06/02/2018 - 14:36

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Adoção do semi presidencialismo

06/02/2018 - 14:36

Adoção do semi presidencialismo

 
Quando a incerteza é boa e quando é ruim
FÁBIO KERCHE*
Há um conhecido texto cujo título é uma feliz síntese do que é, ou deveria ser, a democracia: “Ama a incerteza e serás democrático”. A incerteza a que Adam Przeworski se refere é em relação ao resultado do jogo, e não às suas regras. Como no esporte, a democracia tem regras relativamente fixas (sistema eleitoral, regularidade etc.) e jogadores razoavelmente conhecidos (políticos, partidos, eleitores), mas o resultado da disputa é incerto. Aceitar a imprevisibilidade do resultado, o que não fez Aécio quando perdeu para Dilma, permite que o jogo democrático seja jogado. E, assim como no esporte, saber perder é da lógica do jogo e revela os que realmente são comprometidos com a democracia.

Estamos vivendo um momento em que há incerteza em relação aos jogadores (Lula disputará as eleições?) e às regras, talvez buscando limitar a incerteza do resultado. A mais recente tentativa é a proposta, ainda obscura, de trocar o sistema de governo. No lugar do presidencialismo, opção feita pelos brasileiros por meio de dois plebiscitos, teríamos um modelo híbrido, um semipresidencialismo ou um semiparlamentarismo. Embora a população desconheça os detalhes da proposta, o que já revela como as coisas são tratadas no país atual, segue-se um roteiro já observado em outro momento histórico. Quando alguns não querem que um dos candidatos vença e governe, busca-se uma saída para esvaziar o mandatário. Vimos isso com João Goulart, podemos ver novamente no próximo ano. A incerteza, no lugar de restrita ao resultado da eleição, é em relação a quem poderá disputar e, caso ganhe, em que bases poderá governar.

No presidencialismo, o presidente é chefe de governo e de Estado. A vantagem do sistema é a estabilidade e previsibilidade. O mandato do presidente é fixo, permitindo que este tome medidas duras quando necessário, mas que podem ser explicadas aos cidadãos ao longo do mandato. A desvantagem é justamente aquilo que é positivo no parlamentarismo: enquanto este absorve mais facilmente crises, no limite mudando o chefe de governo por meio de uma decisão do parlamento, aquele prevê apenas o impeachment para casos bastante específicos. Por outro lado, no modelo em que chefe de Estado e de governo são pessoas diferentes, a perda conjuntural de apoio popular pode levar à troca de governo, o que gera mais instabilidade e menor previsibilidade. 

Os defensores do sistema semipresidencialista, seja lá o que está sendo gestado nos encontros fora da agenda no Palácio do Jaburu, irão argumentar que o modelo unirá o que há de melhor nos dois sistemas. Bobagem. O modelo híbrido, que terá o defeito de nascença de ter sido proposto por um governo impopular e que toma decisões sem consultar os cidadãos, provocará uma disputa fratricida entre o vencedor das eleições presidenciais com poderes limitados e um primeiro-ministro eleito por um Congresso que, ao que tudo indica, continuará a não gozar do entusiasmo dos cidadãos. A adoção do semipresidencialismo irá levar mais tensão ao sistema, provocando provavelmente uma queda de braço que poderá gerar uma paralisia decisória ou uma disputa pelo protagonismo político. O jogo irá mudar para pior.
 
*Doutor em Ciência Política pela USP e pesquisador da Fundação Casa de Rui Barbosa

Menos poder presidencial e mais governalidade

OCTAVIO AMORIM NETO*
O semipresidencialismo é um sistema de governo que se caracteriza por uma constituição que estabelece um chefe de Estado diretamente eleito pelo povo e um primeiro-ministro e um gabinete dependentes da confiança parlamentar. Essa definição foi desenvolvida por Robert Elgie, sendo hoje amplamente aceita pela ciência política.

A experiência internacional indica que os regimes semipresidenciais que conferem poucos poderes ao chefe de Estado têm um desempenho superior aos sistemas semipresidenciais em que o presidente possui amplas atribuições. Isso se deve ao fato de que esses sistemas tendem a gerar intensos conflitos no interior do Poder Executivo.

O semipresidencialismo deve ser adotado no Brasil porque permitiria a institucionalização das virtudes do presidencialismo de coalizão e a correção dos seus defeitos. Os objetivos essenciais do semipresidencialismo seriam a redução dos poderes presidenciais e o aprimoramento das condições de governabilidade por meio da confiança parlamentar de que dependeriam o primeiro-ministro e o gabinete, preservando-se, porém, o sufrágio direto para presidente. Nesse sentido, o estabelecimento do semipresidencialismo seria o resultado da evolução de um regime presidencial que tem que conviver com uma pluralidade de partidos.

Cumpre registrar que nosso atual sistema de governo, o presidencialismo puro, não facilita a reprodução do eficaz presidencialismo de coalizão criado por FHC e adotado por Lula em 2007-2010. De fato, temos débeis mecanismos institucionais de defesa contra calamitosas presidências imperiais como as de Collor e Dilma. O semipresidencialismo criaria fortes barreiras à emergência de tais presidências e permanentes incentivos para a formação e condução de gabinetes de coalizão. 

Outra razão para o estabelecimento do semipresidencialismo seria a de termos um poder moderador lastreado pelo voto popular, a ser exercido pelo presidente da República.

O projeto de semipresidencialismo em discussão parece dar ao presidente um papel excessivo no processo governativo, ao atribuir-lhe as faculdades de propor leis ordinárias e complementares e de vetar total e parcialmente projetos de lei. Essas prerrogativas certamente estimulariam a competição entre o chefe de Estado e o chefe de governo pelo controle da agenda legislativa do Congresso, gerando, inevitavelmente, intensos conflitos no interior do Poder Executivo. Como indicado acima, isso não seria um bom caminho. Se os autores do projeto não reduzirem os poderes presidenciais, o melhor será mantermos o presidencialismo puro.
 
* Professor associado da Ebape/FGV e pesquisador-visitante do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa em 2017-2018. Autor dos livros Presidencialismo e governabilidade nas Américas (Rio de Janeiro: FGV, 2006) e co-organizador de O semipresidencialismo nos países de Língua Portuguesa (Lisboa: ICS, 2009)

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