13/09/2016 - 14:22

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Políticas de precificação dos gases de efeito estufa

13/09/2016 - 14:22

Políticas de precificação dos gases de efeito estufa

RÔMULO S. R. SAMPAIO*

A evolução do conhecimento científico sobre a possível relação de causa e efeito entre as emissões antrópicas (causadas pelo homem) de CO2 e a mudança global do clima destravou o debate sobre o controle das fontes emissoras dos chamados gases de efeito estufa. A ciência sobre o clima passou a ser compilada por um órgão internacional denominado Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima (ou IPCC, na abreviação em inglês), no final da década de 1980. O IPCC divulga, de cinco em cinco anos, relatórios que resumem o conhecimento científico sobre a matéria. Desde o seu primeiro relatório, o consenso sobre a probabilidade da aludida relação de causa e efeito, segundo o órgão, cresceu exponencialmente. 

São inúmeras as atividades antrópicas responsáveis pela emissão de gases de efeito estufa. Geração de energia a partir de combustível fóssil, diversas atividades industriais, desmatamento e uso do solo estão entre as causas principais. Todas essenciais para políticas de desenvolvimento econômico e social, das quais dependem sociedades de diversos (se não quase todos) países ao redor do mundo. Controlar as emissões decorrentes dessas atividades e preservar o desenvolvimento econômico e social passou a ser o grande desafio da comunidade internacional nas últimas três décadas.  

A primeira grande tentativa materializou-se com a Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), em 1992, e concretizou-se com o Protocolo de Kyoto em 1997, durante a 3ª Conferência das Partes, ou COP3. A comunidade internacional criou um mercado de emissões de CO2 e CO2 equivalente (outros gases de efeito estufa convertidos em equivalentes de CO2). O Protocolo de Kyoto impôs metas de emissões para países desenvolvidos e permitiu que estes comercializassem quotas entre si para se ajustarem às suas realidades. E criou também o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), permitindo que países em desenvolvimento, incluindo o Brasil, pudessem sediar projetos financiados por empresas de nações desenvolvidas. As reduções de emissões decorrentes do investimento nesses projetos eram, então, conversíveis em quotas para cumprimento das metas dos países desenvolvidos. 

A comunidade internacional optou por controlar as emissões de gases de efeito estufa pela quantidade. Criou, com isso, um mercado de emissões. Durante o seu período de vigência, esse mercado funcionou como planejado, porém não com volume suficiente para resolver o problema das emissões. Alguns projetos foram implantados no Brasil e em outros países em desenvolvimento, mas os altos custos de transação, a falta de metas para dois dos grandes emissores, EUA e China, e a crise financeira de 2008 esvaziaram os ambiciosos planos da comunidade internacional para o mercado de crédito de carbono. 

Paralelamente, um grupo relevante de economistas defendia (e ainda defende) que a forma mais eficiente de se controlar as emissões de gases de efeito estufa é pela via da imposição de preço e não da estipulação de uma quantidade (metas). Em outras palavras, em vez de impor uma quantidade para cada país e permitir a comercialização entre eles (o comércio), defendem esses economistas que o mais efetivo é uma taxa de carbono. Taxar “upstream”, ou o topo da cadeia dos setores mais intensivos em emissões como geração de energia a partir de combustíveis fósseis e setores da indústria como a siderurgia, por exemplo, faz com o que o custo ambiental seja internalizado pela cadeia produtiva e consumidora de forma mais eficiente do que o mercado.

Enquanto instrumentos econômicos, tanto o mercado de créditos quanto a tributação operam como alternativa a políticas de comando e controle (norma e sanção) para forçar a internalização nas cadeias produtiva e consumidora de externalidades negativas no meio ambiente. Ambos criam os incentivos para investimento em tecnologias mais limpas e proporcionam recursos que podem ser reinvestidos em políticas de mitigação de emissões e de adaptação aos efeitos da mudança do clima. A taxa conseguiria atingir esses resultados com menores custos, apesar de essas políticas (preço e quantidade) não serem necessariamente excludentes entre si. 

O grande desafio de uma política pública instituidora de uma taxa, por outro lado, é político. Num país como o Brasil, em que a carga tributária figura entre as mais altas do mundo, a instituição de mais uma taxa pode incrementar iniquidades em outras áreas, elevando sobremaneira o custo social de sua implantação. E é por isso que detalhados estudos sobre o valor da taxa, os setores taxados e as possibilidades de compensações com outros tributos são essenciais para o sucesso desse tipo de política. 

A Política Nacional de Mudança do Clima (Lei 12.187, de 29 de dezembro de 2009) optou pela instituição de um mercado em seu artigo 9º. Mas desde a publicação da lei esse “Mercado Brasileiro de Redução de Emissões” carece de implantação. Apesar de politicamente mais atraente do que a taxa, o mercado de emissões opera de forma similar na medida em que aumenta os custos de produção. Há, por isso também, resistência de diferentes setores por justo receio de perda de competitividade caso a meta não seja cuidadosamente pensada e as regras de alocação de quotas não sejam distribuídas de forma equânime.  
 
Por essas razões, ganham força estudos de tributação do carbono. Em alguns países, esse tributo já é uma realidade. No Brasil, o Instituto Escolhas noticiou que lançará, em 24 de novembro, relatório pioneiro sobre a implantação de uma taxa similar sobre determinados setores no Brasil. Parte fundamental do sucesso de uma política como esta reside na fixação do preço. Achar o ponto de equilíbrio para que o preço desempenhe o papel de forçar a internalização da externalidade negativa no clima, sem incorrer em demasiado aumento do custo social, constitui o grande desafio a ser superado pelos responsáveis pela elaboração da política.

Mas, ainda que esse ponto de equilíbrio não seja alcançado logo na implantação da tributação, a imposição de um preço, ainda que modesto de início, serve para sinalizar o mercado, ensinar os gestores públicos e, acima de tudo, criar o ambiente necessário para futuros e progressivos ajustes. E uma taxa dessa natureza não pode ser levada a efeito sem um detalhado estudo que contemple possibilidades de compensações e desonerações com tributos de outras naturezas, de maneira a incentivar e privilegiar o investimento em tecnologia limpa. 

O caminho para a propagada economia verde, uma das bandeiras da Rio+20, passa pela precificação de bens que hoje são de livre apropriação, como a atmosfera e tantos outros bens ambientais, sem prejudicar os justos anseios de bilhões de pessoas que dependem de políticas bem-sucedidas de desenvolvimento econômico e social. Em última análise, em matéria de mitigação da mudança do clima, o caminho da equilibrada conservação ambiental passa, de um jeito ou de outro, pela precificação das emissões de gases de efeito estufa.
 
*Professor de Direito Ambiental da FGV Direito Rio, membro da Comissão de Direito Ambiental da OAB/RJ

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