13/09/2016 - 14:14

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Foro especial deve ser extinto?

13/09/2016 - 14:14

Foro especial deve ser extinto?

O colegiado protege a democracia

MICHAEL MOHALLEM*
O caminho para uma Justiça que responsabilize políticos eleitos com rapidez e rigor não é o fim do foro especial. A prerrogativa de ser julgado por um colegiado produz três profundas consequências para a democracia brasileira: protege a escolha dos eleitores da indevida interferência do Judiciário, dissolve eventuais paixões e radicalismos do juiz individual no voto colegiado e nos dá a oportunidade de resolver as causas da morosidade jurisdicional não apenas redistribuindo autos por varas de primeira instância, mas evitando que se tornem processos.

O Judiciário, por vezes, é instrumentalizado em nome de interesses ilegítimos. Há poucos meses, por exemplo, jornalistas da Gazeta do Povo, do Paraná, passaram a ser perseguidos por processos judiciais justamente por conta do seu jornalismo independente. Apesar dos contextos diferentes, o caso mostra a vulnerabilidade a que se submeteriam políticos eleitos dispostos a enfrentar grupos econômicos ou políticos hegemônicos. Se já é rara, seria então o fim da política corajosa. Sem o foro especial, políticos passariam boa parte dos seus mandatos atuando em tribunais esparsos, ainda mais distantes da agenda pública.

O foro privilegiado — ou foro especial por prerrogativa de função — também protege ocupantes de cargos eletivos da inevitável preferência política capaz de contaminar a atuação de juízes em momentos de exacerbação política. Em tempos como os que vivemos, liminares se tornam tentações. O juiz Itagiba Catta Preta Neto, de Brasília, suspendeu a posse de Lula como ministro tendo como fundamento a lei dos crimes de responsabilidade, cuja aplicação é de inteira competência do Poder Legislativo. Por muito pouco o juiz não determinou ele mesmo, já em março passado, o impeachment da presidente da República.

É certo que a decisão por um colegiado não é imune a influências políticas e pressões de interesses. No entanto, erros individuais se dissipam no contraditório do colegiado e radicalismos se isolam quando confrontados com o bom senso. Minimiza-se a chance do impacto indesejado na política. Por outro lado, ganham também juízes e o Judiciário. A carreira de um jovem magistrado pode ser definitivamente afetada se da loteria da distribuição processual resultar um controverso processo contra um presidente, ministro ou governador. Projetaríamos magistrados em início de carreira ao protagonismo precoce de heróis ou vilões nacionais.

Entretanto, a inegável morosidade dos processos contra políticos em tribunais superiores pode ser combatida de modo mais eficaz. A simples redistribuição de processos hoje com foro especial para varas de primeira instância não resolverá o problema. Serão muitos anos até que os processos tenham definição, após três, quatro ou até cinco decisões judiciais. A oportunidade aberta por esse debate é de fortalecer os mecanismos de contenção de candidaturas já implicadas em processos judiciais. Se não puderam ser barrados até aqui, temos que dar tempo para que a Lei da Ficha Limpa, que valeu apenas em uma eleição municipal (2012), realize todo seu potencial.
A escolha apressada do foro como causa dos males brasileiros é típica do simplismo com o qual se quer enfrentar problemas complexos. Seria pior a emenda que o soneto, e no caminho fragilizaríamos ainda mais nossa democracia.
 
*Professor da FGV Direito Rio

Norma de transição, hoje, seria indispensável

JOAQUIM FALCÃO*
Nada tem mais força do que uma ideia cujo tempo chegou. Mensalão e Lava-jato demonstraram que chegaram hora e vez de eliminar ou reduzir o foro privilegiado.

 O atual modelo não funciona. Até o Mensalão não havia político responsabilizado em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal por eventuais atos incorretos. Hoje, leva-se tempo. Segundo dados do Supremo em números, da FGV Direito Rio, são necessários mais de 1.200 dias para julgar ações penais contra quem detém foro privilegiado. A tentativa do STF de agilizar, transferindo para turmas, não funcionou. Os 1.396 dias de 2014 aumentaram para 1.536 em 2015.

A justificativa de que o julgamento por órgão colegiado de instância máxima protegeria magistrados de instâncias inferiores de pressões políticas locais não é regra geral. Não se demonstra na realidade.
A independência de um juiz não se mede pela instância em que atua.

Sérgio Moro, juiz na 13ª Vara Federal de Curitiba, prova: 74 prisões preventivas, 91 temporárias, seis em flagrante. São 61 acordos de colaboração premiada, cinco acordos de leniência, 21 sentenças.

Os números sugerem que detentores de foro privilegiado que cometeram ilícitos sentem-se mais protegidos quando julgados pelo Supremo do que por juiz local. De 1988 até 2015, apenas 16 dos mais de 500 parlamentares investigados e processados no STF foram condenados por crimes contra a administração pública.
Não se trata de escolha entre quem pune mais. Mas de se levar a sério a indignação dos eleitores com a corrupção política. Através de julgamentos independentes, que protejam tanto o direito de defesa quanto a razoável duração do processo.

O atual modelo não tem produzido responsabilização suficiente. Mas irresponsabilização excessiva. O que se reflete nas pesquisas de confiança nas instituições. Congresso e Legislativo, os menos confiáveis. Insuficiente confiança no Judiciário.

O desafio é pois: como restaurar a confiança necessária a democracia?
Não nos falta imaginação institucional. Luís Roberto Barroso, por exemplo, tem proposta que atende aos receios das inúmeras e indevidas pressões políticas. Criação de vara federal especializada no Distrito Federal para julgar os que hoje possuem competência privilegiada. Magistrado com mandato. Indicado pelo Supremo. Existem outras.

A questão agora é de estratégia legislativa. Inúmeras PECs já refletem o desejo dos eleitores de extinção do foro privilegiado. Difícil de serem votadas por um Congresso onde aproximadamente um terço de seus membros são investigados ou respondem a processos por mais de 60 tipos de crimes diferentes.

Uma norma de transição, preservando o foro para os detentores de mandato hoje, seria indispensável.
 A mobilização dos eleitores também. No espaço e-Cidadania do site do Senado, consta consulta pública sobre a PEC 10/2013. O cidadão pode votar, endossando ou não a proposta de extinguir o foro privilegiado.
 Mudar é sintonizar o Judiciário com os detentores do poder político originário: o povo. Esta sintonia depende da percepção de que o Judiciário é eficiente. Quanto mais o for, mais o cidadão vai procurar a Justiça. E os advogados.

 Mudar é também uma tentativa de o Judiciário ser mais eficiente. Mais os cidadãos procurarão a Justiça. E correlatamente mais advogados serão necessários. Justiça eficiente é também maior mercado de trabalho.

*Professor titular e diretor da FGV Direito Rio

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