14/10/2013 - 11:03

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Remuneração irrisória de audiencistas será pauta de debates dia 21

14/10/2013 - 11:03

Remuneração irrisória de audiencistas será pauta de debates dia 21

VITOR FRAGA
 
A figura do advogado que trabalha para uma empresa ou um grande escritório e recebe um pequeno valor por cada audiência tem se multiplicado por todas as serventias fluminenses. Com a saturação do mercado de trabalho, ser audiencista acaba sendo uma saída mais viável e imediata, principalmente para os profissionais recém-formados, e em especial no interior. Diante da polêmica gerada em torno desses colegas, cuja atuação é apontada como indício da precarização da profissão e do aviltamento dos honorários, a OAB/RJ realizará audiência pública no dia 21 de outubro, às 17h, para debater o problema.
 
Segundo o presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, a audiência servirá para analisar a situação e propor medidas que possam garantir as condições de trabalho dos profissionais. "A Ordem é contra a proletarização da profissão. Sabemos que há empresas, que inclusive não são escritórios de advocacia, explorando colegas em dificuldades. Queremos fazer uma discussão profunda sobre isso, sobre o perfil da advocacia que desejamos", explica. Felipe ressalta ainda que a Ordem vai combater as empresas que exploram os advogados. "A OAB/RJ será rigorosa com essas corporações que aviltam o trabalho dos colegas, em maioria, jovens e com poucas oportunidades. Temos que defender a advocacia desse tipo de situação, que precariza as condições de trabalho e distorce a essência da atuação profissional".
 
A Ordem é contra a proletarização da profissão. Sabemos que há empresas, que inclusive não são escritórios de advocacia, explorando colegas em dificuldades. Queremos fazer uma discussão profunda sobre isso, sobre o perfil da advocacia que desejamos
Felipe Santa Cruz
presidente da OAB/RJ
Com a expansão do ensino superior no Brasil após a década de 1970, diversas profissões - entre elas, a advocacia, com mais de 1.100 cursos de Direito - começaram a viver um processo de desvalorização, ao qual o aparecimento da figura do audiencista estaria ligado. A presidente da Comissão de Sociedade de Advogados da OAB/RJ, Adriana Astuto, pondera que é preciso "contextualizar a figura dos audiencistas no chamado 'contencioso de massa' pois é neste segmento do mercado que presenciamos a proletarização da profissão sob todos os aspectos”. 
 
Para Adriana, "a raiz da vulgarização profissional está na contratação puramente mercantilista que fomenta a fixação de salários pagos abaixo do piso da categoria, a exploração da mão de obra de outros advogados para diligências isoladas a um irrisório valor de honorários e a criação de figuras anômalas que estão hoje na ordem do dia da advocacia e que são amplamente divulgadas e consumidas pelo mercado jurídico como práticas legítimas e legais".
 
Ela discorda da ideia de que os grandes escritórios seriam os principais culpados. "É claro que existem exceções indignas, mas a grande maioria sofre também com o aviltamento dos honorários contratuais. O ônus da proletarização da classe não pode recair exclusivamente sobre eles", defende.
 
Em geral, escritórios ou empresas recrutam os audiencistas via sites na internet, por email ou indicação de outros colegas. A maioria fica de plantão nos fóruns, realiza as sustentações orais e recebe, em média, entre R$ 20 ou R$ 30 por audiência realizada. Segundo acordo assinado entre o Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro e o Sindicato das Sociedades de Advogados, válido até 30 de dezembro de 2013, o piso salarial do advogado é de R$ 2.047,58, mesmo valor fixado pelo artigo 1º da Lei 6.402, de 8 de março de 2013. 
 
O corregedor-geral da OAB/RJ, Rui Calandrini, salienta que o Código de Ética e Disciplina (CED) da OAB caracteriza o aviltamento da profissão como infração. "Esse tema tem sido recorrente nos últimos anos, está sendo discutido no âmbito do Conselho Federal e foi objeto de debate no encontro nacional dos presidentes de tribunais de Ética e Disciplina (TEDs) e corregedores. Já existe previsão legal para a prática de tal infração, o artigo 41 do CED", explica o corregedor. Para ele, é necessário reformular o código a fim de que algumas situações sejam previstas de forma mais específica. "A situação é tão absurda que existe uma empresa, chamada Grupo Prazo, que explora tal tipo de prestação de serviço e a fornece a boa parte dos maiores escritórios de advocacia e aos departamentos jurídicos das grandes empresas do país. O dispositivo que atualmente prevê a prática de infração disciplinar mais aplicável a esta hipótese tem como pena a censura. Por isso há o encaminhamento da proposta de reforma do CED, que será feita junto ao Conselho Federal", completa Calandrini. 

