03/10/2013 - 15:54

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Consumidor insatisfeito sobrecarrega Justiça

03/10/2013 - 15:54

Consumidor insatisfeito sobrecarrega Justiça

Grande quantidade de processos sobre o tema motiva TJ a criar câmaras cíveis especializadas

RENATA LOBACK
 
Vão de mal a pior as relações de consumo no Brasil. Cobranças bancárias indevidas, má prestação de serviços contratados e ineficiência nas redes de telefonia e televisão por assinatura lideram a lista de reclamações traduzidas em processos, que se acumulam em todas as esferas da Justiça. Desde meados dos anos 2000, as ações dessa natureza protocoladas no Supremo Tribunal Federal (STF) aumentaram quase 300%. O índice é maior do que o registrado nos processos criminais ou relacionados à administração pública. No Rio de Janeiro, o Tribunal de Justiça (TJ) abriu uma porta para tentar desafogar a segunda instância: inaugurou, em setembro, pela Lei 6.375/2012, cinco câmaras cíveis – da 23ª à 27ª – especializadas em Direito do Consumidor e que tratarão exclusivamente dos processos da área.
 
A medida, conforme explicou a presidente do TJ, desembargadora Leila Mariano, visa a ampliar a capacidade de processamento de ações cíveis e tornar negativo o saldo entre recursos recebidos e julgados. 
 
De acordo com o anuário da Justiça, nos últimos cinco anos, a quantidade de recursos recebidos no segundo grau fluminense subiu de 145 mil para 190 mil, um salto de mais de 30%. Em 2012, dos mais de 209 mil processos distribuídos no tribunal, aproximadamente 35% das ações cíveis versavam sobre matéria consumerista.
 
Para especialistas na matéria, as causas do problema são muito mais intrincadas do que as falhas nos sistemas de contenção de ações que chegam a juizados especiais, turmas recursais, câmaras cíveis e ao próprio STF. Somos, hoje, uma sociedade de consumo de massas, que sofre com suas consequências. E para entender o excesso de ações desta matéria, não basta uma avaliação numérica. 
 
Segundo a coordenadora da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Proteste), Maria Inês Dolci, um fator que pode ser apontado como estímulo ao crescimento no número de ações desta natureza é o que se convencionou chamar ascensão da classe média. “É interessante notar que são exatamente os setores bancário, de telefonia e o de transporte aéreo, apontados como os principais atores de crescimento dos processos de Direito do Consumidor, aqueles que foram em maior medida impulsionados pela ascensão das pessoas à sociedade de consumo”, avalia.
 
“O Código de Defesa do Consumidor, que completou 23 anos, ajudou a tornar transparentes as relações de consumo. O problema está quando, ao reclamar seus direitos, o consumidor não é atendido a contento nem pelas empresas nem pelas agências reguladoras, e se vê obrigado a recorrer à Justiça. Uma prestação jurisdicional de qualidade, com decisões fundamentadas, evitaria a postergação de um problema com a enxurrada de recursos que observamos. O Judiciário detém hoje a responsabilidade de frear os abusos ao consumidor. E isso só será possível através da fundamentação das decisões”, analisa Maria Inês.
 
Chegar a uma jurisprudência afinada entre as câmaras e as turmas recursais foi uma das justificativas do TJ para a criação das câmaras especializadas.  A jurisprudência uniforme nas questões que envolvam relação de consumo, para a desembargadora Ana Maria de Oliveira, responsável pela 26ª câmara especializada, também terá repercussão na celebração de acordos entre as partes e na decisão de recorrer ou não da sentença por aquele que vier a perder a demanda.
 
Segundo ela, é importante a disseminação de uma política de pacificação, por meio do estabelecimento de um pacto social entre fornecedores e consumidores. “Esses termos de acordo estão sendo viabilizados, inicialmente, com a área bancária, inclusive com a participação do Conselho Nacional de Justiça, ao capacitar os prepostos daquelas instituições. Além disso, o TJ está fortalecendo o Núcleo de Autocomposição de Conflitos de modo a resolver fora do sistema tradicional grande parte da demanda ajuizada”, afirma.
 
De acordo com o presidente da Comissão de Direito do Consumidor (CDC) da OAB/RJ, Roberto Monteiro, a criação de jurisprudências nas relações de consumo é uma das principais vantagens trazidas pela criação das câmaras. Para ele, além de ampliar o mercado de trabalho para os advogados, a especialização permitirá, também, que mais demandas sejam julgadas em menor tempo pela segunda instância, “concretizando o que está no inciso 78 do artigo 5º da Constituição Federal, que reconhece como garantia fundamental a razoável duração do processo”.
 
“Com os clientes encontrando soluções de uma forma mais célere, os advogados receberão seus honorários mais rapidamente, também. É uma medida que veio agregar para todos os envolvidos. O Direito, especialmente o processual, está em constante evolução e exige a operação de especialistas. Para o mercado de trabalho do advogado é ótimo, é mais uma porta aberta. A especialização também é proveitosa para a uniformidade processual, dando solidez e segurança jurídica aos recursos”, destaca.
 
A direção do TJ assegura que a infraestrutura das novas câmaras especializadas foi instalada sem aumento de despesa, com reaproveitamento de espaços e funcionários remanejados. A distribuição processual é feita exclusivamente por meio eletrônico. 
 
Em agosto, a Seccional foi chamada a participar, por meio de sua Comissão de Direito do Consumidor, do Projeto Integração – ação do Ministério Público que pretende criar um canal para comunicação e troca de informações entre as entidades incumbidas da defesa do consumidor no estado. Foram convidados o Ministério Público Federal, a Defensoria Pública, o Procon estadual e a Comissão de Defesa do Consumidor da Assembleia Legislativa.
 
Para Roberto Monteiro, o convite é um reconhecimento ao trabalho da comissão junto a esses órgãos. “Estamos contribuindo cada vez mais para o controle de empresas que prestam um precário atendimento aos consumidores. A atuação deste grupo é importante e reafirma a necessidade de fiscalização”, diz.
 
O trabalho consiste em organizar um banco de dados contendo todas as ações civis públicas, os termos de Ajustamento de Conduta, os inquéritos civis e os documentos das instituições participantes, identificando e catalogando tudo em uma ferramenta que permita consultas específicas de forma ágil. “Deste modo, todas as entidades poderão trabalhar de forma integrada, evitando a duplicidade de ações e permitindo a otimização do trabalho de cada órgão em prol do consumidor”, conclui Monteiro.
 
Outro projeto da comissão é o de estimular a criação de Procons municipais em todo o estado, a exemplo do que já existe no Rio. Criado em 2011, o Procon Carioca foi proposto pela CDC, na época já presidida por Monteiro. 
 
 “Quando propusemos este organismo, 11 capitais já contavam com um Procon. Esta é uma tendência que o Sistema Nacional de Defesa do Consumidor está impondo. Por isso, sugerimos um em nossa cidade, para aproximar a população do instrumento de defesa de seus interesses”, explica. Segundo ele, é uma forma de tentar resolver o elevado número de demandas fora do Judiciário. “Mais do que batalhar pela agilidade processual, temos que prevenir o crescente de ações”, aponta. 

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