14/10/2015 - 16:30

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Ricardo Lodi Ribeiro – coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Uerj: ‘Resposta que governo dá à crise contribui para o seu aprofun damento’

14/10/2015 - 16:30

Ricardo Lodi Ribeiro – coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Uerj: ‘Resposta que governo dá à crise contribui para o seu aprofun damento’

Candidato em chapa única à direção da Faculdade de Direito da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), o advogado tributarista Ricardo Lodi pretende, além de lutar por mais verbas públicas, investir em fontes alternativas de custeio. Presidente da Sociedade Brasileira de Direito Tributário, Lodi é duro na crítica às medidas propostas pelo Palácio do Planalto para a crise no país. “É preciso deixar claro que a resposta que o governo atual dá à crise, que tem origem mais política do que econômica, contribui para o seu aprofundamento com a adoção de um receituário de austeridade seletiva que atinge os mais pobres sem incomodar os que mais podem contribuir, e que não deu certo em lugar nenhum do mundo”, critica.
 
PATRÍCIA NOLASCO

Como candidato a diretor da Faculdade de Direito da Uerj, o que o senhor propõe e quais são as perspectivas, diante da crise financeira do estado, para manter a qualidade acadêmica?
 
Ricardo Lodi – Acreditamos que a Faculdade de Direito da Uerj tem um compromisso histórico na luta pela democracia e pelos direitos fundamentais em nosso país. Nos dias atuais, tal compromisso passa pelo aprofundamento da sua ligação com a comunidade fluminense, por meio: (i) de um escritório modelo que atenda cada vez mais aos seus objetivos institucionais; (ii) pela criação de núcleos de prática jurídica; (iii) pelo fomento a experiências emancipatórias, como a exitosa Clínica de Direitos Fundamentais; (iv) pelo auxílio jurídico aos movimentos sociais incipientes. Além disso, pretendemos contribuir para uma maior inserção dos cotistas em nossa comunidade, desenvolvendo mecanismos que instrumentalizem mais efetivamente a democratização do conhecimento entre cotistas e não cotistas, realizando de modo ainda mais consistente a ação afirmativa. Por outro lado, não se pode perder de vista um outro compromisso fundamental para quem pretende dirigir a faculdade, que é a excelência do ensino jurídico.  Para tanto, faz-se necessária a luta incessante (i) pelo preenchimento de todos os cargos docentes, a fim de que possamos ampliar o número de turmas e reduzir a quantidade de alunos em sala de aula; (ii) pela realização de concursos de professores titulares em todos os departamentos e áreas; (iii) pela ampliação e qualificação dos servidores técnico-administrativos; (iv) pela realização de amplo debate em nossa comunidade sobre a adoção de uma nova matriz curricular, moderna, inovadora e que estimule o desenvolvimento de pesquisas interdisciplinares; (v) pela preparação para a elevação dos nossos índices de avaliação no Enade, na OAB e no Capes, sem prejuízo de uma proposta educacional de excelência, espírito crítico e atenta aos objetivos do Estado democrático de Direito, que sempre caracterizou a nossa instituição.
 
O desafio que se impõe é a implementação de tais propostas em um ambiente de grave crise econômica e de um ajuste fiscal que penaliza a educação. Por isso, além da briga pela elevação das verbas estaduais, é necessário o incentivo às fontes alternativas de custeio, investimento na captação de recursos de entidades públicas e privadas, estímulo às iniciativas associativas de ex-alunos e professores na colaboração com a faculdade e o desenvolvimento de projetos que possam gerar recursos a partir da atuação de nosso capital humano. Algumas dessas ideias podem parecer difíceis de serem realizadas nos próximos quatro anos, mas temos a certeza de que a mobilização e a união da nossa comunidade, que já se revelaram na integração de todos os segmentos da nossa instituição em uma chapa única, vão permitir chegar muito mais longe do que se possa imaginar nesses dias de pessimismo nacional.

