14/09/2015 - 12:18

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O CNJ na berlinda

14/09/2015 - 12:18

O CNJ na berlinda

VITOR FRAGA
Criado em 2004 pela Emenda Constitucional 45, que promoveu a reforma do Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) inicia sua segunda década, segundo alguns juristas, sob o risco de tornar-se um órgão esvaziado. A preocupação ganhou força a partir de algumas propostas que constam da minuta de anteprojeto da nova Lei Orgânica da Magistratura (Loman), apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo atual presidente da corte e do CNJ, Ricardo Lewandowski, em dezembro de 2014, e que está em análise pelos ministros. 

Entre as propostas que geram mais críticas estão as seguintes: o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) deixaria de estar submetido às decisões do CNJ; os magistrados não seriam interrogados “a não ser por magistrado de instância igual ou superior”; o Conselho passaria a ser apenas um órgão recursal; as consultas submetidas a ele deixariam de ter caráter normativo ou vinculante; e o órgão passaria a ter que garantir aos tribunais “a fonte de receita necessária para a implementação de suas deliberações”.

Paralelamente à discussão da nova Loman, o CNJ continua sendo uma instância fundamental para a Justiça atualmente, em especial para a advocacia – que tem obtido algumas vitórias importantes em julgamentos do órgão,  como na questão da uniformidade na revista à entrada dos fóruns e na isenção de pagamento pelas salas nos tribunais. No dia 18 de agosto, foi empossado o novo conselheiro indicado pelo Conselho Federal da OAB, Luiz Cláudio Allemand. Eleito pelo Conselho Pleno da Ordem em maio, ele cumprirá mandato de dois anos no CNJ. Durante a posse, Allemand se comprometeu a lutar por melhorias no Processo Judicial Eletrônico (PJe), levando o conhecimento dos problemas da classe. “Os milhares de advogados sabem dos problemas do PJe, vamos agora trabalhar na busca por soluções”, disse ele na ocasião, citando um dos principais problemas pelos quais a Seccional e o Conselho Federal têm buscado ao CNJ em defesa da categoria.
 
Loman
A minuta do anteprojeto da nova Loman, de atribuição do STF, foi elaborada por uma comissão composta pelos ministros Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes. Lewandowski já declarou que pretende discutir alterações no texto com seus pares antes de mandar o projeto para votação no Congresso Nacional – ainda sem previsão de data.

O texto divide opiniões. O ministro Marco Aurelio Mello já manifestou apoio à proposta, destacando que a questão da hierarquia para interrogar magistrados é um sistema comum no funcionalismo público. O próprio Lewandowski, na sessão do Conselho de 7 de abril deste ano, defendeu esse ponto do anteprojeto comparando a necessidade da hierarquia no Judiciário com a hierarquia militar. “A parte do anteprojeto do Estatuto da Magistratura em que se prevê o processo disciplinar dos magistrados não tem nada a ver com a investigação feita pelo CNJ; prevê-se, além daqueles direitos que todo cidadão brasileiro processado tem, que são os direitos à ampla defesa, ao contraditório e ao devido processo legal, o direito de ser interrogado apenas por um magistrado de sua categoria. Isso acontece em outros organismos também, especialmente nas Forças Armadas. Não se tem ideia nem notícia jamais na história de nossas Forças Armadas de sargento que interrogasse um coronel, ou um capitão, ou um general”, comparou.

Alguns juristas, porém, acreditam que isso levará ao esvaziamento de uma das principais características do Conselho: a pluralidade de visões nos julgamentos. O ex-conselheiro do CNJ e professor de Direito Constitucional da FGV Direito Rio Joaquim Falcão afirma que para entender a fase pela qual o órgão está passando, é preciso considerar que, o Supremo o tem apoiado sistematicamente. “Das 41 ações de inconstitucionalidade contra o CNJ, como mostra o informativo Supremo em números, só cerca de 7% foram deferidas ou parcialmente deferidas em caráter definitivo”, exemplifica.

Para Falcão, é preciso separar a “atuação institucional do Supremo” das dificuldades do curto prazo, resultantes, segundo ele, da atual gestão da presidência do CNJ. “O ministro Ricardo Lewandowski está a meio caminho em seu mandato. Não haverá tempo legislativo útil, por exemplo, para neutralizar e diminuir o CNJ, como pretende fazer o anteprojeto de Loman em gestação. Não haverá mudanças institucionais em curto prazo”, acredita.

No entanto, Falcão critica a possibilidade de concentração de poder e redução da pluralidade. “Para o Congresso, o CNJ é o segundo órgão na hierarquia judicial. Logo depois do Supremo. O poder interno decisivo do órgão é seu plenário. Ali estão os advogados, os procuradores e os representantes da sociedade”, argumenta. Para o professor, esse poder não pode ficar concentrado nas mãos da presidência e de seus assessores. “Por melhores e mais bem intencionados que sejam, é desvio institucional. Aliás, a própria administração não deveria ser monopolizada por juízes auxiliares. Deveria incluir também advogados-auxiliares, procuradores-auxiliares, cidadãos-auxiliares. A pluralidade do CNJ é seu ethos constitucional”, defende. 

