06/08/2013 - 16:18

COMPARTILHE

Advocacia precisa atuar contra a violência policial

06/08/2013 - 16:18

Advocacia precisa atuar contra a violência policial

Luciano Bandeira*

Nossa sociedade aceita, com sensação de normalidade, uma polícia que gerou entre 2001 e 2011 aproximadamente dez mil autos de resistência. Da mesma forma, lemos, sem que o senso médio da população se indigne, que uma operação policial recente gerou 13 mortos, mas “apenas três não eram bandidos”. A eliminação industrial de “bandidos”, mesmo quando essa qualidade é estabelecida pelo próprio algoz, não leva praticamente ninguém a ponderar se esse processo é democrático, ou, antes disso, civilizatório. Isso ocorre porque as vítimas desumanizadas nesse processo são, em sua imensa maioria, jovens entre 15 e 23 anos, negros ou mulatos, pobres e que moram em zonas carentes. São invisíveis para a sociedade, assim como os que choram por eles.
 
Parece contraditório afirmar que um Estado que vive um processo de aprofundamento democrático produza desaparecidos. Sempre que utilizamos esse adjetivo, o imaginário faz a relação imediata com a eliminação sistemática de opositores políticos imposta pelo terror ditatorial do nosso passado recente. Contudo, essa expressão se adequa aos mortos “invisíveis” da barbárie policial despejada nas comunidades carentes dos nossos centros urbanos.
 
Agora, quando o país passa por uma convulsão jovem, reprimida muitas vezes com excesso pelo nosso sistema militarizado de segurança pública, observamos um burburinho de indignação. Certamente porque, agora, as vítimas da truculência de uma polícia forjada para o arbítrio e o controle social são jovens quase sempre brancos e pertencentes às classes com acesso aos direitos civis básicos. Realmente, é inaceitável ver um manifestante ser alvo de balas de borracha simplesmente porque protesta. Contudo, a indignação social gerada pela repressão aos manifestantes contrasta com o absoluto silêncio cotidiano quanto aos “crimes” praticados pela polícia do Rio de Janeiro contra os jovens das classes periféricas, quando a bala que sai dos canos das armas não é de borracha.
 
Da mesma forma que disparar bala de borracha contra um manifestante que extravasa a sua indignação não é aceitável, não é plausível que um país democrático produza mais de dez mil autos de resistência em apenas uma década. Igualmente, não é um processo compatível com uma sociedade democrática que pessoas sejam atingidas de forma indiscriminada por “balas perdidas” e tratadas como dano colateral do combate “firme” à criminalidade. Uma sociedade democrática não pode aceitar, de forma alguma, que a morte seja uma consequência natural da ação policial, seja a vítima quem for.
 
Este é o ponto central. Enquanto não tratarmos de modo igual as vítimas da violência policial, nunca teremos uma sociedade que mereça ser chamada de democrática, ainda que vivamos em um sistema político democrático.
 
Por isso devemos discutir de uma vez por todas qual é o estágio civilizatório que queremos atingir como sociedade. Não podemos tratar como um fato trivial a quantidade absurda de óbitos decorrentes do “confronto” policial com a “criminalidade”. Os números que temos neste estado são muito superiores aos de zonas de guerra. Cabe, portanto, indagar por que um policial que registra um auto de resistência volta para sua ronda normal sem que ocorra uma rígida apuração desse registro. Vale também questionar por que o Ministério Público não busca apurar de forma profunda esse histórico absurdo de autos de resistência. Quando queremos melhores serviços públicos, que abrangem principalmente os direitos denominados de segunda geração, como saúde, educação, é imperioso que os direitos de primeira geração, os civis, estejam indistintamente ao alcance todos os cidadãos.
 
A OAB, nesse contexto, deve funcionar como um elemento indutor desse debate, não apenas discutindo a questão, mas tomando atitudes práticas. A advocacia deve questionar e atuar para que a violência policial passe a ser um foco de preocupação permanente do processo de aperfeiçoamento civilizatório. Aceitar que grande parcela da população esteja socialmente sujeita a “desaparecer” sob a rubrica “auto de resistência” se assemelha à passividade deste país em relação aos inquéritos policiais militares (IPMs) produzidos pelo aparato de repressão durante a ditadura. Nesse particular, a OAB demonstrou, durante a repressão às manifestações populares das últimas semanas, como a advocacia pode ter ações práticas para resistir ao arbítrio e à injustiça.
 
*Tesoureiro da  OAB/RJ
 
 

Abrir WhatsApp