outra consequência de desequilíbrio na economia, cria-se o cenário propício para o crescimento do superendividamento da população. Segundo a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), apurada mensalmente pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), 57,7% das famílias brasileiras estavam endividadas em julho de 2016. Destas, 22,9% tinham débitos em atraso e 8,7% afirmavam que não teriam condições de quitar seus compromissos.

A questão vem preocupando especialistas de diversas áreas, incluindo legisladores. Prova disso são projetos de lei que pretendem, a partir de modificações no Código de Defesa do Consumidor, auxiliar os cidadãos a não contraírem dívidas além de suas possibilidades. Apesar de algumas discordâncias em relação a detalhes, os profissionais ouvidos pela TRIBUNA foram unânimes ao considerar que trazer o assunto à baila e investir na educação financeira podem ser os primeiros passos para melhorar a situação.

Um dos textos em tramitação sobre o assunto no Poder Legislativo é de autoria do deputado federal licenciado e atual secretário municipal de Habitação e Cidadania da Prefeitura do Rio, Sérgio Zveiter (PMDB/RJ). O Projeto de Lei (PL) 5173/2013, que aguarda parecer da Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados, procura restringir a capacidade de endividamento do consumidor a 30% de sua renda mensal, limite que valeria, também, para parcelas de renegociações de dívidas. Além disso, seriam equiparadas à propaganda enganosa a promessa de parcelamento sem juros, quando houver taxação implícita, e a publicidade de concessão de créditos sem juros, na venda de produtos ou serviços, quando, no caso de pagamento à vista, o preço for menor.

Apesar de entender que o endividamento é inerente às sociedades capitalistas, Zveiter critica os exageros e considera o momento delicado, digno de cuidados. “Apesar de típico das comunidades modernas de consumo, o superendividamento é um fenômeno social que vem se transformando em crescente problema para o equilíbrio das relações financeiras entre credores e consumidores. As medidas propostas acrescentam ressalvas que alteram a forma de concessão de crédito, bem como tratam de novas condutas desvantajosas para o consumidor”, argumenta.

Integrante da Comissão de Defesa do Consumidor da OAB/RJ, Eduardo Biondi concorda com a necessidade de iniciativas no sentido de instruir a população. Ele frisa a importância de incentivos à educação financeira, mas acredita que a atuação do Legislativo serve sobretudo para barrar o ato persuasivo da publicidade sobre o consumo, criando barreiras para o superendividamento. “A falta de controle no orçamento decorre, na maioria das vezes, da falta de informação e planejamento financeiro. Some-se a isso o problema do consumismo, que hoje afeta não somente os adultos, mas, também, crianças e jovens em idade escolar. Deslumbrados pela publicidade, eles acabam associando seu bem-estar à aquisição de produtos. O controle das compras compulsivas e a transformação do ato de poupar em hábito representam dois grandes desafios na atualidade”, diz.

No mesmo sentido, fala o conselheiro seccional e advogado consumerista Antônio Ricardo Corrêa. Ele destaca as providências legais como parte das medidas necessárias para resolver o problema, junto com campanhas de conscientização e projetos voltados à educação financeira, especialmente para os mais jovens. “A soma de todas as medidas tem efetividade. Além de educação financeira em todos os níveis de ensino, é preciso que os canais eletrônicos, digitais e virtuais das instituições tenham ferramentas de alerta para o consumidor em linguagem acessível, moderna e de fácil compreensão”, afirma. Antônio Ricardo lembra, ainda, que a tecnologia concebida para facilitar o dia a dia pode se voltar contra o cidadão. “Atualmente, com poucos cliques no celular é possível levantar consideráveis quantias em dinheiro”, salienta.

O conceito de superendividamento não é algo com parâmetros completamente definidos, segundo o economista e professor de finanças do Ibmec-Rio Gilberto Braga. Ele é reticente a respeito da efetividade de medidas legais para tratar da matéria, mas vê como positiva a discussão do tema no Parlamento. “Superendividamento é quando você não tem mais condições de pagar as dívidas que contraiu com sua renda. Não existe um percentual absoluto e pode variar de pessoa para pessoa”, explica, antes de justificar a resistência de alguns economistas. “Existe uma discussão quase científica sobre a efetividade de leis neste sentido. Por exemplo, já se tentou limitar a taxa de juros através de lei e já tivemos planos econômicos proibindo aumentos de preços. Quando essas medidas foram aplicadas, os resultados foram diversos das expectativas e das boas intenções”, pondera.

O limite de 30% da renda pessoal, que o PL 5173/2013 estabelece como máximo para endividamento, é considerado um valor padrão por Biondi. Ele afirma que o Tribunal de Justiça do Rio (TJ), inclusive, já utiliza o percentual, de acordo com as súmulas 200 e 295. “É reflexo do que o Superior Tribunal de Justiça vem decidindo e da Lei 10.820/03, que dispõe sobre a autorização para desconto de prestações em folha de pagamento”, explica.

Em relação ao mesmo ponto, Antônio Ricardo diverge. Ele defende que o cidadão tenha autonomia para decidir. “A barreira do percentual de 30% é utópica e nascida e mantida por uma tradição histórica não explicada. Discordo de sua fixação porque invade além do razoável o limite de discricionariedade que deve pertencer exclusivamente ao consumidor”, considera.

Para Braga, a tentativa de restrição percentual é compreensível, mas se revela inviável na prática. “O limite de 30% é um fator mágico utilizado para fins de crédito imobiliário, mas é comum que pessoas em determinados momentos de suas vidas se endividem mais do que isso. Você não pode ter uma prestação que consuma mais de 30% da sua renda porque faltariam recursos para a sua manutenção regular, mas pode adquirir essa dívida e continuar tendo um cartão de crédito, por exemplo. É fácil encontrar cidadãos que têm até mais de 50% de comprometimento de renda em determinado período da sua vida, então a limitação de alguma maneira contraria algo que já é comum na sociedade brasileira”, constata.

Apesar das discordâncias em torno de pontos do texto de sua autoria, Zveiter ressalta que o ponto central de qualquer medida relacionada ao superendividamento, sejam iniciativas legais ou preventivas e de conscientização, é a proteção do cidadão. “Devemos procurar orientar o consumidor para que possa agir de modo cada vez mais consciente quando demonstrar interesse em contrair uma nova dívida”, finaliza.

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