15/07/2015 - 14:32

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Mediação: expectativa é de avanço para advocacia

15/07/2015 - 14:32

Mediação: expectativa é de avanço para advocacia

Lei foi sancionada no dia 29 de junho e entra em vigor em 180 dias. Redução no volume de ações e melhora na prestação jurisdicional são vantagens
 
EDUARDO SARMENTO
Em alta desde a elaboração do novo Código de Processo Civil (CPC), a resolução consensual de conflitos ganhou ainda mais força com a regulamentação da mediação judicial e extrajudicial. A lei foi sancionada pela presidente da República, Dilma Rousseff, no dia 26 de junho e entra em vigor no início de 2016. A Seccional vem atuando em diversas frentes de propostas para a efetivação da mediação como um instituto prioritário no universo jurídico. O presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, aposta na medida para reduzir o volume de processos judiciais e acredita na renovação de conceitos, não só da advocacia, mas da população em geral. “A popularização da mediação vai modificar a cultura do litígio em nossa sociedade. As pessoas serão estimuladas a buscar soluções para seus problemas e os advogados a abandonar o vício do contencioso”, afirma.

Além de uma transformação de conceitos, Felipe vê a aprovação como uma possibilidade concreta de melhora na prestação jurisdicional e, consequentemente, um avanço para o trabalho dos advogados. “Todas as iniciativas no sentido de modernizar e tornar a Justiça mais célere são bem vistas pela Ordem. A diminuição no tempo de tramitação dos processos favorecerá a classe, inclusive financeiramente. Nem todos os colegas têm condições de aguardar decisões em processos que se arrastam por anos”, afirma. Ele foi um dos principais defensores do Pacto Nacional da Advocacia pelos Métodos Alternativos de Solução de Conflitos, firmado durante o Colégio de Presidentes de Seccionais, realizado no início de março, em Florianópolis.

Votado em regime de urgência, o Substitutivo da Câmara dos Deputados (SCD) 9/2015 ao Projeto de Lei do Senado (PLS) 517/2011, do senador Ricardo Ferraço (PMDB/ES), estabelece que qualquer conflito pode ser mediado, inclusive na esfera da administração pública. Não podem ser submetidos ao procedimento, no entanto, os casos que tratarem de filiação, adoção, poder familiar, invalidade de matrimônio, interdição, recuperação judicial ou falência.

A nova lei define a mediação como “atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia” e estabelece que “pode ser objeto de mediação o conflito que verse sobre direitos disponíveis ou sobre direitos indisponíveis que admitam transação”. Uma das principais finalidades da proposta é, ao possibilitar a resolução de disputas de forma rápida e simples, até mesmo sem a necessidade de uma decisão judicial, desafogar o Judiciário.

Estão contemplados no texto três tipos de mediação: extrajudicial, judicial e administrativa. Na primeira, as partes tentam uma resolução antes de buscar a Justiça. Caso haja um acordo, não é necessário que a decisão seja registrada judicialmente, a não ser que o caso verse sobre direitos indisponíveis transacionáveis.
A mediação judicial ocorre já no Judiciário, mas os envolvidos são convocados antes que o processo chegue às mãos de um magistrado. Se ocorrer entendimento, o caso é levado ao juiz para homologação.

A administrativa refere-se à resolução de conflitos que envolvam a administração pública. Para essas situações é necessária a autorização da Advocacia Geral da União, com parecer aprovado pela Presidência da República.
Uma suposta perda de mercado por parte dos advogados devido à redução do número de processos é rechaçada pela presidente da Comissão de Mediação de Conflitos (CMC) da OAB/RJ, Samantha Pelajo, que participou ativamente dos debates e audiências públicas sobre o tema. “As soluções alcançadas em menor tempo geram naturalmente uma remuneração maior por hora trabalhada. Além disso, clientes satisfeitos com resoluções adequadas e eficazes tendem a indicar seu advogado como um profissional destacado”, constata, antes de observar nas mudanças mais do que um simples desafogo do Poder Judiciário. “O instituto da mediação não existe com esse propósito. O objetivo principal continua sendo proporcionar às pessoas soluções adequadas, efetivas e tempestivas. Mas é claro que a consequência a médio e longo prazos acaba sendo a de liberar a Justiça”. 

