14/11/2013 - 19:22

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Para Clóvis de Barros, mídia deveria assumir suas posições ideológicas

14/11/2013 - 19:22

Para Clóvis de Barros, mídia deveria assumir suas posições ideológicas

Dono de poder retórico que costuma conjugar com tiradas de humor, o bacharel em Direito, jornalista e doutor em Ciências da Comunicação Clóvis de Barros Filho tem apontado, em conferências pelo país e nas aulas de Ética na Universidade de São Paulo, a necessidade de regulação e controle social da mídia para evitar abusos.
 
Para ele, "a omissão de notícias sobre a ação abusiva do Estado" nos protestos das ruas e "a tentativa de abafar os escândalos de corrupção dos partidos que a imprensa apoia", mesmo quando a população os repudia, mostram a crise que o jornalismo está enfrentando. Recentemente, o vídeo com a participação do professor no Programa do Jô alcançou mais de 300 mil compartilhamentos nas redes sociais.

MARCELO MOUTINHO E PATRÍCIA NOLASCO
 
Em texto recente no Espaço Ética, sobre as manifestações das ruas, o senhor disse que, pelos olhos da internet, os anos de censura e repressão pós 1964 ainda não terminaram para o jornalismo impresso e televisivo, que continuaria sensível aos "interesses da direita neoliberal" que o sustentam. A chamada mídia tradicional não trata a notícia com objetividade?

Nenhuma mídia trata  a notícia com objetividade, isso se estende para as mídias de direita, esquerda, centrista ou qualquer outra que exista. No meu livro Ética na Comunicação, publicado em 1995 e editado pela Summus, mostrei que não existe objetividade na comunicação. Todo relato sobre o mundo, independentemente do seu porta-voz, será parcial e tendencioso.
 
A objetividade pressupõe uma capacidade divina de onisciência que nenhum ser humano, especialmente os jornalistas, possui. A minha crítica em relação à mídia tradicional está no fato de ela pregar a "imparcialidade" e de defender "os interesses do país" sem especificar que o país em questão é o da elite.
 
A omissão de notícias referentes ao uso abusivo da força pelo Estado nos protestos e a tentativa de abafar os escândalos de corrupção dos partidos que a imprensa apoia, mesmo perante manifestações públicas de repúdio por parte da população, mostram como o atual jornalismo está enfrentando uma séria crise.

Com as diversas fontes de informação e transmissão via internet, os cidadãos têm como avaliar a credibilidade do que leem? Nas últimas manifestações, multiplicou-se pelas redes sociais a notícia de que uma mulher havia morrido nos confrontos no centro do Rio, o que se mostrou fato inexistente. Como propor a discussão ética na disseminação de notícias por fontes não profissionais?

Divulgar fatos inexistentes não é privilégio da mídia alternativa. Quem se lembra do caso da Escola Base, no qual o jornalismo da Rede Globo acusou os donos de uma escola infantil de abuso sexual de menores, sabe que erros deste tipo são comuns. A disseminação de notícias é uma faca de dois gumes. Ajuda na discussão democrática sobre os problemas sociais, mas pode ser utilizada para prejudicar certos grupos sociais - isso é visível em épocas de eleição. Só podemos resolver esse problema com um trabalho de educação do leitor para o uso consciente das mídias.
 
Que premissas éticas devem, no seu entender, nortear o trabalho da mídia em geral?
É preciso ser honesto quanto às posições ideológicas dos donos dos meios de comunicação e de seus jornalistas. Deixar claros os interesses políticos de quem escreve as matérias ajuda o leitor a ter cautela.
 
Nas recentes manifestações, a chamada mídia alternativa tentou fazer um contraponto à cobertura jornalística das grandes redes. Até que ponto o componente ideológico influencia na cobertura, tanto da mídia tradicional, quanto da mídia alternativa?
 
O componente ideológico nos meios de comunicação sempre existiu. Seja com os iluministas no Século 17, que publicaram o primeiro jornal impresso, seja com a mídia neoliberal que temos hoje. O problema aqui é de outra natureza. Estamos falando de honestidade, de deixar claro o ponto de vista de quem comunica.
 
O Mídia Ninja, por exemplo, deixa clara sua posição de esquerda engajada nos movimentos sociais. Eles noticiaram fatos importantíssimos que aconteciam nas ruas e que a imprensa dominante decidiu omitir por questões econômicas e políticas. O problema é que quando um jornalista ou meio de comunicação importante se pronuncia sobre um assunto, costuma enquadrar a notícia como "objetiva", "verídica" ou "legítima". Porém, quando uma outra mídia se contrapõe é vista como tendenciosa, o que é errado.

A  democratização dos meios de comunicação é uma discussão cada vez mais presente. O senhor crê na necessidade de algum tipo de controle social da mídia, como defendem alguns?
 
A democratização dos meios de comunicação é necessária. Primeiro porque o espectro pelo qual circula a radiodifusão é um bem público, escasso e finito, que como qualquer concessão pública deve ser regulado pelo Estado. Segundo, porque há um monopólio de famílias que controlam a mídia e que herdamos da ditadura militar. Precisamos de um controle social dos meios de comunicação para evitar abusos. Apesar de ser uma medida legítima, pois protegeria a honra e dignidade de qualquer cidadão atingido injustamente pela mídia, as empresas de comunicação tentam associar esse controle à censura, deturpando seu sentido.
 
Os países democráticos da União Europeia, os Estados Unidos e o Canadá fazem esse controle rígido com sucesso. Por que o Brasil não poderia dar aos seus cidadãos esses mesmos direitos de proteção? 
 
 
Versão online da Tribuna do Advogado.
 

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