11/11/2013 - 16:28

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Projeto causa controvérsia ao tornar inelegível governante que descumprir meta para educação

11/11/2013 - 16:28

Projeto causa controvérsia ao tornar inelegível governante que descumprir meta para educação

Para professora, lei representaria avanço na política educacional. Secretário acha injusta punição se erros forem herança do antecessor
 
VITOR FRAGA
 
A partir do ano que vem, prefeitos e governadores que não cumprirem as metas estabelecidas para a área de educação poderão ficar inelegíveis por quatro anos. Essa é uma das propostas da Lei de Responsabilidade Educacional (LRE), que pretende estabelecer padrões de investimento na educação pública. O Projeto de Lei (PL) 7.420/2006, que “dispõe sobre a qualidade da educação básica e a responsabilidade dos gestores públicos na sua promoção”, está tramitando na Câmara dos Deputados e deverá ser votado ainda este ano – segundo a expectativa do relator da Comissão Especial criada para analisar a matéria, Raul Henry (PMDB/PE), que apresentou substitutivo ao texto original.
 
O texto introduz, entre outros conceitos, “padrão mínimo de qualidade para todas as escolas do país”, “financiamento suplementar da União” e “responsabilização pelas metas do Plano Nacional de Educação (PNE)”. Segundo o deputado, que propõe tornar inelegível por quatro anos o prefeito ou o governador que piorar os indicadores da educação durante seu mandato, a ideia não é exigir metas. “Se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) de um município for 3, e o prefeito seguinte encerrar o mandato com 2,9, fica inelegível por quatro anos. Ele não sofrerá nenhum processo criminal, não será preso nem perderá patrimônio, mas vai tirar férias pedagógicas para aprender a investir em educação. Esse é um mecanismo importante para melhorar a qualidade da escola”, argumenta Henry.
 
Para a professora da Universidade de São Paulo (USP) Paula Louzano, o projeto significa um avanço na política de educação ao estabelecer “padrões mínimos de qualidade” para as escolas, “especificando o que é apenas apontado na Constituição de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases: que o Estado deve garantir ‘padrões de qualidade’ no ensino a fim de promover a equidade”. Já na opinião do secretário estadual de Educação do Rio de Janeiro, Wilson Risolia, a lei não significa, necessariamente, grande progresso. “A lei não se aprofunda nos temas estruturais, deveria tomar como base o projeto que o país tem para aquele setor, e portanto analisar eleição para diretor, indicação política, certificação, carreira única para o magistério, formação de docentes. Se não, os problemas continuam”, opina.
 
Já o professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Roberto Marques considera que a proposta da LRE reforça, erroneamente, a ideia de que não existem leis definindo atribuições e responsabilidades sobre a educação. “Uma rápida olhada na Constituição serve para comprovar o que digo. Só que pelo menos desde 2006 tem-se falado sobre a necessidade de uma ferramenta jurídica para garantir a qualidade na educação, estabelecendo formas de punir os responsáveis pela sua não obtenção”, aponta ele, acrescentando que é preciso discutir o que se entende por qualidade. “O discurso oficial a articula aos indicadores produzidos por uma escola, uma rede ou mesmo um aluno. Isso não tem nada de avanço, porque os indicadores são, antes de tudo, individualizantes. É a ratificação da lógica empresarial sobre a educação, com índices, metas, eficiências, produtividade... E essa medição funciona muito bem para estabelecer normas e leis sobre as escolas, pois desempenho e resultados numéricos são boas referências para se criar regras, ainda que nada indiquem de fato”, critica.
 
A questão da inelegibilidade gera polêmica. “Governantes têm um projeto para o mandato, mas podem não conseguir fazer tudo, dependem de outros atores. É justo o governante ficar inelegível se receber um acervo anterior todo contaminado?”, questiona o secretário estadual de Educação.
 
Também para Louzano, a medida seria ineficaz. “Mecanismos de pressão só trazem melhorias se acompanhados de instrumentos de apoio aos gestores interessados nas mudanças. O estabelecimento de padrões e o compromisso do governo federal em apoiar os gestores no seu cumprimento é fundamental”, completa ela. Roberto Marques vê a ideia como parte de “um quadro de produção de indicadores para cumprir metas”, sem que se apontem quais são e quem as define. “Nesse sentido, tornar um prefeito inelegível por não cumprir metas faz todo o sentido, dentro de uma lógica que torna o serviço público uma máquina de produzir índices de eficiência matematicamente mensuráveis. Cria, para a sociedade, a ideia de movimento, de que o Estado está mobilizado pela qualidade da educação”, analisa.
 
Outro ponto controverso refere-se às metas proporcionais. “Isso é consequência direta do caráter decenal do PNE. Se as metas são decenais, um mandato de quatro anos, nesse período, deve corresponder a 40% da meta”, esclarece Raul Henry. O secretário de educação fluminense reitera o argumento de que o cumprimento dos objetivos depende dos governos anteriores. “Nossa meta é alta porque estamos recuperando o passivo. Acho injusto criar metas por mandato, porque você tem que zerar o passivo, mas é difícil”, reclama Risolia. 
 
Para Louzano, as metas proporcionais podem criar uma continuidade maior nas políticas educacionais. “Afinal de contas, o PNE, que apoia este mecanismo da LRE, é, em tese, o plano da sociedade brasileira para a educação que queremos construir. Não tem sentido que não seja cumprido”, defende a professora. Já Marques avalia que ninguém seria contra melhorar a qualidade da educação ou responsabilizar gestores ineficientes, mas mantém a tese de que o problema é a noção “pautada em metas e responsabilização de uma determinada forma de gestão”, na qual a ideia de continuidade “está ligada à despolitização da própria política e da educação, por extensão”. A continuidade, para ele, pode vir, “se a perspectiva mercadológica se mantiver. Uma coisa precisa alimentar a outra”.
 
Como a LRE prevê incentivo financeiro para as escolas que se destacarem, segundo Raul Henry a tendência é que as piores cresçam mais, percentualmente, do que as melhores. “Se uma escola tiver Ideb 2 e avançar para o Ideb 3, ela melhorou 50%. Se ela tiver 5 e melhorar para 6, cresceu apenas 20%. Ambas cresceram um ponto no Ideb, mas a que estava pior cresceu mais percentualmente. Por isso, esse mecanismo também consiste em uma política de promoção da equidade”, diz o deputado. O secretário Risolia é contra o instrumento. “O incentivo tinha que ser dado para os projetos estruturados. Pela realidade que o país tem hoje, você corre o risco de mandar recursos para uma escola e não saber se vão ser usados de maneira adequada”, observa. 
 
Por outro lado, Marques critica o estabelecimento de um ranking das escolas. “O sistema de ranking não existe para alimentar o coletivo, mas para destacar as diferenças. Uma escola que se destaca positivamente merece ser premiada por isso, mas o que acontece com as que continuam nas piores colocações por dois, três períodos consecutivos? Na lógica mercadológica que orienta esse sistema, o dinheiro alocado nessas com índices ruins pode ser considerado um desperdício. Então, de que vale manter a escola? Esse foi um dos argumentos utilizados pelo Governo do Estado do Rio de Janeiro para dar fim a várias escolas que funcionavam no turno da noite”, lembra.
 
Segundo Louzano, a qualidade e a equidade de nosso sistema educacional não têm acompanhado o desenvolvimento econômico. “Apesar de algumas melhorias no acesso a educação no Brasil, seus resultados ainda são pífios em relação aos países aos quais nos comparamos economicamente, e as diferenças nas oportunidades educacionais de ricos e pobres são grandes. Não temos uma educação justa”, lamenta.

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