Aprovado em março deste ano, para entrar em vigor em 2016, o novo CPC já institui em diversos artigos o compromisso do Estado com a resolução pacífica de discordâncias, além de reconhecer o papel primordial dos assessores jurídicos das partes. De acordo com Samantha, a aprovação de uma legislação específica para a mediação consolida uma alteração na forma como o Judiciário enxerga as questões. “O objetivo primordial é justamente favorecer a pacificação e o consenso em detrimento da tradição do litígio vigente atualmente. Para tanto, a nova lei estimula que divergências sejam resolvidas com o auxílio de profissional capacitado em técnicas de comunicação e negociação e que conte com a confiança das partes interessadas, evitando-se assim que a maioria dos conflitos chegue aos tribunais. A proposta é de se resolver as questões em tempo e a contento”, diz.

As diferenças entre os métodos de resolução de conflitos residem principalmente no que diz respeito à abordagem. Enquanto outras práticas buscam um meio-termo entre os anseios das partes, a mediação estimula os envolvidos a buscarem uma solução na qual os dois lados saiam ganhando. “É uma negociação baseada nos méritos. A primeira coisa que o mediador faz é descobrir quais são os princípios e as necessidades que as pessoas trazem para a mediação. A partir daí, ele ajuda a identificar alternativas que possam atender a todos. É completamente diferente da barganha, em que um tem uma pretensão e o outro resiste. Nesse caso, a busca é pelo meio do caminho, o que muitas vezes gera insatisfação em ambas as partes. Mediação não é meio-termo, mas identificar o que está por trás das intenções e negociar com base nos interesses. As alternativas, depois de avaliadas em termos de custos e benefícios, podem inclusive ser conjugadas”, explica.

Presidente do Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA), Gustavo Schmidt faz coro com Samantha nos elogios ao marco regulatório e critica duramente as deficiências no ensino jurídico do país. “No Brasil, o advogado é treinado para litigar ao em vez de mediar. Historicamente, a grade curricular das faculdades não traz essa matéria, apesar de existir, hoje, um princípio de mudança. A regulamentação do tema traz segurança jurídica. A sociedade, os advogados e o próprio Judiciário não aguentam mais o enorme número de processos.
 
Precisamos acabar com essa tradição paternalista de achar que os outros devem resolver nossos problemas. Enquanto os juízes precisarem escolher entre dar uma sentença com rapidez ou analisar os processos a fundo, a prestação jurisdicional estará comprometida”, considera.

Schmidt e Samantha também fecham questão quando o assunto é o maior avanço do projeto: a mediação extrajudicial. “Nem todas as questões precisam ser levadas ao Judiciário, que deve sempre ser a última opção, quando não há mais saída. Vejo o momento atual como um divisor de águas”, afirma ele. No mesmo tom, Samantha acredita na mudança de responsabilidades. “Ao judicializar qualquer questão da vida cotidiana, as pessoas se desoneram da responsabilidade por suas escolhas. Por ser célere, pouquíssimo onerosa e com controle total sobre o resultado final, a tendência é de que a mediação extrajudicial venha a ser cada vez mais acolhida pelos advogados”, sugere. 

A efetividade das decisões alcançadas é outro ponto destacado pelos entusiastas do método. A mediação é considerada insuspeita em grande parte porque as próprias pessoas, de acordo com sua lógica de raciocínio, estabelecem premissas coerentes com a relação apresentada e fazem um silogismo, chegando a uma conclusão. Se essa conclusão é lógica do ponto de vista de cada pessoa, fica fácil que o acordo seja cumprido. “Fica evidente a efetividade do processo. É muito difícil que um trato feito por mediação não seja concretizado. Isso reafirma a concepção mais moderna de acesso à justiça”, constata Samantha.

O prazo máximo de duração das mediações judiciais foi estipulado em 60 dias, podendo, em caso de comum acordo, haver prorrogação pelo mesmo período. Para disputas extrajudiciais não há período definido.

Segundo o projeto, o mediador extrajudicial pode ser qualquer pessoa que tenha a confiança das partes e seja considerada capacitada para fazer a mediação. Já o mediador judicial tem que cumprir mais exigências: deve ser graduado no ensino superior há pelo menos dois anos, além de ter capacitação em instituição reconhecida pela Escola Nacional de Formação de Magistrados ou pelos próprios tribunais. O texto a ser sancionado determina que a remuneração devida aos mediadores judiciais será fixada pelas cortes e custeada pelas partes.

No Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), o responsável pela capacitação é o Núcleo Permanente de Métodos Consensuais de Solução de Conflitos (Nupemec), presidido pelo desembargador César Cury. O órgão é dividido em diversas áreas, uma delas voltada exclusivamente para a formação, supervisão, requalificação e especialização de mediadores judiciais.

