16/12/2016 - 13:30

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Supersalários reforçam descontentamento com o Judiciário

16/12/2016 - 13:30

Supersalários reforçam descontentamento com o Judiciário

RENATA LOBACK E NÁDIA MENDES
 
Em 17 de junho de 2016, o Rio de Janeiro decretou estado de calamidade pública, alegando a “grave crise financeira” como motivo. No mesmo mês, a juíza de uma vara cível do Tribunal de Justiça (TJ) recebeu R$ 69 mil de rendimento líquido, mais que o dobro permitido pelo teto constitucional, que atualmente é o salário dos ministros do Supremo Tribunal Federal e está estipulado em R$ 33,7 mil. No site do TJ, a última folha de pagamento disponível para consulta é a de agosto. Nela é possível observar que a maioria dos magistrados auferiu, naquele mês, rendimento líquido acima do teto (849 de um total de 861 juízes e desembargadores). Nenhum deles teve o salário retido por exceder o limite remuneratório constitucional.

O subsídio dos magistrados do TJ está em torno de R$ 29 mil, mas os chamados “penduricalhos”, que incluem as indenizações e as vantagens eventuais, inflam os rendimentos, que mesmo depois dos descontos de Imposto de Renda e previdência pública estouram o teto previsto na Carta.

A reportagem da TRIBUNA analisou as folhas de pagamento entre junho e agosto. Em julho, um único desembargador recebeu vencimentos líquidos acima de R$ 75 mil, em outro caso de pagamento maior que o dobro permitido pelo limite. Em agosto, o vencimento deste mesmo magistrado extrapolou novamente o teto, mas, desta vez, em R$ 5 mil.

Para o presidente da OAB/RJ, Felipe Santa Cruz, a grande questão é que o teto constitucional foi pensado como um limitador para organizar a hierarquia da República. “O ministro do Supremo é o maior salário do Judiciário e o presidente da República, o maior no Executivo. As manobras criaram penduricalhos, indenizações, e acabaram desvirtuando esse teto e diminuindo a transparência. As pessoas sabem qual o valor do teto, mas não sabem, efetivamente, quanto recebe cada um dos magistrados, por exemplo. Isso retira a legitimidade desses atores sociais”, defende.

Segundo Felipe, o ideal seria uma discussão franca com a sociedade sobre toda a hierarquia e organização salarial dos poderes, para que ela de fato seja cumprida. “Não queremos um modelo de remendos que coloca todos em dúvida, inclusive os que ganham algum tipo de indenização justa”, pontua.

O recebimento de rendimentos acima do teto constitucional não está restrito ao Rio de Janeiro e, por isso, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) instituiu um grupo de trabalho para analisar os vencimentos e vantagens e propor mecanismos de transparência e controle dos salários dos magistrados de primeiro e segundo graus do país, em todos os ramos do Judiciário, com exceção da Justiça Eleitoral.

O grupo foi criado pela Corregedoria do CNJ e sua criação, publicada no Diário da Justiça em 23 de novembro. Procurado pela reportagem da TRIBUNA, o orgão informou que não faria declarações antes da conclusão dos trabalhos, com a intenção de ter um conhecimento real da situação no país antes de emitir opinião.
 
Segundo o presidente da Comissão de Prerrogativas e tesoureiro da OAB/RJ, Luciano Bandeira, mesmo que todos os penduricalhos não sejam considerados ilegais, já que estão previstos em lei, é imoral que os magistrados estejam recebendo vencimentos acima do limite. “O teto precisa ser respeitado. A lei tem que ser cumprida. Quando o rendimento passa do teto, é preciso que se adeque ao que a lei determina”, defende.

Para dar uma solução ao problema dos salários de funcionários dos Três Poderes que superam o teto constitucional, o Senado também criou uma comissão. O colegiado é presidido por Otto Alencar (PSD/BA) e tem como relatora Kátia Abreu (PMDB/TO). 

A esperança da comissão era de que o STF dirimisse algumas dúvidas sobre os benefícios extrateto. No entanto, na pauta de votação do Supremo divulgada até o final de 2016 não foram incluídos esses pontos.  Para debater o tema, além de reuniões entre os integrantes da comissão, que tiveram a participação de membros do Judiciário, o grupo do Senado convocou uma audiência pública, no dia 6 de dezembro, com a presença de entidades representativas dos servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário.

