14/09/2015 - 11:39

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Francisco Dornelles – vice-governador do Estado do Rio de Janeiro: ‘Brasil não é time de futebol que demite o técnico toda vez que está perdendo’

14/09/2015 - 11:39

Francisco Dornelles – vice-governador do Estado do Rio de Janeiro: ‘Brasil não é time de futebol que demite o técnico toda vez que está perdendo’

Nascido há 80 anos em família com profundas raízes na política – é sobrinho de Tancredo Neves e primo de Aécio Neves pelo lado materno, e primo de Getúlio Vargas pela ala paterna –, há mais de cinco décadas o mineiro Francisco Oswaldo Neves Dornelles mantém-se no cenário do poder. De secretário particular de Tancredo na curta experiência parlamentarista brasileira, aos 26 anos, passando pelo alto escalão nos governos Ernesto Geisel e João Figueiredo, na ditadura militar, como titular nos ministérios de José Sarney e de Fernando Henrique Cardoso, após a redemocratização do país, Dornelles obteve cinco mandatos como deputado federal. Eleito senador em 2014, renunciou para concorrer a vice-governador do Rio de Janeiro na chapa de Luiz Fernando Pezão e exerce esse cargo deste janeiro de 2015, enquanto preside o Partido Progressista no estado e permanece na vice-presidência da Fundação Getúlio Vargas (FGV), onde lecionou na área do Direito financeiro. Nesta entrevista, Dornelles, inscrito na OAB/RJ desde 1963, opina sobre o caminho para a superação da crise nacional, fala sobre reforma política, diz que apoia o Exame de Ordem e lembra episódios de sua trajetória.
 
PATRÍCIA NOLASCO

Qual a sua opinião acerca das propostas de reforma política sob apreciação no Congresso Nacional?
Francisco Dornelles – A maior distorção na área política brasileira advém do fato de que 31% do eleitorado dos estados do Norte, do Nordeste e do Centro-Oeste elegem 49% da Câmara dos Deputados, enquanto 58% dos estados do Sul e do Sudeste elegem também 49%. Em outras palavras, 59 milhões de eleitores têm a mesma representação que 83 milhões. Isto quebra o princípio de que todos são iguais perante a lei, mas acho que nunca vai ser mudado, porque quem tem maioria não permite uma reforma que tire esta maioria. Na verdade, temos um sistema distrital misto com 27 distritos, 26 estados e um território, e a representação de cada um não representa nem população nem região, foi fixada de forma arbitrária e tirou a representatividade dos estados do Sudeste. O que foi aprovado até agora não mexe nem de longe com essa distorção permanente. Outra distorção, esta corrigida, é o sistema proporcional de eleição de deputados. Isso permite que um candidato de 100 mil votos perca uma eleição e um de 10 mil votos seja eleito. Você vota num e elege outro. Sou partidário do voto majoritário, os estados seriam divididos em distritos e cada distrito elegeria seu representante. É assim nos Estados Unidos e na Inglaterra. Mas, como é muito difícil fazer essa divisão em distritos, acho que o sistema majoritário poderia ser feito através do “distritão”, haveria eleição dentro de cada estado, como é hoje, e os mais votados seriam eleitos. O custo das eleições seria enormemente reduzido. Hoje, cada partido indica uma série de nomes que não têm a menor chance. Aqui no Rio, por exemplo, deve apresentar 100 candidatos a deputado estadual e uns 70 a federal, aproximadamente, para fazer legenda. Com o “distritão”, rejeitado na Câmara na primeira votação, cada agremiação poderia ter 10 ou 12 candidatos, seu número seria muito menor e haveria uma ligação mais direta deles com a população. Outra distorção que vejo é o voto obrigatório. Deveria ser um direito da população, não uma obrigação. Precisaríamos olhar também essa quantidade de legendas, é impossível administrar com tantas. Claro, é antidemocrático impedir que minorias sejam representadas no Congresso; acho que deveria acabar essa história de precisarmos de 500 mil assinaturas para criar um partido. Todos deveriam ter esse direito, mas ele só adquiriria status estadual depois de conseguir eleger determinado número de vereadores no estado, e status nacional após eleger determinado número de deputados estaduais.