O TJ conta hoje com um acervo de cerca de 11 milhões de processos, o maior do país se considerada a relação entre o número de ações e a população de cada estado. Apesar disso, Cury é mais um que vai além da óbvia diminuição no volume de ações ao defender a solução consensual de conflitos. Ele ressalta, também, a necessidade de mudança permanente de mentalidade. “Somos um órgão público formador de políticas públicas.
 
Uma dessas é a autocomposição dos litígios. O sistema de justiça convencional está muito acostumado a sentenças, com a cultura da decisão imposta. O que queremos mostrar para a população em geral é que o tribunal não se presta apenas a decidir em caráter compulsório. Buscamos oferecer outras opções. O que tentamos com o núcleo é a formação de uma nova maneira de pensar a condução dos problemas e suas resoluções”, afirma.

Atualmente, o núcleo recebe cerca de 20 casos por dia apenas no centro de mediação da capital, com taxa de resolução de 70%. Com a aprovação da nova legislação, a expectativa é de que esse número aumente de forma considerável. Uma das formas de lidar com a demanda crescente será o uso de plataformas online de mediação, especialmente em relação às demandas de Direito do Consumidor, que respondem por 35% de todos os processos e a mais de 70% de todas as mediações do tribunal. “Vamos transferir para um sistema de justiça paralelo o que tramita no meio convencional. Com essa possibilidade de informatizar cada vez mais os procedimentos poderemos dar um tratamento adequado, célere e efetivo para uma gama muito grande de processos”, sublinha Cury.

Segundo ele, o sistema já existe e será colocado em prática em meados de agosto. “O usuário estará em uma ponta e as empresas que firmaram pacto institucional com o tribunal estarão na outra. Cada uma delas terá uma estrutura voltada apenas para tratar desse sistema. O programa será alimentado constantemente pelos usuários, pelas empresas e pelo tribunal com doutrinas, decisões judiciais e estatísticas de como as questões vêm sendo resolvidas, retornando com cada vez mais precisão os parâmetros para as tomadas de decisões”, explica.
 
Mediação na OAB/RJ
Além de defender a mediação como uma alternativa para aprimorar o sistema de Justiça brasileiro e de ter formado grupos de trabalho para a elaboração de propostas referentes à matéria, tanto para o novo CPC quanto para a Lei de Mediação, a CMC pratica o instituto na própria Seccional, tendo uma câmara voltada para alguns tipos de conflito que deságuam no Tribunal de Ética e Disciplina (TED) da OAB/RJ. 

“Muitos dos casos que chegam ao TED são provenientes de mal entendidos ou de falha na comunicação entre clientes e advogados. Assim, temos a expectativa de oportunizar a solução do mérito da controvérsia. Contudo, quando efetivamente há infração ético-disciplinar, o caso deve seguir para julgamento, ainda que tenha havido consenso entre as partes”, explica Samantha. Desde a instituição da câmara institucional há pouco mais de um ano, foram realizados mais de 80 acordos.

Estão, ainda, em elaboração, outras duas câmaras organizadas pela comissão: uma voltada à resolução de conflitos –profissionais ou pessoais – dos próprios inscritos na Ordem e outra aos casos empresariais. A primeira busca oferecer a advogados e estagiários a possibilidade de encontrarem na Seccional, com custos abaixo do mercado, uma mediação de excelência. A segunda é uma parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) e vai tratar de controvérsias provenientes de relações empresariais.

O Conselho Federal da OAB e o Ministério da Justiça editaram, em parceria, com a participação da CMC, o Manual de mediação para advogados escrito por advogados, tendo o Código de Ética da Câmara de Mediação da OAB/RJ como modelo. O conteúdo do livro pode ser acessado gratuitamente no link http://goo.gl/zLFs4E.

Outra iniciativa da Ordem será no sentido de oferecer, no mês de julho, em parceria com a Escola Superior de Advocacia (ESA), mais uma edição do curso A participação do advogado na mediação à luz do novo CPC. As aulas serão levadas, também, às subseções. “É um curso de 15 horas que prepara os colegas para atuarem como assessores jurídicos em mediações, mas não como mediadores. O tema é realidade, os advogados têm papel relevante na área e a OAB/RJ está se estruturando internamente para incrementar as possibilidades de atuação de seus inscritos”, finaliza Samantha.

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