03/08/2018 - 21:03

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PEC do trabalho escravo: Deputados lutam para mobilizar governo e sociedade pela aprovação

03/08/2018 - 21:03

PEC do trabalho escravo: Deputados lutam para mobilizar governo e sociedade pela aprovação

Emenda prevê expropriação de propriedades onde haja trabalhadores em situação degradante

PATRÍCIA NOLASCO

Engavetada desde 2004, após passar pelo Senado Federal e de ter sido aprovada em primeiro turno na Câmara dos Deputados, continua à espera da segunda votação a Proposta de Emenda Constitucional 438, que prevê confisco de propriedade onde sejam encontrados trabalhadores em condições análogas à da escravidão.

Dezesseis requerimentos para inclusão na Ordem do Dia foram listados na tramitação da chamada PEC do trabalho escravo, assinados por diversos parlamentares. Os primeiros cinco foram arquivados, com a proposta, ao final da legislatura passada. Após o desarquivamento, este ano, mais 11 foram apresentados, o último datado de 23 de agosto.

Segundo o deputado Domingos Dutra (PT/MA), que preside a Frente Parlamentar pela Erradicação do Trabalho Escravo, quem impede a votação da matéria é o “funil do Colégio de Líderes, com vínculos na bancada ruralista”. A PEC 438 deveria finalmente ir a plenário no final de setembro, mas Dutra, que tenta audiência com a presidente Dilma Rousseff para pedir o apoio do governo, soube que foi novamente retirada da pauta.

“Se o governo não assumir e entrar na briga pela aprovação da PEC, podemos perder, porque há muita pressão inclusive de grandes grupos econômicos que vêm se utilizando dessa mão de obra também nas áreas urbanas”, afirma, preocupado, o deputado petista, lembrando que serão necessários os votos de 3/5 da Casa.

A PEC 438 dá nova redação ao artigo 243 da Constituição Federal, que trata do confisco de propriedades em que forem encontradas lavouras de plantas psicotrópicas ilegais. A proposta estende a expropriação (sem direito a indenização) para áreas onde seja explorada mão de obra em condições análogas à escravidão e define que as propriedades e os bens confiscados serão destinados ao assentamento de famílias como parte do programa de reforma agrária.

Integrante da bancada ruralista, o vice-líder do PR, deputado Homero Pereira (MT), diz que o grande problema da PEC é “a insegurança jurídica, pela falta de uma definição precisa do que é trabalho em condições análogas à escravidão”. O parlamentar observa que, como os demais, é, “logicamente, contrário ao trabalho escravo”. Mas deixa claro que, com a atual redação, a PEC será rejeitada pelos ruralistas.

“Sem uma definição, ficamos à mercê do fiscal do Ministério do Trabalho, que pode considerar que transportar o trabalhador num caminhão, em vez de num ônibus fechado, ou não dispor de um banheiro azulejado, é submeter o trabalhador a condições de escravidão”, argumenta. Na opinião de Pereira, “no intuito de fazer o excelente”, o Parlamento está “deixando de fazer o bom”. A lei, segundo ele, precisa estar adaptada à realidade do campo e não deve ser abrangente demais, sob risco de ficar emperrada. “Para mim, escravidão é manter o trabalhador sob guarda armada, confinado, sem receber salário regular. Isso é muito diferente de prática de irregularidade trabalhista”, defende.

Anualmente, têm sido resgatados, em média, quatro mil trabalhadores encontrados em situação análoga à escravidão, com jornadas de trabalho de até 16 horas, em alojamentos improvisados, às vezes sem água potável e, em muitos casos, sem carteira de trabalho assinada. Em 2010, segundo dados do Ministério Público do Trabalho (MPT), o Sudeste — o Rio de Janeiro em primeiro lugar — assumiu a liderança do ranking, com 1,3 mil trabalhadores resgatados.

No município de Campos, o maior número deles, 521 encontrados em uma empresa de beneficiamento de cana de açúcar. No mês passado, uma operação do MPT com a Polícia Federal encontrou 32 trabalhadores em situação precária na Cutrale, em Itatinga (SP). A empresa é uma das maiores produtoras de suco de laranja do mundo. Confecções da cadeia produtiva de grandes marcas, como Zara e Pernambucanas, foram flagradas explorando mão de obra clandestina.

Para o presidente da OAB/RJ, Wadih Damous, “é inadmissível que, em pleno século 21, ainda haja resquícios de escravidão no âmbito das relações de trabalho”. A PEC 438, segundo ele, já deveria ter sido aprovada há muito tempo. “Esta é outra mazela legislativa braslieira. Se quiser prestar relevantes serviços à cidadania brasileira a Câmara deve, o quanto antes, votar e aprovar a proposta”.

O deputado federal Alessandro Molon (PT/RJ), também integrante da frente parlamentar que luta pela aprovação da PEC, destaca o trabalho de mobilização da sociedade civil para pressionar os deputados a aprovarem a emenda, além do aval do governo. “A PEC já conta com o apoio dos ministros da Justiça e dos Direitos Humanos, José Eduardo Cardozo e Maria do Rosário, importantes aliados”, diz Molon. “Pela reincidência que se percebe na prática deste crime, fica claro que é necessário tomar medidas mais duras”, e o Brasil, “o último país a abolir a escravidão, deve à sociedade a severidade contra aqueles que exploram mão de obra escrava”, afirma

Maria do Rosário reitera que a aprovação da PEC é prioridade para o governo federal e diz que, nesse sentido, tem trabalhado para convencer o Legislativo, em audiências públicas e reuniões com líderes partidários e o presidente da Câmara, Marco Maia. “Esperamos que a PEC seja votada ainda esse ano”, salienta. Sobre os recentes flagrantes em confecções em São Paulo, ela acha que a sensação de aumento das violações dos direitos humanos se deve a “uma maior atenção da sociedade brasileira para o tema do trabalho escravo, tanto rural quanto urbano”. No setor têxtil, acrescenta, “a situação é agravada por envolver imigrantes e tráfico de pessoas”.


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