04/09/2013 - 14:05

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OAB/RJ requer das autoridades dados sobre mortes em ações policiais

04/09/2013 - 14:05

OAB/RJ requer das autoridades dados sobre mortes em ações policiais

Vitor Fraga
 
A OAB/RJ vai requerer das autoridades de segurança pública do estado informações para formar um banco de dados capaz de subsidiar a análise qualificada de casos de mortes em ações policiais, em especial nos chamados autos de resistência e desaparecimentos. Este é um dos principais propósitos da campanha Desaparecidos da democracia: pessoas reais, vítimas invisíveis, lançada no dia 27 de agosto, na sede da Seccional.
 
Mais do que um protesto contra a letalidade policial – dez mil pessoas foram mortas entre 2001 e 2011 –, o presidente da Seccional, Felipe Santa Cruz, afirmou que a campanha vai resultar em propostas de políticas relacionadas à segurança pública. “Os dados dos autos de resistência são estarrecedores. Descobrimos que um dos PMs envolvidos no assassinato da juíza Patrícia Acioli, em São Gonçalo, tinha 15 autos de resistência. Um policial com 15 assassinatos em enfrentamento teria que estar sob o crivo de uma vigilância maior do comando da corporação. Temos como contribuir para mudar essa realidade”, defendeu.
 
Felipe anunciou a formação de um grupo multidisciplinar de estudiosos – advogados e pesquisadores, auxiliados por estudantes de Direito – para reunir informações e tomar depoimentos com vistas à criação de um “banco de dados através do qual a sociedade também poderá acompanhar esses episódios”. Ele lembrou que discutir questões da cidadania é um compromisso da gestão. “Queremos realizar atos que derivem em discussões de políticas públicas, não cabe à Ordem o papel somente de protestar. Em 2012, já pensamos na campanha, mesmo antes de casos emblemáticos como o da favela do Rola e o do pedreiro Amarildo, que comprovam a relevância da iniciativa”, destacou – referindo-se aos cinco mortos na comunidade em Santa Cruz e ao desaparecimento do ajudante de pedreiro em 14 de julho na Rocinha, após ser levado para a Unidade de Polícia Pacificadora (UPP).
 
Segundo o presidente da Ordem, a investigação é uma tarefa que não pode ficar restrita à entidade. “Por isso queremos criar o banco de dados, propor soluções e chamar a atenção da sociedade para o número elevado de mortes. Para isso precisamos de outras entidades, e chamamos especialistas em outras áreas, além dos familiares das vítimas”.
 
Tesoureiro da Seccional e um dos idealizadores da campanha, Luciano Bandeira salientou que o ato foi apenas o primeiro passo. “Como a falta de informação é a principal deficiência apontada pelos especialistas, a OAB/RJ está solicitando oficialmente às autoridades dados específicos tanto sobre autos de resistência quanto sobre desaparecidos. Em um segundo momento, será formada uma subcomissão de trabalho ligada à Comissão de Direitos Humanos da Ordem para organizar e analisar esses dados”, explicou, acrescentando que a terceira fase da campanha será propositiva: “Vamos sugerir novas formas e procedimentos para a atuação da polícia, de maneira que o sistema de segurança pública se adeque melhor a uma democracia plena”.
 
O sociólogo Michel Misse (UFRJ), que coordenou uma pesquisa sobre autos de resistência no Rio de Janeiro, apresentou dados da última década, além de analisar alguns números de homicídios e mortes em confronto. Ele afirmou que no Brasil os índices de letalidade na ação policial estão acima da média mundial. “A polícia brasileira mata mais do que qualquer outro Estado civilizado. Há outros países, na América Latina, por exemplo, que também têm territórios controlados por criminosos armados e violentos, mas a polícia, neles, não age de forma tão letal”. Segundo o sociólogo, nos Estados Unidos, “que têm uma polícia reconhecidamente dura”, há cerca de 300 mortes por ano em uma população de mais de 300 milhões de habitantes, enquanto no Rio “matamos em média mil pessoas por ano para uma população de 16 milhões de habitantes”. 
 
O pesquisador ressaltou que não é o caso de se responsabilizar apenas a polícia. “Queremos saber como essas mortes ocorreram. Antes de culpar qualquer pessoa, critico a falta de informação, bem como a falta de inquéritos policiais e de processos judiciais relativos a essas mortes”, observou. No mesmo sentido, Misse falou sobre a baixa taxa de esclarecimentos dos homicídios, de maneira geral. “A taxa média de elucidação desses crimes no Brasil, incluindo os casos de prisão em flagrante, é de no máximo 15%. Ou seja, temos 85% das mortes que sequer chegam a virar ações penais”. 
 
Nesse cenário, o sociólogo reforçou o argumento de que não há informação segura para interpretar os dados. “A partir de 2007, quando houve grande volume de autos de resistência, ocorreu queda no número de mortos em confronto, e por outro lado um aumento contínuo do número de pessoas desaparecidas. É fundamental sairmos do plano da acusação, apenas. Para melhorar e modernizar o sistema da Justiça, o primeiro passo é a indignação com esses números que estão fora da curva do mundo. Em segundo lugar, temos que melhorar a qualidade dos dados para poder esclarecer de fato os crimes”, completou.
 
Representante das Mães da Cinelândia, grupo de familiares de vítimas, Regina Célia da Rocha Maia emocionou a plateia ao relatar a morte do filho Márcio Otávio. “Há 18 anos meu filho foi morto por policiais porque se recusou a permitir a invasão da casa dos parentes da minha nora. Um tiro na cabeça dele acabou com a minha família, e os policiais estão soltos. Hoje me considero uma desaparecida da democracia. Fico particularmente sensibilizada em saber que posso contar com a OAB/RJ”.
 
Além de Felipe, Luciano e Misse, a mesa de abertura contou com a presença da integrante do Subcomitê para Prevenção da Tortura da Organização das Nações Unidas, Margarida Pressburger; do presidente da Caarj, Marcello Oliveira; dos presidentes das comissões de Direitos Humanos e de Segurança Pública da OAB/RJ, Marcelo Chalréo e Breno Melaragno, respectivamente; e do presidente da Comissão de Igualdade Racial da Ordem, Marcelo Dias.

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