06/08/2013 - 17:06

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PEC que permite a associações religiosas propor Adin provoca debate sobre laicidade do Estado

06/08/2013 - 17:06

PEC que permite a associações religiosas propor Adin provoca debate sobre laicidade do Estado

VITOR FRAGA
 
A Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 99/2011, cujo objetivo é “permitir a associações religiosas em âmbito nacional a proposição de ação de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade de leis ou atos normativos” ao Supremo Tribunal Federal (STF), tem gerado polêmica desde que foi apresentada ao Legislativo. Há quem defenda que se trata de uma ampliação democrática do artigo 103 da Constituição Federal. De outro lado, parlamentares e juristas criticam o que consideram interferência religiosa no Estado laico.
 
Secretário-geral da OAB Nacional e conselheiro federal pelo Rio de Janeiro, o constitucionalista Cláudio Pereira de Souza Neto é favorável à proposta. “As representações religiosas têm o direito de levar ao STF pedido de impugnação de leis que considerem inconstitucionais. Não há problema se a impugnação acontecer por motivos religiosos. O julgamento é que não pode ter critérios religiosos, e sim critérios imparciais, laicos e republicanos” afirma. 
 
Na opinião de Cláudio, a motivação religiosa na proposição de ações é legítima. “A reprodução humana, o aborto, são todas questões controversas que perpassam credos religiosos e as associações devem ter a possibilidade de questioná-las. Achar que a apresentação da impugnação de uma lei por parte de uma representação religiosa significa interferência no Estado laico é desconhecimento. As religiões fazem parte da sociedade. Os argumentos para mudanças na legislação só serão atendidos se traduzirem-se em um argumento amplo”, reitera.
 
Já para o professor de Direito Constitucional da Uerj e procurador regional da República Daniel Sarmento, a proposição é inconstitucional. “A PEC cria discriminação entre entidades religiosas e não religiosas, de modo a favorecer as primeiras, o que não se compatibiliza com o princípio da laicidade estatal, que preconiza a neutralidade do Estado em matéria de religião”, critica Sarmento. 
 
O deputado federal Jean Wyllys (PSOL/RJ) reforça a tese de que a PEC é contrária ao Estado laico. “Quem tem o direito constitucional de questionar decisões são instituições com representação democrática, que de fato representem uma parcela da população, o que não é o caso de uma igreja, que, apesar de ter seus fiéis, não os representa politicamente. Em um Estado laico, o dogma religioso não é parâmetro para ditar a vida de todos. O que esta PEC propõe é um retrocesso neste ponto”, pondera o deputado. Segundo ele, é preciso questionar o interesse da proposta. “A resposta é óbvia: barrar ou tentar protelar qualquer decisão afirmativa de direitos a grupos historicamente difamados, como os adeptos das religiões de matriz africana e os LGBTs, assim como o avanço da luta das mulheres pelo direito ao seu próprio corpo”, destaca Wyllys.
 
O autor da proposta, deputado federal João Campos (PSDB/GO), diz que as críticas demonstram desconhecimento sobre a proposta e quanto ao que seja Estado laico. “Ampliar a relação de quem pode postular no STF para que exerça o controle concentrado de constitucionalidades, obedecendo ao regramento já estabelecido, é um avanço e caminha na consolidação do Estado de Direito no regime democrático. O Estado laico não veda a crença. Ao contrário, é garantidor da pluralidade de crenças e cultos e até de quem se diz ateu. Portanto, a laicidade é um dos elementos do Estado democrático. No caso concreto, onde é que se configura a intervenção religiosa no Estado?”, questiona.
 
Outra questão levantada por Daniel Sarmento é que, da forma como foi apresentada, a proposta favoreceria entidades religiosas cujas características facilitam a organização em âmbito nacional, tais como “entidades cristãs”, ao contrário “das que representam religiões de matriz afro-brasileira”. Jean Wyllys corrobora: “Quantas religiões têm, de fato, representação nacional? A proposta exclui de imediato as religiões africanas, que hoje são, inclusive, impedidas em suas atividades por grupos fundamentalistas. E as religiões indígenas, há séculos desconstruídas pelas mesmas religiões com representação nacional, e que hoje são vítimas da omissão do Estado em proteger seu patrimônio?”. 
Entre as associações religiosas que seriam beneficiadas pela PEC estão a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, a Convenção Geral das Assembléias de Deus no Brasil e a Convenção Batista Nacional. Aprovada na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC) no dia 27 de março deste ano, a PEC tramita em Comissão Especial e, após análise, seguirá para votação em dois turnos no plenário da Câmara.
 

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