19/07/2018 - 16:35

COMPARTILHE

As fake news, as fake fake news e a criação do caos informacional

19/07/2018 - 16:35

As fake news, as fake fake news e a criação do caos informacional

VÂNIA AIETA*
BERNARDO ARAUJO**

 
A problemática das fake news não é novidade em eleições e a missão de classificar algo como fake news sempre foi e continua sendo extremamente árdua, hoje com conjuntura agravada em razão da internet.

O que é mais importante para moldar a opinião pública: fatos objetivos ou apelos à emoção e às crenças individuais? Certamente, para o funcionamento de uma democracia, os fatos objetivos importam mais. No entanto, os mais recentes acontecimentos indicam que no campo das disputas políticas apelar para a disseminação de fake news pode ser o caminho mais rápido e eficiente para determinado ator político obter sua finalidade. 

Em tempos de pós-verdade, a recente arquitetura da rede no que tange aos fluxos de informação e de relevância quantitativa, além de completamente disfuncional para a democracia, proporciona o ambiente perfeito para a disseminação de fake news. A eleição norte americana, o Brexit e o recente caso Cambridge Analytica escancararam para o mundo o novo modus operandi dos atores políticos: por trás do fenômeno das notícias falsas estão sofisticados negócios lucrativos que apelam para o uso de robôs e microtargeting [customização de mensagens].

A prática denominada astroturfing funciona da seguinte forma: múltiplas identidades online e grupos de pressão falsos são usados para induzir o público a acreditar que determinada ideia escolhida representa uma visão comumente aceita, ou seja, uma posição majoritária. Neste cenário, os bots [robôs] são utilizados ​​para promover falsamente uma notícia com pretenso verniz jornalístico, introduzida numa variedade de grupos políticos, criando a impressão de amplo apoio popular para uma ideia, política, indivíduo ou produto. Isso é atingido por meio da multiplicação do número de acessos e compartilhamentos potencializados por bots programados nessas intenções e, paralelamente, por pessoas reais que não se deram ao trabalho de verificar a informação.

Ora, distribuir estrategicamente uma notícia específica em uma variedade de fontes para dar a impressão de que vários ambientes sociais estão discutindo o assunto acaba transmitindo a ideia de que o que está sendo compartilhado realmente representa a verdade. O fato de as pessoas tenderem a confiar no que sua rede de amigos online compartilha complica mais, pois a falsa notícia recebe crédito dos conhecidos. Os resultados disso são dois: tem-se uma falsa ideia do que representa, de fato, um apelo popular e atores políticos pouco éticos conseguem emplacar suas ideias, deturpando o funcionamento da esfera pública nas democracias.

As posteriores notícias fact-checkers [checadas], além de não atingirem as mesmas proporções, não adentram os mesmos setores sociais, e podem acabar creditando uma notícia falsa. Não só as notícias verificadoras não chegam às mesmas pessoas que visualizam as fake news; a reiteração das notícias “verdadeiras” pode conceder ainda mais credibilidade às falsas.

Alguns atores políticos se utilizam de ataque retórico e partidário ao jornalismo investigativo e aos fatos “reais” acusando que determinada informação se trata de fake news. Isso vem sendo chamado de fake fake news. Elas já representam um negócio sofisticado e lucrativo, de escala global, e são potencializadas pela estrutura da internet – as regulamentações governamentais tendem a esbarrar na liberdade de expressão e governos menos democráticos podem pô-la em risco sob pretexto de combater as falsas notícias.

O mais interessante é que o fenômeno, além de agravar o problema do fluxo de informação, é uma realidade que pode atingir a qualquer indivíduo, conectado ou não, e com qualquer grau de instrução. De governantes ao cidadão comum. Na rapidez digital, todos podem ser enganados no que representa, de fato, uma verdade, uma verdade mal contada, ou a total mentira.