Kátia Abreu defende que a questão seja tratada com responsabilidade pelo Senado: “Não vamos ficar à espera do Supremo e nem aguardar a Câmara votar os projetos de lei que já tramitam naquela casa. No entanto, o deputado Rodrigo Maia [presidente da Câmara dos Deputados] prometeu a indicação de dois relatores para auxiliar a comissão na elaboração de um projeto de lei ou Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que possa ser votado nas duas casas. A nossa ideia é votar o relatório em plenário antes do recesso”.

Para destacar a complexidade da questão, a senadora explica que apesar de os excessos salariais serem inconstitucionais, muitos estão embasados por normas e leis. “No caso do auxílio-alimentação, há uma regulamentação no CNJ sobre o tema. Já o auxílio-moradia, que teve efeito cascata no país, baseia-se em uma liminar do STF, de autoria do ministro Luiz Fux, pela qual fica estabelecido que este tipo de benefício é extrateto. Outra exorbitância constitucional, mas também embasada pela legislação, é o artigo 5º da Lei 13.093/2015, que concede gratificação por exercício cumulativo de jurisdição. Este é o benefício que me parece um dos mais absurdos. Por ele, se um magistrado consegue analisar mais processos do que a meta pré-estabelecida, ele automaticamente recebe uma gratificação. Consultado pela nossa comissão, o ministro Gilmar Mendes classificou esta como uma das mais imprudentes e nocivas leis”, detalha Abreu.

Reforçando a importância do cumprimento do teto salarial, ela afirma que de 2011 a 2016, apenas com a obediência do teto no Executivo, houve uma economia de R$ 416 milhões para o país. “Neste momento de crise econômica, a sociedade espera uma resposta imediata sobre essas questões”, frisa.

Um levantamento da rádio CBN, feito com base nos rendimentos líquidos dos magistrados nos oito primeiros meses deste ano, mostra que o somatório do valor que excedeu o limite do teto constitucional, pago entre janeiro e agosto, é de R$ 10,6 milhões. Ainda segundo a emissora, apenas esse valor excedente seria o suficiente para o pagamento de dois meses do Aluguel Social no Rio de Janeiro.

Procuradas pela TRIBUNA para comentar o assunto, a Corregedoria do Tribunal de Justiça e a Associação de Magistrados do Rio de Janeiro (Amaerj) não se manifestaram até o fechamento desta edição. Já a assessoria de imprensa do TJ afirmou que qualquer informação neste sentido deveria ser obtida com base na Lei de Acesso à Informação. Não foi explicado, no entanto, o motivo de o corte do teto não ser aplicado aos salários que ultrapassam este limite, apesar de haver previsão legal. 

Embora não tenha respondido à TRIBUNA, a Amaerj, assim como o TJ, manifestou-se publicamente por meio de nota oficial. Segundo a Amaerj, todos os benefícios recebidos por magistrados e servidores são rigorosamente legais.  “É importante esclarecer que os auxílios são eventuais, condicionados a regras, à situação específica de cada magistrado e não integram os salários”, destaca.

O Tribunal de Justiça informou que o teto remuneratório é estabelecido pela Constituição Federal e pelas resoluções editadas pelo CNJ. “Os valores pretensamente percebidos além do teto do STF correspondem a débitos atrasados e acumulados pelo estado, obedecendo a decisões do STF, do STJ e a leis federais e estaduais”, afirma o texto.

Apesar de estarem em pauta agora, os supersalários não são assunto novo. Em 2012, uma equipe do CNJ inspecionou o Tribunal de Justiça do Rio para analisar o excessivo número de salários acima do teto constitucional. Na ocasião, a média salarial de desembargadores era de R$ 57 mil e de juízes de primeira instância, de R$ 41 mil. O salário-base dos ministros do STF, na época, totalizava R$ 27 mil.

Indenizações: 
  • auxílio de alimentação, 
  • auxílio de moradia
  • auxílio de educação
  • ajuda de custo para transporte e mudança
  • indenização de transporte
  • indenização por dias de compensação de plantão não usufruídos

Vantagens eventuais  gratificações de férias 
  • gratificação hora-aula
  • abono permanência  
  • parcela autônoma de equivalência  
  • pecúnia (férias e licença especial)  
  • décimo terceiro acumulação  
  • auxílio e antecipação de 50% do décimo terceiro salário 
  • substituição de cargo efetivo e diferença de entrância
     

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