10/04/2013 - 16:37

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‘Quando a maioria se excede, compete ao STF impor limites’, diz Barroso

10/04/2013 - 16:37

‘Quando a maioria se excede, compete ao STF impor limites’, diz Barroso

Procurador do Estado do Rio de Janeiro na Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) apresentada contra a lei que mudou as regras de distribuição dos royalties do petróleo, o constitucionalista Luís Roberto Barroso explica, nesta entrevista à Tribuna do Advogado, por que está confiante numa decisão favorável do Supremo Tribunal Federal (STF).
 
Quais são os argumentos centrais na ADI contra as mudanças na Lei dos Royalties?
O primeiro é: de acordo com o artigo 20, parágrafo 1º da Constituição, royalties são uma compensação financeira devida aos estados produtores. A lei questionada, ao destinar mais de 50% dos royalties aos não produtores, deu a eles uma finalidade redistributiva de renda, e não compensatória, em violação ao texto constitucional. Em segundo lugar, na Constituição de 1988, firmou-se um acordo pelo qual os estados produtores abriam mão da cobrança de ICMS sobre as operações envolvendo petróleo, em trocas dos royalties. Portanto, retirar os royalties sem devolver o ICMS é uma deslealdade federativa e uma violação do pacto federativo originário celebrado em 1988. Por fim, viola inúmeros princípios de Direito a aplicação retroativa da nova lei para afetar situações já constituídas sob o regime da lei anterior.
 
A imprensa tem veiculado sua opinião no sentido de que não há argumentos jurídicos sólidos dos estados não produtores para sustentar a constitucionalidade da lei. Isso quer dizer que está confiante numa decisão favorável do STF?
Política é política, Direito é Direito. Embora haja eventuais superposições, são domínios diferentes. Na política, prevalece a vontade da maioria. No Direito, prevalece a vontade da Constituição. As maiorias podem muito, mas têm limites, que são precisamente os que são estabelecidos pelas normas constitucionais. No caso dos royalties, o direito dos estados produtores é claríssimo. O STF não é um tribunal imune à política, mas ele é predominantemente técnico. De modo que minha expectativa é de uma decisão positiva, o que significa, em última análise, uma decisão justa.
 
Os governos de estados não produtores parecem dispostos a buscar uma solução negociada que permitiria a manutenção das regras para os contratos firmados. O Rio estaria aberto a essa negociação ou a questão será mesmo decidida no STF?
Quem toma decisões políticas em nome do estado é o governador. Minha contribuição é essencialmente técnica. O que posso dizer é que quando a presidente Dilma vetou a aplicação retroativa da lei - que, portanto, somente se aplicaria aos novos contratos - o governador não sinalizou a propositura de uma ação. O Rio é solidário com as dificuldades dos outros estados. Apenas não quer ser afetado nos seus direitos fundamentais.
 
E se a alteração na distribuição dos royalties vier a ser feita por meio de emenda constitucional?
Uma emenda constitucional somente serviria para superar a primeira das teses do Estado do Rio de Janeiro. De fato, poderia ela mudar o artigo 20, parágrafo 1º da Constituição, para retirar a referência a "compensação financeira" aos estados produtores, prevendo que os royalties tenham uma destinação livre ou redistributiva.
 
Os outros dois argumentos, todavia, não são abalados por uma emenda constitucional. Em relação a eles, ela seria tão inválida quanto a lei ordinária que o STF suspendeu. No tocante à aplicação retroativa, para colher contratos anteriores, a maior parte dos autores (eu inclusive) e a jurisprudência consolidada do STF é no sentido de que, tal como a lei ordinária, tampouco emenda constitucional pode retroagir.
 
No que diz respeito à mudança do pacto federativo originário - o que ocorreria se os royalties fossem retirados, sem a devolução do ICMS -, a emenda enfrentaria igualmente objeção. É que a Constituição estabelece que a Federação é uma cláusula pétrea, não se admitindo qualquer emenda tendente a aboli-la.
 
Alguns parlamentares têm utilizado o argumento de que a maioria do Congresso tomou uma decisão e que o STF não deveria interferir nela. Como vê essa crítica?
Esta é uma questão central na teoria constitucional. O arranjo institucional que vigora no Brasil - e em quase todo o mundo ocidental - é conhecido como constitucionalismo democrático. Constitucionalismo e democracia são conceitos que se justapõem, não se confundem. Democracia significa soberania popular, governo da maioria.
 
Constitucionalismo significa respeito às regras do jogo (Estado de Direito) e aos direitos fundamentais. Isso significa dizer que as maiorias devem governar e que elas podem muito, mas não podem tudo. Devem ceder diante dos limites impostos pela Constituição, que é, precisamente, o documento que contém as regras e define os direitos fundamentais. Inclusive dos estados entre si. Quando a maioria se excede, compete ao STF impor os limites.
 
Versão online da edição de abril da Tribuna do Advogado.

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