14/10/2016 - 13:10

COMPARTILHE

Entrevista / Técio Lins e Silva – presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros: “O combate à corrupção só pode se dar em estrita observância ao princípio da legalidade”

14/10/2016 - 13:10

Entrevista / Técio Lins e Silva – presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros: “O combate à corrupção só pode se dar em estrita observância ao princípio da legalidade”

Direitos fundamentais não podem ser relativizados. São os pobres e negros da população carcerária que lotam as prisões do país, e não “uma meia-dúzia de ricos presos” na operação Lava-jato, os principais atingidos pela decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que permitiu a execução da pena provisória. Esse é o entendimento expresso pelo presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva, para quem, “infelizmente, a maioria dos ministros decidiu sepultar precocemente a Constituição Federal no dia do seu 28º aniversário, ao negar a validade da garantia individual da presunção da inocência”.

Patrícia Nolasco

Como o senhor avalia o entendimento do Supremo no julgamento das ações diretas de constitucionalidade (ADCs 43 e 44) que autorizou a prisão do réu após sentença condenatória em segunda instância?

Técio Lins e Silva – O combate à corrupção e à impunidade não pode relativizar direitos fundamentais. A execução provisória da pena é uma afronta à Constituição Federal, um desrespeito inaceitável à liberdade e uma violação de cláusula pétrea. Por isso, o IAB foi ao Supremo, como amicus curiae na ADC 44 impetrada pelo Conselho Federal da OAB, e se manifestou no início do julgamento, da tribuna do plenário, em defesa do cumprimento do artigo 283 do Código de Processo Penal, que prevê a prisão apenas após o trânsito em julgado da sentença. Ao contrário do que tem sido dito, os principais atingidos pela decisão do STF, que permitiu a execução da pena provisória, são os pobres e negros da população carcerária que lota o sistema penitenciário do país, e não uma meia-dúzia de ricos presos pela operação Lava-jato. O IAB esperava que a corte voltasse a ser a Casa da Justiça, pois a história do Supremo Tribunal Federal é a história da defesa da Constituição. Infelizmente, a maioria dos ministros decidiu sepultar precocemente a Constituição Federal no dia do seu 28º aniversário, ao negar a validade da garantia individual da presunção da inocência. O IAB se manterá firme na sua luta em defesa do princípio da presunção da inocência.

Em carta aberta divulgada este ano, o senhor, que defendeu presos políticos na ditadura, subscreveu, com uma centena de advogados, duras críticas à condução de processos da operação Lava-jato, comparando-a a uma espécie de nova inquisição. Foi a expressão da defesa de acusados, o direito de espernear, como rebateu a entidade nacional dos procuradores federais? Ou o Estado democrático de Direito está sob ameaça?

Técio – Vivi a advocacia sem habeas corpus na Justiça Militar durante o regime autoritário instaurado em 1964. Hoje, embora o país esteja sob o império da Constituição democrática de 1988, no âmbito do Direito Penal está havendo um enorme desrespeito aos direitos fundamentais, como a ampla defesa e o contraditório, em grave ameaça ao processo penal democrático. Os advogados, que foram decisivos para derrubar aquela época de trevas e ajudaram a reconstruir a democracia, precisam reagir aos atentados atuais contra o Estado democrático de Direito. Não podemos admitir – e a carta aberta foi um manifesto nesse sentido – a supressão de direitos fundamentais e as tentativas infames de identificar o advogado como um possível coautor ou partícipe dos crimes supostamente cometidos por seu cliente. Pela mesma razão, o IAB, por meio de nota, foi contundente na reação às violações às prerrogativas dos advogados e às garantias dos cidadãos decorrentes da intolerável prática da interceptação telefônica em escritórios de advocacia. O combate à corrupção só pode se dar em estrita observância ao princípio da legalidade.

Qual a sua expectativa em relação à gestão da ministra Cármen Lúcia à frente do STF, e, também, do CNJ?

Técio – Na presidência do Supremo Tribunal Federal, a ministra Cármem Lúcia, a quem coube o voto de desempate, perdeu a oportunidade de impedir, nesse julgamento histórico, o sepultamento da Carta Magna.
 
