15/07/2015 - 15:00

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Uma bomba plantada contra a economia e os direitos sociais

15/07/2015 - 15:00

Uma bomba plantada contra a economia e os direitos sociais

GERMANO SIQUEIRA*

A um custo social e econômico que pode chegar a R$ 100 bilhões por ano (quatro vezes mais que o orçamento do Bolsa Família), o projeto de lei da terceirização (PL 4.330 na Câmara dos Deputados e número 30/2015 no Senado) segue em discussão no Parlamento, dentro de uma moldura aterradora.

O tema entrou na pauta política nacional em definitivo e merece a atenção de toda a sociedade, com consequências gravíssimas para gerações de brasileiros e brasileiras, caso seja aprovada a proposta incorporada no PL 4.330/2004, em sua redação final, que legitima a venda do trabalho humano por intermediários, com o objetivo de lucro, sem qualquer restrição, ofendendo princípios constitucionais e convenções da Organização Internacional do Trabalho. 

Apenas para que se compreenda essa lógica imperfeita e inexplicável, quando qualquer produto é vendido no mercado pela ação de intermediários, o custo, no final da cadeia de consumo, fica mais caro. No caso da terceirização ocorre o contrário. Contratar um trabalhador terceirizado fica estranhamente mais barato. Quem perde com isso e paga a conta? O trabalhador, já que a empresa  atravessadora lucra com esse “negócio” e a tomadora dos serviços paga menos do que se estivesse contratando o empregado diretamente. 

Não há dúvida de que há forte interesse do poder econômico em torno do projeto. Aliás, nas palavras de Adam Smith, teórico do liberalismo,  “frequentemente os patrões fazem conchavos destinados a baixar os salários (...). Essas combinações sempre são conduzidas sob o máximo silêncio e sigilo, que perdura até o momento da execução (...) e quando os trabalhadores cedem, como às vezes fazem, sem resistir, embora profundamente ressentidos, isso jamais é sabido em público” (em Riqueza das nações). 

No caso, esses conchavos, para usar o termo de Smith, foram trazidos a público, tanto que no afunilamento dos debates na Câmara a população recebeu, em horário nobre, informações falsas e tendenciosas, por peças publicitárias e jornalísticas, assegurando que o referido projeto de lei representaria um acréscimo de conquistas sociais para parcela de trabalhadores brasileiros hoje desassistidos e informais, de modo a equipará-los à maioria, quando se sabe que o grande e principal problema dos terceirizados jamais esteve na informalidade.
Mas, para além da farsa construída com auxílio do peleguismo sindical e dos pronunciamentos a soldo, existe a dura realidade. E essa realidade não deixa esconder que os caminhos do projeto apontam para a iminência de um grande golpe contra os direitos sociais conquistados progressivamente ao longo de mais de um século, garantias que não são apenas de trabalhadores, mas da sociedade, que não pode admitir a desconstrução no Brasil de uma moldura de relações de trabalho sólida para entregar aos nossos filhos e netos um patamar legislativo semelhante ao chinês, por exemplo.

Ao se dizer que o PL é uma bomba armada contra os direitos sociais e a economia não há exagero, salvo pela figura de linguagem, mas os efeitos são realmente destrutivos e aniquilantes, a ponto de se questionar se a economia suportará esses impactos. E se todo um processo de inclusão social ocorrido nos últimos tempos e objetivamente reconhecido por organismos internacionais como o iniciado no começo da década passada não será desperdiçado.

É preciso alertar, primeiramente, para o fato de que o mercado conta aproximadamente com 12 milhões de trabalhadores terceirizados, contra 35 milhões de contratados diretos. A remuneração média destes é da ordem de R$ 2.361,15, enquanto os terceirizados percebem, em média, R$ 1.776,78.

Em um panorama de aprovação do projeto a tendência é, em termos razoáveis, que essa proporção se inverta ou, pelos menos, haja forte, ampla e majoritária migração dos contratados diretos para o regime de terceirização, com redução de salários em, no mínimo, 30%, com aumento de jornada sem pagamento regular de horas extras e até quintuplicação das incidências de acidentes de trabalho.

Nesse ponto, a título de esclarecimento, cabe repelir com veemência a desinformação sempre repetida dando conta de que o PL 4.330 equipara os direitos dos terceirizados aos contratados diretamente. Pura falácia! Ao contrário, como mencionado, haveria  ampliação dessa desigualdade hoje vivida pelos 12 milhões. 
Desse modo, chegar à repercussão negativa de R$ 100 bilhões por ano não é tão difícil, embora seja uma projeção que mereça maior aprofundamento, na medida em que em que a redução sistêmica e global de salários na economia pode impactar nas contas públicas.

Mais que isso, os impactos no Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, em seu respectivo orçamento, tende a ser alarmante, uma vez que a maior incidência de acidentalidade nesse modo de contratação é clara.

No ano de 2011, das 79 mortes ocorridas no setor elétrico brasileiro, 61 foram de trabalhadores de empresas terceirizadas. Entre 2005 e 2012, 14 trabalhadores da Petrobras morreram em acidentes no exercício de suas profissões. No mesmo período, faleceram 85 terceirizados, tudo isso segundo estudos do Dieese.

Nesse contexto, algumas perguntas intermediárias parecem óbvias: a retirada de R$ 100 bilhões de massa salarial do mercado consumidor não teria impacto na economia nacional, principalmente afetando o varejo, a pequena empresa e a oferta de emprego? Não pode importar retração de vendas e, consequentemente, diminuição da arrecadação tributária de municípios, estados e da União? Os bilhões suprimidos dos salários dos trabalhadores e que deixaram de circular no mercado sairão do bolso deles para mãos de quem? O rebaixamento em massa do poder de compra do trabalhador é objetivo político e bandeira de algum partido brasileiro? O impacto sobre o SUS não é interesse de toda a sociedade? E sobre as vidas e o rebaixamento da segurança no trabalho, não há interesse suprapartidário? Quem vai pagar por isso?
Mas não é só. Há outros efeitos ocultos e igualmente danosos do projeto.

Trata-se da intenção de praticamente banir das relações de trabalho alguns direitos trabalhistas e, portanto, das folhas salariais, algumas conquistas importantes.

Assim, com a terceirização indiscriminada, em que se coloca entre o tomador de serviços e o trabalhador a bizarra figura do vendedor do trabalho humano como empregador, busca-se extinguir ou praticamente eliminar nas empresas tomadoras (sob a ótica do que hoje acontece) direitos como os que decorrem dos planos de cargos e salários, assim como participação nos lucros e resultados, aviso prévio estendido e, como joia da coroa, praticamente inviabilizar o direito de greve.

A construção parece sofisticada, mas o que se desenha é alegar no futuro próximo que não há vinculo direto entre as grandes empresas e a futura legião de terceirizados, daí que não haveria como se falar em direitos cujo pressuposto é a duração do contrato direto no longo prazo e um projeto de vida na empresa. Se a nova realidade for de contratos intermediados pela figura de uma empresa interposta e com trabalhadores em alta rotação, aquelas conquistas entrariam em zona de sério risco.

Esses danos hoje ocultados no debate desse projeto, que certamente gerarão ainda mais controvérsias no Judiciário, logo seriam  sentidos mais adiante, agravando ainda mais o fosso da  desigualdade entre os cenários da contratação direta e terceirizada.

Em resumo, se esse desastroso projeto de lei tem alguma potencialidade esse risco é o de suprimir garantias sociais, desorganizar a produção, acirrar ânimos e colocar a economia do país em xeque.
 
*Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)

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