12/03/2018 - 12:02

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OAB/RJ cria Observatório Jurídico para acompanhar intervenção federal

12/03/2018 - 12:02

OAB/RJ cria Observatório Jurídico para acompanhar intervenção federal

Grupo de juristas vai acompanhar ação das forças sob comando de  general do Exército na área de segurança pública do Rio de Janeiro
 
VITOR FRAGA
A intervenção federal no Rio de Janeiro foi o tema que marcou a primeira sessão do Conselho Seccional em 2018, no dia 22 de fevereiro. Na ocasião, o presidente da Ordem, Felipe Santa Cruz, anunciou a criação do Observatório Jurídico da OAB/RJ sobre a medida decretada pelo governo Michel Temer que está em vigor no estado e que confere poder total sobre toda a área de segurança pública e as corporações policiais. A primeira reunião de trabalho aconteceu no dia 26 de fevereiro, na sede da Seccional (ver página 10).

O grupo tem nove membros e é composto, além de Felipe, pelo procurador-geral da entidade, Fábio Nogueira; pelos presidentes das comissões de Segurança Pública e de Direitos Humanos da OAB/RJ, Breno Melaragno e Marcelo Chalréo, respectivamente; pelo presidente do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Técio Lins e Silva; e pelos advogados Ana Paula de Barcellos, Gustavo Binenbojm, Rodrigo Brandão e Thiago Bottino, todos renomados constitucionalistas e criminalistas.

Segundo Felipe, o núcleo dará subsídios ao Conselho Seccional para que haja um acompanhamento permanente da ação federal, prevista para vigir até o final de 2018. Ao abrir a solenidade, o presidente destacou que este será um período movimentado. “Como têm sido os últimos anos para o Rio de Janeiro, difíceis, exigindo de nós, diariamente, decisões e posicionamentos, com firmeza, mas acima de tudo com serenidade, compreendendo principalmente o papel institucional da Ordem”, afirmou na ocasião. Sobre a intervenção, ele esclareceu que, ao saber da medida, buscou informações juntamente com o presidente do Conselho Federal, Claudio Lamachia, mas não encontrou. “É fato que a situação é grave, aceita-se a necessidade do diálogo, porque dizer que não queremos nada não resolve. Mas decidimos criar uma comissão, para que, quando o governo nos der conhecimento dos fatos, possamos acompanhar as ações”, declarou o presidente da OAB/RJ. Em nota divulgada no dia 16 de fevereiro, data da intervenção (Decreto 9.288), a entidade tornou pública a intenção de criar o observatório.

Felipe criticou um possível uso eleitoral da intervenção. “Não se pode, mais uma vez, manipular os sentimentos e as esperanças do povo do Rio de Janeiro. É preciso um projeto de médio e longo prazos, enfrentando o problema da corrupção, do tráfico de armas, da organização do narcotráfico, da situação das penitenciárias. É um conjunto de medidas que não se resumem ao uso da força, precisamos de mais discussão técnica e menos declarações de cunho político-partidário ou eleitoral. Ninguém está satisfeito com a segurança pública no estado, mas não podemos ser a favor de visões atrasadas e autoritárias, que podem estar a serviço de uma agenda eleitoral que não diz respeito aos cidadãos fluminenses”, apontou, reiterando a necessidade de articulação entre a Seccional e o Conselho Federal, marcando “clara oposição aos mandados de busca e apreensão coletivos”.

Os dois presidentes da Ordem assinaram uma nota oficial na qual repudiam a possibilidade de desse mandados, uma vez que o “expediente não é previsto em lei e vai de encontro ao Código de Processo Penal, que determina especificar a quem é direcionado o mandado de busca”. Para Lamachia e Felipe, “por ser limitadora de garantias fundamentais, toda e qualquer medida cautelar jamais pode ser genérica”, sob pena de “violação constitucional da garantia individual de inviolabilidade do lar e intimidade”. A nota encerra afirmando: “Não se combate o crime cometendo outros crimes. Isso é incompatível com a democracia”.
 
Na opinião do presidente da Seccional, é necessário que a Ordem tenha “capacidade de postulação jurídica”, de forma concreta. “Tenho buscado agir com serenidade, o momento é seríssimo. Não permitiremos que um processo dessa magnitude, que mexe com a vida de tantas pessoas, seja usado com fins eleitorais. E seremos a salvaguarda especialmente dos direitos daqueles que não têm direitos, daqueles que estão oprimidos nas comunidades, sob o jugo do narcotráfico. Não aceitamos a ideia de que os pobres devem pagar por morarem em áreas sem urbanismo, porque isso é fruto da própria ausência do Estado”, concluiu.
 