Tramitam no Congresso propostas de extinção do Exame de Ordem. Na sua avaliação, quais seriam os efeitos, para a advocacia e a sociedade, em caso de sua aprovação?
 
Lodi – Sou totalmente contrário à extinção do Exame de Ordem.  Acho que qualquer pessoa que tenha compromisso com a sociedade brasileira pode até propor mudanças nos critérios hoje adotados, mas não deve ser a favor da extinção da prova, uma vez que não é possível deixar bacharéis em Direito deficientemente formados colocarem em risco a felicidade de pessoas que precisam da tutela jurídica. Aqui, a defesa do interesse das pessoas prevalece sobre a liberdade do exercício profissional.

Há mais de 220 mil vagas ofertadas por cursos de Direito no país, e o MEC tem autorizado, gradativamente, o funcionamento de novas faculdades. Na sua opinião, há mercado para tantos?
Lodi –
Hoje, no Brasil, temos mais cursos de Direito do que em todos os outros países do mundo somados. São 1.240 aqui, enquanto nas demais nações há cerca de 1.100, segundo dados divulgados pelo Conselho Federal da OAB. É claro que é demais. E é óbvio que tamanha quantidade acaba comprometendo a qualidade. Por isso, o pior não é o número de formados, mas a péssima qualidade de grande parte dos cursos, que acabam se traduzindo em uma fonte de obtenção de lucro fácil, sem qualquer compromisso com a formação do aluno. É preciso uma fiscalização mais atenta sobre os cursos jurídicos, em relação à criação e funcionamento destes.

O aumento da carga fiscal e o corte de gastos do governo são o caminho possível para a superação da crise por que passa o país?
Lodi –
Acho que não. Em primeiro lugar, é preciso deixar claro que a resposta que o governo atual dá à crise, que tem origem mais política do que econômica, contribui para o seu aprofundamento com a adoção de um receituário de austeridade seletiva que atinge os mais pobres sem incomodar os que mais podem contribuir, e que não deu certo em lugar nenhum do mundo. Ademais, as medidas abalam a sustentação política do governo com a desilusão daqueles que apoiaram a reeleição da presidente Dilma Rousseff, e que acreditaram que era possível superar a crise sem restringir os direitos da população mais pobre. Para quem acreditou que era possível fazer diferente, foi uma ducha de água fria.  Quando se fala em fazer diferente, é preciso um olhar atento ao aumento da desigualdade social no Brasil e no mundo.  E se é difícil combater as causas desta em um regime de liberdade econômica, é mais do que necessário corrigir, em defesa do próprio capitalismo, os seus perversos efeitos sociais por meio de uma tributação igualitária. Nesse cenário, de pouco adianta recriar a CPMF, que onera ainda mais a tributação sobre o consumo, dada a cumulatividade econômica derivada da sua incidência sobre todos os elos da cadeia produtiva.  Também é inútil simplesmente elevar as alíquotas da tabela do imposto de renda para pessoa física, o que só vai onerar ainda mais a classe média. Afinal, não se constrói uma sociedade mais igualitária restringindo a participação desta na renda nacional. É que, em nosso país, o IRPF não incide sobre os lucros e dividendos dos sócios das empresas, e onera bem mais o trabalho do que os ganhos de capital.

É preciso reverter o caráter regressivo do sistema tributário nacional com a tributação progressiva na renda, do patrimônio e das heranças, e desoneração dos salários e do consumo. Quanto ao imposto de renda, defendemos que lucros e dividendos sejam tributados pela tabela progressiva da pessoa física, descontado o que foi pago pela pessoa jurídica, a partir da fração ideal que cada sócio tem do capital social da empresa. Por outro lado, os ganhos de capital também devem se submeter à progressividade, sob pena de se privilegiar a acumulação de riquezas em detrimento do trabalho assalariado.  

Sem tais medidas, o ajuste fiscal só provocará mais arrocho e desigualdade, exacerbando o quadro de instabilidade social. E com mais desigualdade, não podemos concordar.

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