03/08/2018 - 21:04

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Flexibilização na lei trabalhista volta à pauta e divide opiniões

03/08/2018 - 21:04

Flexibilização na lei trabalhista volta à pauta e divide opiniões

PATRÍCIA NOLASCO
 
Não é de hoje, e ganhou impulso a partir de 1994, a discussão sobre a flexibilização das leis trabalhistas sob a justificativa de desonerar folhas das empresas, promover abertura de mais vagas e adequar as relações de trabalho às novas realidades da economia e do mercado. Nesse espaço de tempo, mudanças na legislação, aqui e ali,  já abrandaram algumas antigas obrigações patronais. Agora, o delicado tema retorna à pauta como proposta a ser apresentada ao Congresso Nacional. Embora tenha um texto pronto na Casa Civil, o governo federal estaria articulando com as centrais sindicais a apresentação de um projeto elaborado pelo Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, num acordo costurado para evitar o desgaste político do Executivo – noticiou a imprensa.
 
A principal mudança seria permitir que sindicatos de trabalhadores e empresas possam negociar livremente a aplicação dos direitos trabalhistas, como, por exemplo, a divisão dos 30 dias de férias em três períodos, a redução do intervalo de uma hora de almoço e da licença-maternidade, com compensações. Ou seja, propõe-se que os acordos negociados entre patrões e empregados possam prevalecer sobre o que está previsto na legislação vigente, flexibilizando a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).
 
Desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da 1ª Região, Sayonara Grillo salienta que desconhece o projeto em questão, mas não se furta a tecer considerações sobre a flexibilização. “É importante dizer que ela pode se dar em prejuízo ou em benefício do trabalhador. Nas últimas décadas, num conjuntura de globalização neoliberal, se deu, em geral, em prejuízo, seja por técnicas, ou nos julgamentos de processos, em algumas negociações ou por meio de mudanças na lei para redução de direitos”.

Mas, ressalva ela, é importante assinalar que “embora a tradição brasileira seja do direito legislado, as convenções e os acordos coletivos também são fonte de produção de direitos, não se devendo alimentar a ideia de que a negociação leve sempre a uma flexibilização negativa”. Isso seria “escamotear o papel histórico que o movimento dos trabalhadores teve na constituição de direitos no Brasil”, argumenta.

“Muito embora no final dos anos 1990 e início dos 2000, e no Brasil especialmente, a negociação coletiva tenha sido funcionalizada por uma determinada lógica governamental para promover flexibilização em prejuízo de direitos, historicamente, essa relação entre negociação coletiva e flexibilização  em prejuízo não subsiste”.

Sayonara considera importante voltar à discussão do papel da negociação coletiva. “É direito fundamental dos trabalhadores e de seus sindicatos como espaço de aquisição de direitos. A Convenção 154 da Organização Internacional do Trabalho, ratificada pelo Brasil, pugna pela negociação coletiva. Não podemos criar uma falsa dicotomia, como se a lei fosse por excelência o espaço de preservação de direitos e a negociação fosse por excelência o espaço da flexibilização negativa”.

Mas a desembargadora lembra que deve haver pressupostos para a negociação. “Tem que se dar com um mercado de trabalho estruturado, com crescimento econômico, uma legislação que assegure aos sujeitos coletivos capacidade real de negociação, conhecimento do balanço da situação patrimonial, proteção contra atos antisindicais, garantia de direito de greve efetivo, ou seja, um conjunto de instrumentos que possibilite realmente um espaço de produção de direitos”.

Sobre a realidade de uma maioria de sindicatos de trabalhadores fracos e pouco representativos, Sayonara lembra que é possível, via Legislativo, dar suporte às entidades. “Pode-se atribuir recursos legislativos de poder para que eles possam efetivamente negociar. Se o sistema jurídico não corrobora a representatividade real, vamos modificar o ordenamento para que os sindicatos se tornem mais fortes”, defende.

