13/12/2013 - 16:11

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Ordem não recebe informações dos órgãos de segurança e quer audiências com autoridades

13/12/2013 - 16:11

Ordem não recebe informações dos órgãos de segurança e quer audiências com autoridades

VITOR FRAGA
 
Desde outubro, a OAB/RJ aguarda, sem sucesso, informações solicitadas aos órgãos ligados à segurança pública do Rio de Janeiro sobre pessoas mortas ou desaparecidas em confronto com as forças policiais. A proposta de montar um banco de dados sobre esses casos é parte da campanha Desaparecidos da democracia, lançada em agosto. Diante disso, a Ordem decidiu pedir às autoridades da área o agendamento de encontros nos quais pretende reforçar a intenção da entidade de participar de um plano de reestruturação do setor.
 
Segundo o tesoureiro da Seccional, Luciano Bandeira, que coordena o comitê executivo da campanha, as propostas da OAB/RJ não são contra a polícia. “Ao contrário, entendemos que irá ajudar na valorização dos policiais. Queremos contribuir com a criação de protocolos e procedimentos que gerem mais confiança da sociedade nos aparatos de segurança. Precisamos de uma estrutura compatível com o atual momento e que represente nosso avanço como sociedade. Vivemos o mais longo período de democracia contínua no país, mas temos que consolidar essa democracia que ainda busca maturidade. Conhecer e reconhecer os nossos erros pode ser um bom começo”.
 
O grau de transparência nos dados sobre esse tema pode ser medido pelo caso do livro Quando a  polícia mata, lançado em novembro pelo sociólogo Michel Misse e que analisa homicídios por autos de resistência no Rio de Janeiro entre 2001 e 2011. Misse alega que utilizou dados oficiais fornecidos pelo Instituto de Segurança Pública (ISP), mas depois foi informado de que eles estariam errados. “Trabalhamos com os dados oficiais encaminhados na ocasião. Agora, soubemos que houve mudanças, que estariam errados, e recebemos a nova planilha. O relatório final da pesquisa foi encaminhado à polícia ainda em 2012 e não nos informaram da alteração”, lamenta Misse. 
 
Perguntado sobre o caso, o presidente do ISP, coronel Paulo Augusto Teixeira, declara que a coleta de dados não sofreu alteração – a diferença entre eles seria resultado de métodos distintos de análise. “O relatório final da pesquisa não foi encaminhado ao ISP. Recebemos os dados para verificação por meio de demandas da imprensa. O arquivo usado pelo professor só é utilizado pelo instituto para o cálculo total de vítimas e casos. Já para a discriminação entre sexo e idade é utilizado o arquivo de microdados, enviado para todos os pesquisadores que solicitam a informação. Os dados originais não estavam errados, apenas os utilizamos de forma diferente”, diz o coronel, citando ainda o Decreto 41.931/2009, que instituiu o Sistema de Definição e Gerenciamento de Metas para os Indicadores Estratégicos de Criminalidade e criou a possibilidade “de que os gestores policiais contestassem os dados publicados através de procedimentos formais e periódicos”.
 
Segundo o 7º Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, divulgado em novembro deste ano, nos anos 2000 o Estado do Rio de Janeiro teve mais pessoas mortas em confronto com a polícia do que todos os demais. Entre 2007 e 2012, o Rio apresentou queda de 69% nos casos de auto de resistência. Embora reduzido, o índice ainda é alto. “Saímos de um quadro de calamidade para uma situação gravíssima. Além das UPPs, é inegável que a redução da letalidade policial tem relação direta com o plano de metas e até mesmo com a mudança no quadro econômico do Brasil. Mas ainda há muitos autos de resistência, a polícia brasileira continua sendo a que mais mata no mundo. E o pior: comemora-se a redução dos autos de resistência, mas e o aumento do número de desaparecidos?”, questiona o antropólogo Paulo Jorge Ribeiro.
Os desaparecimentos forçados a que Ribeiro se refere – o caso do pedreiro Amarildo, morador da Rocinha, é o mais emblemático – também têm um índice alto no estado. Segundo o Ministério Público, em média, 17 pessoas desaparecem por dia no Rio de Janeiro – só no primeiro semestre de 2013 foram 2.655. Não se tem registro de quantas, destas, em decorrência de crimes.
 