Nós, advogados, assim como centenas de milhares de presos e seus familiares, estamos de luto. Mas o fato de a ministra ter vindo das lutas da OAB, onde durante anos contribuiu para a defesa do Estado de Direito democrático, participando ativamente dos trabalhos da Comissão de Direito Constitucional, é a garantia de que ela defenderá as prerrogativas da profissão. Lembro-me que, ao tempo em que a OAB participava das discussões para a elaboração da Emenda Constitucional 45, foi ela personagem importante para as mudanças ali introduzidas, inclusive a criação do Conselho Nacional de Justiça que agora preside. Não correremos mais o risco de ver a tribuna dos advogados no STF ser colocada abaixo da bancada dos ministros, como aconteceu no passado. Temos a esperança de que a ministra Cármen Lúcia faça uma gestão atenta ao exercício da advocacia e suas prerrogativas. É bom relembrar que a decisão tomada pelo STF foi negar a liminar pedida na ADC. O mérito da questão ainda não foi decidido. O assunto voltará ao exame do pleno da Corte Suprema. Ainda resta uma esperança!

Quais são os projetos em tramitação no Congresso Nacional que contam com a atenção do IAB?

Técio – Em primeiro lugar, é importante ressaltar o aumento expressivo da produtividade das comissões do IAB que analisam as propostas legislativas e elaboram pareceres. De 2014 para cá, levamos ao plenário e aprovamos 108 pareceres, todos encaminhados às presidências do Senado, da Câmara dos Deputados e, em alguns casos, da República, cujos titulares não somente informam o recebimento, mas também a anexação das posições do IAB aos relatórios das iniciativas legislativas. Dos projetos de lei que tramitam no Congresso, está sob o nosso atento acompanhamento, por exemplo, o que propõe a regulamentação da profissão de paralegal, destinada aos bacharéis reprovados no exame da OAB. O IAB emitiu quatro pareceres contrários à iniciativa. No campo do Direito Penal, acolhemos o Projeto de Lei 4.372/2016, firmando a posição do IAB de que a delação premiada deve ser homologada pela Justiça somente se o acusado ou indiciado estiver respondendo em liberdade a processo ou inquérito. Na área ambiental, também estamos muito atuantes. Aprovamos em setembro dois pareceres contrários a projetos de lei que visam a alterar o Código Florestal e a Lei de Licitações, em prejuízo à proteção ao meio ambiente.

Em especial, qual a sua opinião sobre o projeto de Código Penal (PLS 236/2012), que recebeu uma enxurrada de críticas e se encontra há mais de um ano aguardando relator no Senado?

Técio – A Comissão de Direito Penal do IAB está elaborando, há um ano, um anteprojeto substitutivo de reforma do Código Penal a ser encaminhado ao Congresso Nacional. O nosso anteprojeto tem dois princípios básicos. Um deles é o da reserva de código. Isto significa que todas as regras do Direito Penal têm que estar no Código Penal, para conferir segurança jurídica e evitar a edição de leis penais soltas e extravagantes. O outro princípio que o norteia é a proibição de leis heterogêneas, que são aquelas complementadas por atos administrativos, como a portaria do Ministério da Saúde que define o que é entorpecente para a previsão penal contida no CP. O IAB defende que tudo deve se encerrar no CP. Além disso, o nosso anteprojeto mantém a execução penal vigente para a progressão de regime e a liberdade condicional, pois a prevista no PLS 236 é um retrocesso, ao buscar de forma insana o endurecimento punitivo. Vale registrar, para o gáudio dos advogados brasileiros, que o projeto do Código Penal (PLS 236), contemplado pela Emenda 1 – CTRCP – substitutivo já aprovado pela Comissão Temporária de Reforma do Código Penal, contempla, no artigo 311, o tipo penal da “violação de prerrogativa”, punindo com a pena de prisão aquele que “violar direito ou prerrogativa legal do advogado, impedindo ou limitando sua atuação profissional”. Posso, orgulhosamente, dizer que a introdução dessa antiga reivindicação da classe foi apresentada por mim à Comissão de Reforma, que a aprovou unanimemente e, depois, acolhida pelos senadores na primeira discussão do tema que resultou no substitutivo aprovado. 

 
 

Abrir WhatsApp