Integrantes do comitê estarão atentos ao  cumprimento das garantias constitucionais
 
“É papel legal da Ordem zelar pelo Estado de Direito e pela ordem jurídica, sempre. A questão de ser contra ou a favor da intervenção já está ultrapassada. A meu ver, não seria a melhor providência a ser tomada. Agora, se o governador aceitou ou pediu a intervenção, é sinal de que as coisas não iam nada bem. O fundamental agora é a Seccional e outros órgãos da sociedade civil estarem atentos ao cumprimento da lei. Se o Exército irá cumprir funções de segurança pública, que o faça dentro do que é permitido pelo ordenamento legal. A intervenção em nada mexeu nos direitos e garantias fundamentais da Constituição, assim como nas garantias processuais penais.”
Breno Melaragno, presidente da Comissão de Segurança Pública da OAB/RJ
 
“A intervenção federal/militar no Rio de Janeiro é decorrente não só da falência múltipla de um estado expropriado por uma parcela sórdida e pérfida da elite brasileira, diga-se que solidamente apoiada por um progressismo de ocasião, como também resulta do caldo de autoritarismo e exceção que vem sendo engrossado não é de hoje. Não se presta a resolver nenhum problema de segurança pública, produzirá mais sequelas em nossa cada vez mais tímida democracia, e o preço a ser pago ainda não foi mensurado.”
Marcelo Chalréo, presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ
 
“A ideia do observatório foi muito boa, porque a Ordem tem basicamente dois papéis, como órgão que representa a consciência jurídica da sociedade e como organização da sociedade civil: por um lado, apontar abusos, sugerir correções de rumo, funcionar como um filtro de legitimidade nas ações da intervenção; e, por outro, tentar assegurar algum grau de eficácia nas ações. Nosso compromisso como cidadãos fluminenses é evitar os excessos, mas também buscar a eficácia das medidas. Se o governo federal aceitar abrir esse canal de comunicação, a OAB/RJ terá muito a contribuir.”
Gustavo Binenbojm, doutor em Direito Público, com tese sobre direitos fundamentais, democracia e constitucionalização, e autor do livro Poder de polícia, ordenação, regulação
 
“Em um Estado de Direito, toda forma de atuação estatal, e sobretudo aquela que envolve o uso da força, precisa estar sujeita ao controle da sociedade. Nesse sentido, a atuação da OAB/RJ na fiscalização da intervenção federal no Rio de Janeiro constitui uma forma de exercício da democracia e é absolutamente condizente com o papel histórico que a Ordem dos Advogados sempre desempenhou na defesa da cidadania e das instituições democráticas.”
Thiago Bottino, doutor em Direito Público, coordenou projeto de pesquisa sobre as medidas cautelares no Processo Penal em parceria com o Ministério da Justiça
 
“A intervenção federal consiste no afastamento temporário da autonomia política de um estado para que seja superada a grave crise que as instituições estaduais não têm conseguido debelar. Embora excepcional em uma federação, é mecanismo regulamentado e limitado pela Constituição, e assim o interventor deve pleno respeito ao Direito brasileiro e os seus atos podem ser amplamente questionados perante o Poder Judiciário. A mobilização da sociedade civil é essencial para monitorar o respeito aos direitos da população fluminense enquanto a intervenção estiver em vigor”
Rodrigo Brandão, doutor em Direito Público e procurador do Município do Rio de Janeiro

“A intervenção federal é um mecanismo previsto pela Constituição que poderá ser importante no percurso para a reorganização do Estado de Direito no Rio. Não tenho qualquer pré ou pós-conceito contra as forças de segurança pública, muito ao contrário: são brasileiros que literalmente arriscam suas vidas pela comunidade. Por isso, não vejo fundamento para a presunção de que suas ações seriam abusivas ou ilegais. Cabe à sociedade acompanhar e controlar o que os agentes públicos fazem. Além disso, a intervenção é uma realidade nova na experiência brasileira, de modo que seus mecanismos estão em desenvolvimento e construção. É importante que a sociedade como um todo e a OAB em particular contribuam para essa construção com as críticas e sugestões que sejam pertinentes. Esse, na minha visão, é o papel do observatório.”
Ana Paula de Barcellos, doutora em Direito Público, com experiência em temas como princípios constitucionais, dignidade da pessoa humana e direitos fundamentais e sociais
 

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