Advogados pedem ajuda em Duque de Caxias

Ao visitar a comarca de Duque de Caxias recentemente, o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, foi abordado no fórum por colegas audiencistas que pediram ajuda da Ordem para solicitar melhorias nas condições de trabalho. Embora essa não seja uma realidade exclusiva do município da Baixada Fluminense, a Tribuna foi até o local para ouvir as reclamações e sugestões desses advogados.
 
Felipe Xavier de Souza defende a existência do audiencista no atual cenário do Direito, embora aponte que, para a maioria, trata-se de uma condição temporária. "A figura deste profissional hoje é imprescindível, apesar da discriminação no mundo do Direito. Absorvemos diversos trabalhos. Além de fazer a audiência, realizamos uma filtragem para os escritórios. Já cheguei a fazer 29 audiências em um dia, não é um trabalho simples ou de pessoas acomodadas. É uma escolha que mistura oportunidade e conveniência. Para mim, a condição de audiencista é temporária", diz.
 
Já cheguei a fazer 29 audiências em um dia, não é um trabalho simples ou de pessoas acomodadas. É uma escolha que mistura oportunidade e conveniênc
Felipa Xavier de Souza
audiencista
Ele também tem a expectativa de que a atuação da Seccional possa alterar o quadro. "A Ordem ajudaria muito se tivesse um acompanhamento mais próximo e atuante no sentido de coibir essas práticas dos escritórios. Acredito na OAB/RJ, que é uma instituição séria, e acho que está faltando essa comunicação e a cobrança em relação aos escritórios para que paguem, no mínimo, o piso salarial", acrescenta.
 
Para Marina Miranda Marinho, não existe diferença entre colega autor e audiencista. "Todos somos advogados, não há divisão de classe e subclasse. Tenho a carteira da OAB, como todos os que foram aprovados no Exame de Ordem. Se você fizer uma análise das iniciais, por exemplo, vai ver que muitas vezes são os advogados autores que não têm qualidade profissional. Há discriminação com relação aos audiencistas", critica.
 
A colega Daiane Oliveira Pereira também enxerga discriminação. "Não vejo sentido nisso. Um advogado autor ganha muito mais que nós, está em uma situação muito melhor? Não, a situação é ruim para todos. Alguns precisam ter um salário fixo por mês, como é o meu caso. Não é uma questão de qualidade do trabalho. Se me pedirem para fazer uma defesa oral tenho certeza de que ficará muito melhor que algumas feitas por advogados que têm escritório e não são audiencistas", contrapõe.
 
Por outro lado, o procurador da OAB/Duque de Caxias, Marco Aurélio de Castro Magalhães, mostra preocupação com a desvalorização da advocacia. "Entendo que as pessoas precisam trabalhar, mas hoje vejo o audiencista cumprindo um papel de estagiário. Enquanto alguns veem essa situação apenas como uma etapa, outros estão acomodados. É ruim para eles e para a classe. Esta é uma condição que, no máximo, poderia ser aceitável para um recém-formado. Mas há advogados que se especializam em ser audiencistas, e são explorados pelos grandes escritórios", aponta o procurador.
 
Na opinião do secretário-geral da 2ª Subseção, Geraldo Campos Dias, a fiscalização dos escritórios não é função apenas da entidade. "Fiscalizar os escritórios não é a tarefa mais imediata da Ordem. Esse trabalho tem que ser feito pelo sindicato e pelo Ministério do Trabalho. Ser audiencista é uma oportunidade inicial e uma opção de sobrevivência, não pode ser algo definitivo".
 
Adriana Rocha é outra colega a confirmar que os valores pagos aos audiencistas são muito inferiores ao piso e à tabela de honorários. "Há escritórios que pagam por ato, geralmente R$ 20. A diária chega, em média, a R$ 70, mas algumas vezes precisamos fazer 20 audiências por dia. Tenho um contrato com o escritório, eles pagam um fixo de R$ 1.350, e ainda uma tabela de R$ 12 por audiência. Não recebo nenhum benefício, tenho que pagar por fora previdência e plano de saúde. A gente espera da OAB/RJ uma fiscalização desses grandes escritórios, que estão pagando cada vez menos", argumenta.
 
As reclamações são reforçadas por Cristiane Ferreira Santiago Theodoro. "Não recebo o piso, recebo por ato praticado, não tenho vínculo. Queria que a Ordem fiscalizasse esses escritórios. Dizem que não temos vínculo e não somos empregados, mas na prática somos", relata.
 

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