13/12/2013 - 16:09

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A nova Lei dos Portos - avanços ou retrocessos?

13/12/2013 - 16:09

A nova Lei dos Portos - avanços ou retrocessos?

Godofredo Mendes Vianna e Alexandre Sales Cabral Arlota

A relevância do segmento portuário é de fácil percepção, uma vez que 96% de todo o fluxo de comércio exterior brasileiro são movimentados pelo modal marítimo, e passam pelos portos nacionais. A dimensão superlativa do investimento demandado, R$ 54,2 bilhões, revela a amplitude do desafio.
 
Visando a encorajar empresários estrangeiros e nacionais, a Presidência da República expediu, em dezembro de 2012, a Medida Provisória 595/12, a qual se converteu, com alterações, na Lei 12.815/13. No dia 27 de junho de 2013 promulgou-se o Decreto 8.033/13, que, entre outras disposições, revogou expressamente o Decreto 6.620/2008, dando seguimento à reformulação do quadro legal portuário.
 
Entre os avanços, embora a regulamentação pregressa já admitisse terminais de uso privativo, sua construção e operação pressupunham que o autorizado comprovasse carga própria em volume suficiente para justificar a correspondente autorização. Limitava-se, assim, a movimentação de carga de terceiros por critérios pouco claros e excessivamente abstratos, notadamente os de “subsidiariedade e eventualidade”; não se admitindo que o volume movimentado de carga de terceiros em um terminal de uso privativo suplantasse o de carga do autorizado naquele mesmo terminal. Não por acaso, a incapacidade de se precisar o padrão aplicável afetou as expectativas dos investidores e o aporte de recursos no segmento portuário.
 
Nos termos da presente regulação, pode o autorizado movimentar qualquer volume de carga de terceiros, independentemente da periodicidade. Como resultado, a construção e a operação de terminais privados não mais dependem da capacidade de o autorizado/proprietário do terminal gerar e movimentar carga própria, o que permite às instituições bancárias considerar a expectativa da movimentação da carga de terceiros no financiamento dos projetos.
 
Não obstante essa importante alteração, a Lei 12.815/13 acabou por burocratizar o procedimento de expedição das autorizações para os terminais privados, estabelecendo a verificação anterior da “viabilidade locacional” do projeto, mediante ato espontâneo da administração pública (chamada pública), ou a partir da provocação do particular (anúncio público), de modo a avaliar se há outros interessados em estabelecer empreendimento similar, em área próxima. Para evitar o injustificado bloqueio do projeto, estabeleceu-se que os autorizatários devem apresentar, quando da submissão do pedido de outorga, garantia de proposta, a lastrear a subsequente assinatura do ato autorizativo (contrato de adesão). Essa garantia deve, por sua vez, ser substituída por uma garantia de execução, a qual se dirige à salvaguarda das obrigações assumidas no contrato administrativo. A contratação de ambas as garantias, cujo montante varia entre 1% e 2% do valor total do empreendimento, impõe, portanto, custo financeiro até então inexistente.
 
Também na exploração de portos públicos, há dispositivos criticáveis: a opção pela condução das licitações por meio do Regime Diferenciado de Contratação (RDC) ampliou norma de exceção, em prejuízo do estatuto regular – a Lei 8.666/93. Já nas minutas preliminares de edital e nos anexos técnicos divulgados para as licitações dos primeiros blocos restou evidente que a contratação fundada apenas em projetos básicos, dispensando-se os projetos executivos, dificultará o estudo dos riscos operacionais. 
 
A fixação do critério exclusivo da capacidade de movimentação efetiva para a licitação das áreas em que se movimentarão granéis sólidos ou líquidos, regime mais rígido que o de take or pay¸ associada à subversão do usual sistema de alocação de riscos, penaliza o particular. Sobre o último aspecto, translada-se ao ente privado todo e qualquer risco que não seja categoricamente excluído em sede contratual.
 
A imposição de uma presunção absoluta em relação aos danos ambientais, sendo certo que o arrendatário – em um prazo de 180 dias, a partir da data de assinatura do termo de aceitação provisória da área – deva apresentar relatório completo listando todos os passivos ambientais, sob pena de assumir a responsabilidade integral por aqueles danos, também se assevera extremamente gravosa. Parece ter desconsiderado a administração pública, ao divulgar os editais preliminares, que há danos, os quais – por sua natureza – permanecem desconhecidos por longo tempo, devendo a presunção decorrente da não menção no relatório ser, no limite, relativa, comportando o afastamento a partir de prova em sentido contrário.
 
Como em qualquer alteração substancial de marco regulatório, o distanciamento temporal permitirá avaliar se as expectativas do mercado foram devidamente tratadas e os objetivos, satisfatoriamente atendidos. Conquanto não se negue que o governo se sensibilizou em face da premente necessidade de superar algumas das amarras que impediam o desenvolvimento do setor portuário, há deficiências que precisam ser enfrentadas, sobretudo em relação às minutas dos editais para os portos públicos. 
 
* Godofredo Mendes Vianna é presidente da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Mar da OAB/RJ e vice-presidente do Maritime and Transport Law Committee da International Bar Association (IBA)
 
* Alexandre Sales Cabral Arlota é membro da Comissão de Direito Marítimo, Portuário e do Mar da OAB/RJ e mestre em Direito Internacional pela Uerj
 
 

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