25/09/2013 - 16:16

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Voto: direito ou dever de escolha?

25/09/2013 - 16:16

Voto: direito ou dever de escolha?

Polêmica antiga no Brasil, a discussão sobre a obrigatoriedade do voto ganhou novo fôlego nos últimos meses, com a série de debates sobre reforma política que transbordaram do maior movimento político de massas da história recente. Exposta nas manifestações, a crise de representação das instituições deu espaço à defesa do voto facultativo, adotado em países como Estados Unidos, Japão e Canadá. 
 
Realizada em junho, pesquisa do Senado Federal demonstrou que o voto obrigatório é atualmente considerado prejudicial à democracia por três em cada cinco brasileiros. No Facebook, comunidades em defesa da ideia também cresceram – uma delas, Diga não ao voto obrigatório, tem hoje mais de 21 mil curtidas.
 
Debates sobre reforma política trazem à tona divergências entre os que defendem a manutenção do voto obrigatório e os que acreditam que a mudança para o modelo facultativo aprimoraria a democracia brasileira
 
O índice de abstenção nas últimas eleições é mais um combustível para os que pregam o voto facultativo: dos 138,5 milhões de eleitores aptos no país, 16,4% não apareceram nas seções eleitorais, o equivalente a 22,7 milhões de pessoas.
 
Porém, há dúvidas sobre os benefícios que a mudança no sistema traria para a política brasileira. Na opinião de alguns pesquisadores, a não obrigatoriedade do voto poderia favorecer grupos específicos.
 
"É um modelo que favorece as campanhas eleitorais, ao contrário do que muitos acreditam. Em sociedades nas quais o voto não é obrigatório, alguns políticos incentivam a não participação do povo nas eleições para permanecer no poder, pois, quanto menor o cenário eleitoral, maior a possibilidade de eleição", observa o sociólogo e cientista político da UFRJ Paulo Baía.
 
"Diferentemente da perspectiva liberal clássica, como a adotada nos Estados Unidos, a tradição do voto obrigatório surge a partir da Revolução Francesa, através do princípio de que todo cidadão é responsável pela República. Assim, o sistema apresenta o voto como um dever, antes de um direito ou um ato de liberdade. É a proposta de servir à nação", explica Baía.
 
Iniciada com o Código Eleitoral de 1932, a obrigatoriedade do voto foi mantida pela Constituição de 1988, o que a conselheira seccional da OAB/RJ e professora da Uerj Vânia Aieta considera natural. "Esse sistema foi adotado após a Revolução de 1930 exatamente para combater as ilicitudes eleitorais da República Velha, em um país ainda prioritariamente rural. E não se pode dizer que, desde então, o sistema tenha ocasionado qualquer problema à democracia brasileira. Pelo contrário: a partir do momento em que o voto se torna obrigatório, a participação dos menos favorecidos acaba qualificando gradativamente a democracia, pois o exercício do voto se torna parte da educação política do eleitor".
 
Já o presidente da Comissão de Direito Eleitoral da Seccional, Paulo César Salomão Filho, acredita que a mudança no cenário brasileiro favorece a aplicação do sistema facultativo: "Em 1932, a maioria das pessoas vivia em área rural, sem acesso aos meios de comunicação. Nos dias atuais, com mais de 80% da população vivendo em núcleos urbanos, após toda uma revolução tecnológica, essa lei não se sustenta mais. Além disso, a não obrigatoriedade funciona com êxito em todas as democracias ocidentais em que é adotada".
 
A mudança no sistema é defendida, também, por alguns parlamentares. Na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJC) do Senado tramita, por exemplo, a Proposta de Emenda à Constituição 14/2003, de autoria do senador Álvaro Dias (PSDB/PR), que leva para o Congresso a competência de decidir sobre a adoção do voto facultativo, retirando o assunto da esfera constitucional.
 
Membro do grupo de trabalho que trata da reforma política na Câmara dos Deputados, o deputado federal Sandro Alex (PPS/PR) está encabeçando, no núcleo, a defesa do fim do voto obrigatório em todas as eleições do país como uma das pautas principais. Segundo ele, a mudança significaria o reconhecimento do "direito de todos os cidadãos".
 
"Por que obrigar alguém a ir até a urna para votar nulo? Não é mais lógico que a pessoa não vote se não quiser? Queremos que a reforma seja tanto para aqueles que querem discutir, participar e votar através de um sistema diferente, quanto para aqueles que não querem e que têm o direito de não participar do pleito se não for da sua vontade. Isso, na minha opinião, é um amadurecimento da democracia", pondera o deputado.
 
Na visão do dirigente da comissão da Seccional, a consciência política aflorada pelo momento de questionamentos da sociedade fortalece a possibilidade de adoção da medida: "No período democrático, talvez este seja o cenário mais propício para uma reforma política de tal natureza. O problema é que quem chegou ao poder não quer mudar o jogo. A reforma feita pelos próprios congressistas é algo complicado".
 
Jornalista especializada na área política, Dora Kramer discorda. Para ela, o pleito não tem chance de prosperar no cenário atual. "Sou favorável ao voto facultativo, mas essa é uma questão que não entra no rol dos interesses da classe política, que tem muita resistência a isso, apesar de todos os fatores e pesquisas que mostram a simpatia do povo pela discussão", afirma.
 
Dora critica a alegação, utilizada por alguns defensores do voto obrigatório, de que os brasileiros ainda não estariam preparados para decidir sobre o tema: "Não consigo aceitar a ideia de que o povo não esteja apto a escolher algo tão simples, se quer o modelo obrigatório ou o facultativo. Essa é obviamente uma questão que despertaria o interesse se abordada da maneira correta. Porém, apesar de imprescindível, não é posta em discussão, pois com o voto obrigatório o esforço para fazer as pessoas comparecerem à urna é muito menor".
 
Vânia Aieta acredita que "a omissão do eleitor pode ser um elemento de agravamento do atraso político, econômico e social das áreas mais pobres do país”. “O voto obrigatório inibe o político porque é muito mais gente votando, controlando”, argumenta.
 
A advogada exemplifica citando os países que adotam o modelo facultativo: "Há dados que mostram que, nesses locais, setores menos favorecidos da população acabaram afastados do processo democrático. Mas, na verdade, nada impede que essas pessoas sejam usadas como massa de manobra no plano eleitoral, até porque os setores mais engajados politicamente poderiam rechaçar o processo democrático".
 
Na opinião de Paulo Baía, as manifestações das ruas mostraram que, independentemente do modelo, o povo tem consciência política suficiente para ser protagonista nas eleições: "Há uma renovação muito grande em curso no cenário político brasileiro. O importante é que o que aconteceu no Brasil foi um rápido processo de politização ampla dos eleitores. Não há desencanto com a política no país. Pelo contrário, há um encantamento com ela".
 
Versão online da Tribuna do Advogado.
 

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