Ainda segundo dados do anuário, em 2012 foram mortos 1.890 civis no país em confronto com policiais, para 89 agentes mortos em serviço. O México – que tem uma população 40% menor que a do Brasil – teve 1.652 pessoas mortas em confronto com agentes, para 740 deles mortos em serviço no mesmo período. Nos EUA, foram 410 civis mortos em confronto – sendo que os EUA têm mais cerca de 60% de habitantes que o Brasil – e 95 policiais vitimados. Ou seja, enquanto o México tem uma taxa de 2,2 civis mortos em confronto para cada agente vitimado, nos EUA o índice é de 4,3 civis por policial e, no Brasil, são 21,2 civis para cada policial. Organizações internacionais apontam como aceitável a taxa de dez civis mortos para cada agente.
 
O anuário aponta ainda que a taxa de mortalidade por homicídio resultante da ação de um policial no Brasil é três vezes superior à de homicídio comum. Além disso, se consideradas as informações sobre as mortes em confronto com agentes, verifica-se que o número de policiais civis vitimados fora de serviço também é três vezes superior aos que estavam em campo. No caso da Polícia Militar, a quantidade de  mortes em confronto com agentes fora de serviço é superior ao triplo das mortes por policiais trabalhando.
 
Para a escritora argentina Pilar Calveiro, que lançou recentemente no Brasil o livro Poder e desaparecimento, é possível afirmar que as ditaduras latino-americanas utilizaram de forma sistemática o desaparecimento forçado como política de Estado, e que essa política repressiva permanece sendo utilizada hoje de outras formas. “Em casos como a ditadura na Argentina, o desaparecimento era a principal modalidade repressiva utilizada. Em outros, como no Brasil, era uma modalidade repressiva focalizada nas lideranças políticas. O Plano Condor era a organização repressiva supranacional que articulava essas ações”, explica. 
 
Para Pilar, os desaparecimentos forçados que ocorrem hoje também são preocupantes. “Eles conectam redes privadas e ilegais com parte do aparato estatal. É um problema que se apresenta de forma mais difusa, e que vitima principalmente pobres e excluídos. É uma forma atualizada de repressão do Estado”, compara a escritora, que vê relação direta entre a impunidade e a consolidação dos desaparecimentos como política de Estado. “A falta de acesso às informações sobre os desaparecimentos nas ditaduras perpetua a impunidade; pois não permite que se estabeleçam claramente as responsabilidades, e assim não há julgamento. A manutenção dessa impunidade dá permissão para que se continue a aplicar a mesma modalidade repressiva nos dias atuais”.
 
Justamente para combater esse problema, está em tramitação no Congresso Nacional o Projeto de Lei 4.471/12, que determina que os estados passem a investigar todos os casos de autos de resistência – a proposta está prestes a ser votada na Câmara. Outro projeto relacionado à segurança pública em tramitação é a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 51/2013. “As resistências que já começam a surgir em relação à PEC 51 são um indício de sua importância”, pondera Paulo Jorge Ribeiro. Propondo uma “profunda refundação do sistema de segurança pública, e do modelo policial em particular”, a PEC 51 defende, além da “desmilitarização das polícias”, a definição da polícia como “instituição de natureza civil que se destina a proteger os direitos dos cidadãos e a preservar a ordem pública democrática” e, ainda, determina que o controle da atividade policial será exercido “por meio de ouvidoria externa”.
 
O comitê da campanha também segue em seu trabalho de análise dos casos de vítimas de autos de resistência e desaparecidos que deram entrada na Comissão de Direitos Humanos da Seccional, através de uma equipe multidisciplinar composta por advogados, professores, mestres e doutores em Direito e alunos de Ciências Sociais. O trabalho vem sendo feito em sigilo, para preservar nomes e informações sobre as vítimas.

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