13/01/2014 - 10:38

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‘O STF é um tribunal soterrado por miudezas’, diz Barroso

13/01/2014 - 10:38

‘O STF é um tribunal soterrado por miudezas’, diz Barroso

Desde que deixou a advocacia e assumiu como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), em agosto de 2013, Luís Roberto Barroso vem se deparando com as novas exigências da função. A contenção nos debates públicos de ideias foi autoimposta, e é preciso lidar com uma miríade de temas, não sendo mais possível escolher as causas.
 
Para um problema, o imenso volume de processos que atravanca a prestação jurisdicional, pensa em sugestões. Uma delas, mudar o sistema de repercussão geral para que o STF só admita processos em número que possa julgar naquele ano. Outra, reduzir as competências por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado, criando-se duas varas federais especializadas para apreciar estes casos.
 
Nesses meses de Supremo, o que mudou na sua vida na passagem da advocacia para a magistratura?

Destaco três mudanças. A primeira: como advogado, eu escolhia a minha agenda, decidia os casos nos quais queria atuar. Como ministro, tenho que lidar com tudo o que chega, mesmo que não me pareça prioritário ou que não guarde relação com os temas que sempre estudei. É uma mudança e tanto. A segunda: já não posso participar com a mesma liberdade do debate público de ideias. A posição de juiz me impõe limitações e deveres de autocontenção. A terceira: eu sempre fui advogado. Este era o meu ponto de observação da vida e por vezes isso me causa certo desconforto no exercício das competências penais do STF. E há uma sobrecarga de matérias penais no tribunal.

Tendo a política como gênero de primeira necessidade em uma democracia, o senhor saudou as primeiras manifestações, pacíficas, nas ruas. O que pensa sobre a violência que veio depois e as leis criadas especificamente para coibir atos de vandalismo?

Como disse, eu gosto do debate público. Acho que ele está na essência da democracia deliberativa, que é o modelo ideal. Um modelo em que a participação política não se limita às eleições, mas a uma efetiva e saudável discussão permanente de ideias. As manifestações populares são um capítulo importante do debate público, necessárias, sobretudo, quando um dos lados não está sendo capaz de escutar e de entender o outro. A manifestação é um grito de quem não estava sendo ouvido.
 
Acho que o que ocorre no Brasil é o seguinte: a sociedade passou a ter mais consciência dos seus direitos, tornou-se mais exigente e as instituições públicas não têm sido capazes de atender a todas as demandas dessa sociedade. Demandas por justiça, por serviços públicos de qualidade, por ética na política. A violência, porém, não é uma forma de debater. Pelo contrário, é o oposto disso: só há violência onde não há interlocução. Acho que o vandalismo, em alguma medida, foi plantado por quem não quer melhorar nem mudar.

Recentemente, o senhor disse que seria preciso fazer uma revolução no modo de o Supremo atuar, tal o volume e a diversidade do trabalho, além de questões que não deveriam estar na mais alta corte do país. Como se daria isto?
 
O STF é um tribunal soterrado por um enorme varejo de miudezas. O oposto do que uma corte constitucional deve ser. Os gabinetes são linhas de produção industrial e o plenário é por vezes disfuncional. As pautas são apresentadas de última hora, os votos são mais longos do que precisavam ser e muitas matérias jamais deveriam estar lá.
 
A repercussão geral tornou-se um problema, pois ao sobrestar os processos na origem, acabou atravancando a prestação de justiça. Precisamos de ideias originais e criativas. É preciso pensar a vida fora da caixa. Algumas sugestões que tenho compartilhado:
 
(i) mudar completamente o sistema de repercussão geral para que o tribunal só admita processos em número que possa julgar naquele ano. Não adianta ficar acumulando processos para julgá-los com dez anos de atraso, o que às vezes cria mais problemas novos do que soluções;
 
(ii) reduzir drasticamente as competências por prerrogativa de função, o chamado foro privilegiado;
 
(iii) transferir para as turmas inúmeras competências do plenário, pois as turmas têm uma dinâmica muito mais ágil;
 
(iv) racionalizar o tempo de intervenção de cada ministro durante as sessões do plenário;
 
(v) o relator circular os votos antes da sessão de julgamento;
 
(vi) potencializar o uso do chamado plenário virtual, ao qual, em contrapartida, poderia ser dada maior visibilidade pública. Por exemplo: os agravos regimentais contra decisões monocráticas proferidas em recurso extraordinário quase sempre envolvem a manutenção de jurisprudência do tribunal. Isso poderia ser decidido ordinariamente no plenário virtual.

O senhor pretende apresentar suas propostas?
 
Muitos ministros compartilham este sentimento de mudança. Entre os mais novos, converso com frequência com Luiz Fux e Teori Zavaski. Estamos tentando tabular alguns consensos para propor mudanças ao tribunal.

Existem pelo menos duas propostas de emenda constitucional para reduzir ou extinguir o foro por prerrogativa de função, mas não há acordo no Congresso para votá-las. O senhor defendeu a redução dos cargos abrangidos no privilégio e criação de duas varas federais de primeiro grau especializadas que concentrariam as ações contra autoridades que hoje têm foro privilegiado. Como poderia ser encaminhada sua sugestão?

Em uma democracia representativa, as mudanças, como regra, devem vir do processo político majoritário, isto é, do Congresso Nacional. Os parlamentos, porém, têm enfrentado uma crise de funcionalidade em todo o mundo, dada a complexidade das questões e a dificuldade de se onstruírem consensos estáveis. No Brasil, parte desses entraves é agravada por um sistema político extremamente problemático, o que tem sido reconhecido pela quase integralidade dos próprios parlamentares. 
 
Há avanços que podem e devem ser feitos pelos tribunais, porque envolvem a proteção ou a negativa de proteção a direitos fundamentais. Penso que foi o que ocorreu em matérias como uniões homoafetivas, anencefalia, extinção do nepotismo, fidelidade partidária. Mas outros avanços dependem necessariamente do jogo político democrático. E a limitação do foro por prerrogativa de função está nessa categoria, porque depende de emenda constitucional.
 
Minha ideia é a seguinte. Criar duas varas federais em Brasília: uma com competência para julgar ações penais contra parlamentares e outras autoridades; e outra para julgar ações de improbidade contra as mesmas autoridades. O juiz titular de cada uma dessas varas seria escolhido pelo STF. Ele lá ficaria por cerca de quatro anos, ao final dos quais seria automaticamente promovido para o Tribunal Regional Federal da sua região. Assim, ficaria livre de qualquer contágio político.
 
Pela mesma razão, não poderia ir para tribunal superior. As varas teriam um juiz titular e quantos juízes auxiliares fossem necessários. Da decisão proferida pelo juízo dessas varas, caberia recurso ordinário para o Supremo Tribunal Federal. Assim, o STF não perderia a competência para dar a palavra final, mas deixaria de exercer a instrução processual, atividade para a qual não tem vocação nem estrutura. Claro que esse é um formato básico, que poderia ser refinado no debate público.
 
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