Na questão do financiamento de campanhas, qual é a sua posição?
Dornelles – Sou contra o financiamento público. Cada cidadão e cada empresa, dentro dos limites fixados em lei, para impedir abuso de poder econômico, tem o direito de apoiar com recursos um candidato com quem se identifique politicamente. No financiamento público, no fundo, cada cidadão dá uma parcela do seu imposto, que muitas vezes se destina a um partido que ele não gostaria de eleger.

O senhor acredita em um esforço institucional para que o país possa sair da crise atual?
Dornelles – Cada um tem que fazer um grande esforço para que este momento seja superado institucionalmente. Não adianta imitar republiqueta da América Latina que afasta presidente da República toda vez que existe uma crise. O Brasil não é um time de futebol que demite um técnico toda vez que está perdendo. Acho válido criticar o governo, o direito da oposição é amplo, geral e irrestrito, mas a Constituição tem que ser respeitada na sua plenitude. Um presidente não pode ser afastado somente em decorrência de um movimento de rua. E também não pode ser a partir da vontade de partidos. Impeachment não é problema político, é jurídico. Tem que haver, de forma muito clara, uma agressão aos princípios constitucionais que justifique o afastamento de um presidente da República.

O senhor foi ministro da Fazenda, da Indústria e Comércio e do Trabalho, entre diversas outras funções públicas, incluindo mandatos parlamentares na Câmara e no Senado. Aos 80 anos, é vice-governador do Rio. Cite três fatos de que se orgulha de ter participado na vida do país.

Dornelles – Eu me orgulho de ter participado do movimento de transição do regime militar para o regime democrático e de, ao mesmo tempo, ter tido a confiança dos que queriam costurar a volta à democracia e daqueles que ainda estavam com o regime militarista. Quem levou ao Figueiredo a notícia de que Tancredo iria concorrer à Presidência da República fui eu. E o Figueiredo me disse: “É uma pena que ele vá largar uma administração vitoriosa em Minas para ser surrado no Colégio Eleitoral” [em 1985,Tancredo bateu o adversário Paulo Maluf por 480 votos a 180]. Cito também a reforma da Secretaria da Receita Federal, da qual fui titular. Fizemos uma enorme mudança que retirou do IPI centenas de produtos de empresas brasileiras. O terceiro fato foi o grande acordo do FGTS, que pagou a 35 milhões de trabalhadores o expurgo do Plano Verão, de Collor, e impediu uma greve geral no país e o abarrotamento do Judiciário.
 
É fato que uma frase de Juscelino Kubitschek, de que presidente da República detesta ministros por perto, fez com que o senhor mantivesse certa distância formal dos governantes com quem trabalhou?
Dornelles – Na campanha de Tancredo ao governo de Minas, queriam homenagear o Juscelino em Barbacena. Os organizadores ligaram para perguntar se podiam convidar alguns ministros e Juscelino disse: “Socialmente, não quero ver ministro perto de mim. Presidente da República tem horror a ministro”. Servi com vários presidentes e só chegava perto deles quando chamado ou para audiência solicitada. A consequência é que fiquei amigo de todos, do Geisel, do Figueiredo e do Fernando Henrique.
 
O senhor, que se graduou na Faculdade Nacional de Direito e lecionou em várias universidades e na FGV, acha necessário o Exame de Ordem?
Dornelles –
Acho que o exame é problema da advocacia e do Direito. A OAB, melhor que ninguém, conhece seus problemas. Se considera esse exame importante, acho que tem que ser mantido, não cabe discutir. Sou contra [as propostas legislativas para acabar com a prova]. Está funcionando bem, é aceito pela classe, então não vejo razão para modificar uma situação que está dando certo.

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