Para ela, uma proposta de reforma da legislação é possível e deveria, asseguradas as conquistas, os direitos de organização no local de trabalho, de saúde e segurança, “contemplar a ampliação do espaço da negociação em condições limitadas, excepcionais, e quando os sindicatos tenham poder de barganha e pressão”.

O presidente do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro, Álvaro Quintão, também militante na área trabalhista, é contrário à flexibilização da lei. “As propostas vêm sempre no sentido de diminuir direitos”, argumenta. Ele lembra que desde 2001, quando o governo Fernando Henrique Cardoso encaminhou projeto de lei para atender exigências do Fundo Monetário Internacional (FMI), o debate vem ganhando força, mesmo após a retirada da proposta no início do primeiro mandato do presidente Lula.

“E o governo já flexibilizou bastante, com o banco de horas e a possibilidade de suspender o contrato de trabalho sem remuneração para fins de formação. O que vemos hoje é mais uma tentativa de diminuir direitos. Falam em parcelar o pagamento do 13º, fracionar mais as férias, uma série de situações em que o trabalhador vai perder. Espero, sinceramente, que as centrais sindicais não assumam a paternidade desse projeto”, afirma.

Na opinião do presidente da Comissão de Justiça do Trabalho (CJT) da Seccional, Ricardo Menezes, à semelhança de outras legislações, a CLT, em vias de completar sete décadas, precisa ser modernizada. “Sou francamente favorável a criação de um Código de Trabalho, a fim de que tenhamos uma legislação do trabalho sistematizada, orgânica, de fácil consulta e que regule as novas formas de exploração do trabalho na era globalizada”, diz.

Ele cita o teletrabalho, a telemática, a terceirização, o assédio moral, o direito de defesa na justa causa, a regulamentação da despedida arbitrária e a proteção das subjetividades do trabalhador como alguns dos temas que “clamam há muito por regulamentação”.

Ricardo entende que a reforma da legislação deve se pautar pelo aprimoramento, “e não por tentativas mirabolantes voltadas para a precarização, e desregulamentação, das condições de trabalho”. Dá exemplos: “A Constituição permite a redução de salários em casos de crises econômicas das empresas (art. 7º, VI). Sabe o que isso significa? A principal obrigação do empregador pode ser flexibilizada para baixo, é algo muito sério pois o trabalhador acaba por suportar os riscos do negócio”.

E menciona ainda a criação do banco de horas, permissão que o empregador tem de pagar horas extras em horas não trabalhadas, sem o adicional de 50%. “O trabalhador labora, mas não recebe pelo trabalho realizado em dinheiro, e sim em horas, que podem ser compensadas no prazo de até um ano”.

Na opinião do presidente da CJT,  há muitas questões que “podem e devem ser atualizadas dentro de uma visão sistêmica que um código permite arquitetar”. Uma delas, que ele aceita, “é a possibilidade do  fracionamento das férias em três períodos, como já prevê a Lei nº 8.112/90”.

Mas, na opinião de Ricardo, não é possível pensar a sério em reforma da legislação do trabalho sem tratar do direito coletivo do trabalho, ou direito sindical. “O Brasil ainda convive com um sistema vetusto e autoritário, que impede o florescimento de sindicatos verdadeiramente representativos e fortes, capazes de negociar com as empresas em alto nível. Os institutos da unicidade sindical e da contribuição sindical compulsória são responsáveis pelo retardamento e pela não representatividade dos sindicatos no Brasil, pois permitem que grande parte das entidades continuem a ser feudos de sindicalistas sem nenhum interesse em defender os interesses dos trabalhadores e que se eternizam nessas entidades”.

Esse é um dos motivos, segundo Ricardo, pelos quais a Justiça do Trabalho “vem declarando nulas diversas cláusulas de convenções coletivas de trabalho e de acordos coletivos de trabalho por contrariarem as normas mínimas de proteção do trabalhador, que alguns sindicatos negligenciam ou simplesmente renunciam, em prejuízo dos seus representados”.

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