Já é evidente que o problema é de escala global. As fake news e os falsos rumores estão atingindo mais pessoas, penetrando mais fundo na rede social e espalhando-se com mais rapidez do que as histórias precisas. Em contraste, a “checagem de fatos” pode acabar parecendo de uma minoria e, portanto, opinião menos crível, resultando no mais devastador problema: a desvalorização e deslegitimação de vozes especialistas, instituições autorizadas e do conceito de dados objetivos. Tudo isso acaba minando a capacidade da sociedade de se envolver em um discurso racional baseado em fatos compartilhados, deturpando o que seria uma visão majoritária e o funcionamento da esfera pública. Aqui, fica a pergunta: será que o que a rede está nos passando como uma posição majoritária de fato o é?

Nas fake fake news, temos o ataque retórico e partidário aos fatos “reais” e ao jornalismo investigativo, pela simples alegação de que determinada notícia seria falsa. Este movimento estratégico aumenta a confusão e a dúvida quanto à confiabilidade dos fatos e informações na esfera pública.

Nessa perspectiva, a distinção daqueles que distribuem histórias falsas em busca de lucro e aqueles que se envolvem em propaganda ideológica podem não mais importar, dado que ambos contribuem para a criação do caos informacional. A intenção do criador é menos relevante do que o fato do dano: a proliferação de informações falsas desacredita fontes de informações relativamente precisas e confiáveis, independentemente do que uma fake news específica pretende realizar.

Três danos corolários também devem ser observados: primeiro, aumento da fragmentação e da radicalização política até em temas do dia a dia. Segundo, a promoção de fake news às custas de notícias difíceis ou desafiadoras do ponto de vista intelectual. Em terceiro, as fontes “confiáveis” precisam realocar recursos cada vez mais reduzidos para desmascarar informações incorretas (que representam custos financeiros e de reputação).

Aqui, é importante mapear que uma série de medidas vêm sendo tomadas para contra-atacar o fenômeno. De um lado, surgem agências de checagem de fatos e ferramentas como a recente PegaBot, brasileira, ou até mesmo a revisão dos termos de uso e políticas de privacidade das plataformas e redes sociais para dificultar a utilização de robôs no impulsionamento de notícias falsas. Do outro lado, estão em curso discussões acerca da participação governamental na solução do problema, avançando-se para uma discussão a nível regulatório.

Regulamentações estatais chocando-se com o princípio da liberdade de expressão aumentam o risco de criarmos punições governamentais a certos tipos de discurso, dando ao governo muito poder para controlar o discurso em áreas de interesse público. O excesso de regulamentação do Estado pode acabar resultando também no empoderamento de governos menos democráticos, ou, em nível local, de órgãos e atores políticos que, não importando o motivo, ficariam responsáveis por afirmar que algo é verdadeiro ou falso: uma lista “branca” de fontes confiáveis. 

Neste cenário parece pelo menos ser consenso que os governos poderiam indiretamente minimizar o impacto de fake news promovendo treinamento de pensamento crítico em escolas públicas ou por meio de ferramentas de informática patrocinadas pelo governo e programas de treinamento. No entanto, essa resposta não basta, e aparenta impactar a longo prazo.

A Justiça Eleitoral prepara seu contra-ataque e assevera inexistir direito absoluto. Nem mesmo o da liberdade de expressão. Espera dos candidatos lisura informacional e verdade real e se prepara com as normatividades insertas nas normas de regência eleitoral para punir os infratores como os dispositivos que regulam o direito de resposta bem como os artigos 323 e 222 do Código Eleitoral, que punem a divulgação de fatos sabidamente inverídicos e viabilizam a anulação daquela candidatura obtida por falsidade e fraude. A questão das fake news pode ser interpretada nesse contexto.
 
Em conclusão, o fenômeno nos obriga a enfrentar o problema não apenas sob sua própria ótica e a da liberdade de expressão mas, também, por deixar nítido que a discussão atrai o binômio fake news e democracia.
 
*Presidente da Comissão de Direito Constitucional da OAB/RJ
**Advogado
 

Abrir WhatsApp