Membro da Procuradoria-Geral da OAB/RJ, Berith Santana afirma que o enfraquecimento do CNJ é o enfraquecimento da própria democracia. “A instituição, em que pese algumas imperfeições, tem servido para garantir a publicidade administrativa dos atos do Judiciário, de suas finanças e punições. Isso significa transparência. E não existe Estado democrático de Direito evoluído sem que suas instituições sejam transparentes, permitindo, desta forma, o controle popular dos atos desse poder”, considera. Para Santana, o Conselho também tem contribuído para um Judiciário mais disciplinado, uniforme e controlado. “A imagem de juízes como deuses e intocáveis pouco a pouco vai sendo desmistificada, pois hoje, ainda que de maneira inicial, já se pode falar em um poder controlador de desvios do Judiciário, que é o CNJ. Desta forma, seu enfraquecimento vai na contramão das tendências de accountability – controle e necessidade de prestação de contas pelo serviço – que são exercidas pelo mundo. Enfraquecer o CNJ é dar marcha à ré na história. É manutenção de pequenos feudos sem poder que os controle no Judiciário, enfraquecendo o jurisdicionado e também a advocacia”, critica.

O subprocurador-geral da Seccional, Thiago Morani, observa que o CNJ tem sido fundamental para auxiliar o cotidiano da advocacia. “A questão do processo eletrônico, por exemplo, foi implementada por causa de uma resolução. Apesar da lei, os tribunais estavam muito atrasados. O CNJ encampou  a necessidade de dar vigência ao processo eletrônico, e foi uma resolução sua que obrigou as cortes a se mexer. Alguns juízes começaram a ser punidos, a receber anotação por falta disciplinar, o que pode impedir a progressão na carreira – e aí é onde começa a incomodar a primeira instância”, argumenta. “Do ponto de vista administrativo, você começa a tirar poder dos tribunais. O CNJ, também por resolução, decidiu regular a promoção por merecimento ou por antiguidade, o que causou um rebuliço, começou a mudar a vida interna dos tribunais, e isso perturbou”, analisa.

Morani aponta ainda outras propostas da nova Loman que inviabilizariam o órgão em seu caráter normativo. “Se o CNJ tiver que arcar com os custos das resoluções, sua função ficará limitada. Se resolver que é preciso unificar todos os sistemas eletrônicos, por exemplo, e tiver que pagar a unificação, isso vai inviabilizá-lo, vai engessar o órgão em termos de política judiciária”, critica. Outro ponto negativo seria que consultas submetidas ao Conselho deixariam de ter caráter normativo ou vinculante. “Do ponto de vista administrativo, as decisões do CNJ vinculam todos os órgãos do Poder Judiciário. Decisões como a isonomia na revista nos fóruns, por exemplo, saíram do CNJ. Para um poder como a magistratura, que ainda mantém ares da aristocracia, acaba sendo incômodo”, afirma o subprocurador. Para ele, o problema não é propriamente o controle, porque os magistrados não são contra as corregedorias. “A grande questão é o controle externo. Para alguns magistrados, isso fere sua independência e autonomia. É isso que está em jogo”, resume.
 
Transparência
Berith Santana acredita que, embora ainda precise avançar, o órgão pode continuar sendo importante para o Direito. “Principalmente, no aperfeiçoamento de uma cultura de controle e no entendimento de que prerrogativas profissionais da advocacia não são privilégios, mas garantias do exercício do direito de defesa e de acesso ao Judiciário. A advocacia luta por um Judiciário melhor e sem desvios de qualquer natureza não por ser seu concorrente, mas antes de tudo por depender de seu bom funcionamento para garantir que o jurisdicionado tenha seu pleito, senão atendido, pelo menos analisado”, observa. 
 
Joaquim Falcão reforça a importância do Conselho para uma maior transparência e eficiência dos magistrados. “Esta é preocupação legítima. O destino dos advogados está vinculado a uma Justiça mais célere, ética e transparente. Recentemente, suspendeu-se até a divulgação das metas dos juízes e desembargadores, sob a alegação de que era preciso um sistema que demandasse menos tempo dos magistrados. Ora, o razoável seria manter o atual até a instalação do novo. Vivemos um vácuo de transparência. É importante que um novo sistema de acompanhamento de produtividade seja logo implementado”, argumenta.

Para Morani, o CNJ tem limites, e “muitas vezes abusa do seu poder, como outros órgãos. No entanto, é preciso fortalecê-lo, faz mais bem para a democracia do que mal. A Ordem tem que defender antes de tudo a transparência no Judiciário. O Conselho a tem garantido, tem mostrado as vísceras da Justiça. Quanto tempo um processo demora? Antigamente, não havia metodologia para aferir. Hoje, o órgão faz isso, apresenta estatísticas, é plural e republicano. Que a Ordem continue tendo assento e voz, e que o CNJ seja cada vez mais transparente e mais forte. O Judiciário não pode ser uma caixa preta, é importante mostrar que não há intocáveis no país”, conclui.

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