03/08/2018 - 21:05

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Projeto de legalização da maconha no Uruguai

03/08/2018 - 21:05

Projeto de legalização da maconha no Uruguai

As medidas propostas pelo governo uruguaio incluem a venda de maconha com qualidade controlada, em quantidades limitadas, e o paralelo aumento no rigor na punição a traficantes
das drogas mais nocivas. A iniciativa é comentada nos dois artigos desta página.
 
Política de abstinência total tem obtido índices insignificantes de sucesso
 
Wanderey Rebello*
 
Ao que parece, o “mundo” pode estar sucumbindo à maconha. Não quero, com esta frase, estimular nem incentivar nada. A maconha é uma droga como qualquer outra, lícita ou ilícita, e também faz mal à saúde. Algumas drogas causam danos mais graves, como o crack e a cocaína, e outras causam danos mais leves. Em uma analogia superficial e telegráfica à nossa política de redução de danos, percebemos que, no Uruguai, as autoridades resolveram “facilitar” o uso da maconha na esperança de afastar os jovens do crack e de outras drogas mais pesadas. Penso que esta iniciativa pode dar certo. Já tem dado em outros lugares.

A política da abstinência total, defendida pelos incautos e precipitados combatentes da redução de danos, tem obtido índices insignificantes de sucesso, enquanto outras estatísticas, ao contrário, apontam para algum sucesso na política de redução de danos, ao menos aquela que promove a substituição gradual do uso de drogas pesadas (cocaína, crack, entre outras) pelo uso da maconha. A propósito, todos sabem que a droga mais nociva, ao menos a que mais mata direta e indiretamente, é o álcool, droga lícita que tem o seu consumo incentivado até na televisão. O álcool mata em razão do seu uso abusivo, assim como em razão da violência que toma conta de muitos de seus usuários. Sem falar nos acidentes de trânsito. Ele provoca dependência química, e os dependentes sofrem da síndrome de abstinência. Já a maconha não gera dependência química, psicológica talvez, e não há, na história de seu consumo, um caso sequer de óbito em razão do consumo abusivo. Não existe um caso de overdose de maconha.

Logo, o debate sobre a legalização da maconha no Uruguai e as medidas que serão implementadas vão além da simples legalização da maconha. O objetivo é afastar os jovens que consomem maconha dos locais onde são vendidas drogas pesadas, em particular o crack, que será combatido com mais força. Assim, além de colocar à venda maconha com qualidade controlada e em quantidades limitadas, haverá um aumento no rigor com que serão punidos os traficantes das drogas mais nocivas e os policiais corruptos. Acho que caminham bem as lúcidas autoridades uruguaias. Temos que tentar algo diferente do que já existe, a inútil repressão policial e judicial, antes que o crack avance e cause, cada vez mais, estragos irreversíveis.

* Secretário-adjunto da OAB/RJ e presidente da Comissão de Políticas sobre Drogas da Seccional
 
Iniciativa do governo tem o objetivo declarado de afastar os jovens do crack
 
Nestor Curbelo*
 
Uruguai é um vizinho pequeno, cauteloso, moderado. Mas a iniciativa do governo José Mujica de legalizar a maconha teve repercussão no mundo inteiro. O projeto é parte de um pacote de 15 medidas chamado Estratégia pela vida e pela convivência.

Estima-se que 300 mil uruguaios – numa população de 3,5 milhões – fizeram uso da maconha alguma vez e que cerca de cem mil a consomem regularmente. Os números devem ser maiores: o aroma do Estádio Centenário nas partidas de futebol; dos shows de música; do carnaval, que se estende por mais de um mês; e dos subúrbios de Montevidéu é o aroma da maconha, a droga ilegal mais consumida no país.

Parlamentares admitiram já ter consumido maconha. O secretário da Presidência da República, Alberto Breccia, declarou que teve uma “experiência satisfatória” com a maconha, e que esta lhe trouxe “paz, tranquilidade e alegria”.

A iniciativa do governo vai privar os traficantes de um mercado estimado em US$ 85 milhões. Ela tem o objetivo declarado de afastar os jovens das bocas de fumo em que há venda de crack – droga que causa estragos crescentes e que está na origem do incremento da criminalidade e da violência.

O pacote do governo prevê, ainda, aumento das penas em casos de corrução policial e de venda do crack – elas passarão a ser de quatro a 15 anos de prisão. Também se propõe a internação compulsória dos dependentes de crack, ainda que esta seja questão controvertida na base do governo.

Extraoficialmente, admite-se que no governo do presidente Jorge Batlle (Partido Colorado), em 2004, a maconha foi retirada do mercado por ação de policiais corruptos e houve grande oferta de crack. A partir daí, o consumo cresceu de forma exponencial.

Nos próximos dias o governo enviará o texto ao Parlamento. Lá existem pelo menos dois projetos de legalização da maconha que contemplam o cultivo para uso pessoal, algo que se choca com a proposta oficial de monopólio estatal da produção e da venda.

O fracasso do modelo norte-americano de “guerra às drogas” e uma legislação obsoleta são os principais argumentos dos que defendem as mudanças.

Não será surpresa se a atual política de drogas for modificada. Afinal, o Uruguai foi um dos primeiros países a aprovar o voto feminino, a oferecer uma educação pública laica e gratuita e a aprovar o divórcio, 70 anos antes dos países da Europa.

No fundo, o que está em jogo é “aggiornar” como um imperativo da realidade

* Jornalista uruguaio   
 

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