14/10/2016 - 14:10

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A crise econômica brasileira e seus reflexos na quitação das faturas de energia

14/10/2016 - 14:10

A crise econômica brasileira e seus reflexos na quitação das faturas de energia

FÁBIO AMORIM DA ROCHA*

Notícias recentes informam que já são mais de 11,6 milhões de desempregados no país. Com este número e o aumento da inflação, pagamentos das contas de luz são adiados.

Por força das medidas intervencionistas e populistas adotadas pelo governo federal através da MP 579/12, convertida na Lei 12783/13, foi anunciada redução nas tarifas de aproximadamente 20%.

Do final de 2012 até o início de 2015 o governo mascarou os custos, injetou bilhões via Tesouro Nacional e de forma artificial tentou iludir a todos que vivíamos um momento de redução tarifária, mesmo com os reservatórios com volumes baixos e uma geração que se manteve, durante quase todo o período, através das térmicas, sabidamente muito mais custosas.

O resultado disso foi um realismo tarifário, adotado em março de 2015, após as eleições de 2014, com aumentos nas tarifas superiores a 50%, gerando, assim, mais um componente para o não pagamento da fatura.

Para uma distribuidora de energia, o importante é que a conta caiba no bolso, e não que as tarifas sejam altas, pois estas aumentam a inadimplência e o furto e a fraude no consumo de energia. Entretanto, é preciso que a tarifa remunere o serviço prestado.

A falta de capacidade de pagar em dia os serviços essenciais cresceu consideravelmente, em razão da perda de poder aquisitivo dos clientes, da necessidade do governo de imprimir o realismo tarifário, da elevação do desemprego a patamares nunca vistos e da consequente queda na renda.

Muitos colocaram em segundo plano o pagamento das faturas de energia, quer pelo baixo percentual cobrado de multa (2%) e juros de mercado no atraso – basta comparar com os juros cobrados por atraso no cartão de crédito e cheque especial -, quer pelo tempo que o cliente tem entre a data do vencimento da fatura e a efetiva suspensão do serviço.

Neste momento, quando temos somados crise econômica e majoração tarifária, por motivos que as distribuidoras não deram causa, o cenário acima precisa melhorar.

Estudo realizado pela Pricewaterhouse Coopers e pelo Instituto Acende Brasil, no período de 2002 a 2008, demonstra que a carga tributária no setor elétrico aumentou de 35,9%, para 45%.

A tarifa de energia do Brasil sofreu forte majoração, notadamente a partir de 2004/2005, porque os governos federais e estaduais passaram a aumentar as alíquotas de seus impostos sobre o fornecimento de energia, objetivando a ampliação da arrecadação. Além do crescimento da carga tributária, alguns encargos setoriais são cobrados na fatura e usados para custear políticas sociais, o desenvolvimento energético, subsídios à baixa renda etc.

Se por um lado tributos e encargos foram majorados, a parte das tarifas que fica com a concessionária de distribuição para operar e manter as redes, bem como investir na melhoria da qualidade dos serviços prestados, foi paulatinamente reduzida de 42% para 14% nos últimos quinquênios. 

Imaginemos o seguinte: uma fatura de R$ 100 emitida e paga, portanto, sem inadimplência ou “gato”. Na década passada, R$ 42 ficavam para a distribuidora. Hoje, este valor representa R$ 14. Se descontarmos os custos com pessoal, material e serviço, restariam R$ 6. Este valor sobraria para a distribuidora pagar financiamentos e investimentos e ainda remunerar seus acionistas.

Nos últimos dois anos a inadimplência das contas vencidas há mais de 90 dias aumentou em 0,4 %, o que significa, aproximadamente, R$ 1 bilhão a menos no caixa das distribuidoras. E se considerarmos as perdas com os “gatos”, bilhões seriam somados nesta nefasta conta. No Rio, só a tarifa da Light poderia ser 17% menor, se os “gatos” fossem extirpados.

Outro dado importante é que a implantação do plano de racionamento no Brasil, com as rigorosas metas de consumo impostas aos clientes das distribuidoras em 2001/2002, contribuiu para um aumento aproximado de 10% a 12% no índice de irregularidades constatadas nas redes elétricas, prejudicando ainda mais o fluxo de caixa destas concessionárias, pois, para não ultrapassarem as metas de consumo estabelecidas durante o referido racionamento, os clientes passaram a manipular redes e medidores – algo que sofremos o risco de passar novamente –, já que a tarifa, em razão do aumento dos “gatos”, não mais remunerava o serviço.
Diante da recessão econômica e da consequente queda de mercado, há um aumento significativo na inadimplência e nos “gatos”, o que agrava o cotidiano de uma distribuidora, pois somada aos problemas acima narrados, vivenciamos uma judicialização que é incentivada por decisões que protegem um “consumidor” que comete crime ao furtar ou fraudar o consumo.

Pena que órgãos de defesa do consumidor ainda não tenham observado que estão desconsiderando o verdadeiro consumidor e protegendo criminosos que só fazem a conta do honesto e adimplente crescer.

Registre-se que é no comércio e na indústria onde ocorre percentualmente o maior índice de fiscalizações e detecções de irregularidades. Seriam estes hipossuficientes e merecedores de serem protegidos com ações coletivas e decisões distorcidas, que só incentivam cada vez mais que este crime seja cometido? Vivemos em um país com uma série crise moral e ética, e não é desta forma que teremos o Brasil que sonhamos.

Enfim, passaremos por esta crise econômica, mas, até pelos reflexos que todos estamos sentido pelo êxito da operação Lava-jato, precisamos distinguir o consumidor que não paga a fatura porque não quer, que faz “gato” porque quer se dar bem, daqueles que estão passando por um momento que reflete a realidade econômica do país, mas têm um histórico de relacionamento correto com a concessionária. O que se busca é tarifa que remunere o serviço, boa fé entre as partes, serviço adequado e um Judiciário e órgãos de defesa do consumidor que efetivamente briguem pelo verdadeiro consumidor. Um basta a esta judicialização incentivada, na qual honestos e adimplentes perdem há anos.
 
*Presidente da Comissão de Energia Elétrica da OAB/RJ

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