04/09/2013 - 15:04

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Foro especial por prerrogativa de função

04/09/2013 - 15:04

Foro especial por prerrogativa de função

Fim do privilégio aumentaria espera por justiça
 
Claudio Weber Abramo*

Aqueles que se manifestam contrariamente ao privilégio de foro para agentes políticos costumam fazê-lo a partir de informação incompleta. É de se suspeitar que a oposição a esse instituto decorre da presença, em sua descrição, da palavra “privilégio”: se é privilégio, então sou contra.
 
Caso o privilégio de foro fosse extinto, os réus responderiam aos processos de que são alvo a começar da primeira instância. Se condenados, recorreriam à segunda instância, na qual, conforme o andar das causas, interporiam a infinidade de recursos – a esmagadora maioria dos quais de natureza meramente protelatória – que os códigos de Processo Civil e Penal propiciam.
Caso tivessem suas pretensões negadas na segunda instância, recorreriam aos tribunais superiores, nos quais o mesmo festival recomeçaria.
 
Em outras palavras, o fim do privilégio de foro estenderia ainda mais os já alongadíssimos tempos de espera para resolução de processos que afetam as cortes superiores. É claro que o foro privilegiado concorre para aumentar o já catastrófico congestionamento das cortes superiores, mas o seu fim em nada mudaria esse quadro, já que tais processos, conforme argumentado, terminariam por aportar neles de qualquer modo.
 
Quem defende o fim do foro privilegiado não se dá conta de que o privilégio que encerra trabalha contra os interesses de agentes políticos acusados de corrupção e outros crimes, e não a favor deles.
Existe uma circunstância que, se concretizada, daria razoabilidade à pretensão de extinção do privilégio de foro: a promulgação da chamada emenda Peluso, que eliminaria o efeito suspensivo dos recursos interpostos a sentenças confirmadas por órgão colegiado.
 
De acordo com a emenda, os réus manteriam o direito de interpor recursos contra tais sentenças, mas o fariam cumprindo as penas a que tivessem sido condenados – pecuniárias ou penais.
Isso não apenas levaria a uma administração muito mais célere da Justiça como eliminaria do sistema judicial a grande maioria dos recursos que hoje o atravancam – pois, uma vez que já cumprem pena, por que réus plenamente conscientes do dolo de seus atos se disporiam a gastar dinheiro na manutenção de causas perdidas?
 
*Diretor executivo da organização Transparência Brasil
 
Em defesa do devido processo legal
 
Paulo Henrique dos Santos Lucon*
 
Ninguém nega que o fim do “foro privilegiado” é dos temas mais polêmicos, tanto para a comunidade jurídica como para os leigos. São, basicamente, duas grandes linhas de raciocínio que justificam a sua continuidade.
 
De um lado, esse instituto evita perseguições locais; de outro, prestigia a celeridade do julgamento, evitando a impunidade pela utilização de recursos abusivos. Nesse particular, no caso “mensalão”, por exemplo, seria difícil imaginar vários graus de jurisdição, já que muitos dos réus seriam certamente beneficiados pela demora.
 
Como se percebe, a crítica que se faz ao fim do foro privilegiado parte de uma visão distorcida do sistema. Atribuir o julgamento aos tribunais superiores diretamente evitaria perseguições e liminares disparatadas, porque parte-se da ideia de que os juízes de primeira instância não são confiáveis por não serem honestos ou preparados. 
 
Acredito que esse entendimento seja equivocado, já que devemos, até prova em contrário, confiar nas nossas instituições e na qualidade das decisões de nossos juízes. Se esses não proferem decisões satisfatórias, é preciso cobrar idoneidade nas corregedorias e no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), bem como investir no seu aprimoramento técnico. Ao mesmo tempo, é necessário garantir um mecanismo recursal célere e efetivo de correção, sem prejuízo do duplo grau de jurisdição, que prestigia, justamente, a qualidade de serviço público essencial, que é a distribuição da justiça.
 
O sistema brasileiro serve-se em demasia do instituto da prescrição. Beneficia-se da demora. Essa seria outra justificativa para a manutenção do foro privilegiado: com um julgamento em única instância, menor seria a possibilidade de utilização de recursos procrastinatórios. Essas premissas partem de distorções. Se tivéssemos uma Justiça célere, com juízes menos sobrecarregados, elas cairiam por terra. 
 
O problema reside no direito que todos têm a um julgamento sem dilações indevidas. A solução está no respeito à decisão num prazo razoável e à sua qualidade, com a observância do duplo grau de jurisdição e a criação de mecanismos céleres e efetivos para correções.
 
O exercício do direito de defesa, com o duplo grau, é dimensão fundamental do devido processo legal. Se não é possível tapar o sol com a peneira, da mesma forma não são corrigidas distorções com institutos como o foro privilegiado.
 
*Vice-presidente do Instituto dos Advogados de São Paulo e do Instituto Brasileiro de Direito Processual; professor na Faculdade de Direito da USP
 

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