13/12/2013 - 15:52

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Imprensa livre e Constituição abrem debates do Justiça em foco

13/12/2013 - 15:52

Imprensa livre e Constituição abrem debates do Justiça em foco

RENATA LOBACK
 
Constituição democrática e efetivação dos direitos será o tema da Conferência Nacional dos Advogados, que acontece em 2014, no Rio de Janeiro. O anúncio foi feito pelo presidente do Conselho Federal da Ordem, Marcus Vinicius Furtado, no primeiro encontro da série Justiça em foco, realizado dia 29 de novembro, na sede da OAB/RJ. A série, organizada em parceria com o jornal O Globo, servirá como preparação para os temas a serem tratados na conferência. A pauta da primeira edição abordou os 25 anos da Constituição Federal e a liberdade de imprensa.
 
Com mediação do jornalista George Vidor, o debate reuniu o ministro do Superior Tribunal de Justiça (STJ) Luis Felipe Salomão e o ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ayres Britto, além do presidente do Conselho Federal.
 
A criação de uma Comissão de Defesa da Liberdade de Expressão na OAB Nacional, cuja presidência ficará a cargo de Ayres Britto, também foi anunciada por Furtado. De volta aos quadros da Ordem, desde sua aposentadoria no STF, Britto prometeu transformar o grupo em um dos mais atuantes da casa.
 
Presidente da OAB fluminense, Felipe Santa Cruz abriu o debate observando que os brasileiros são livres para se manifestar e, inclusive, questionar a imprensa. “Cabe a nós oferecer a máxima contribuição às reflexões que vêm das ruas e das redes sociais. Nosso compromisso é com a liberdade de expressão e de imprensa”, disse.
 
Felipe explicou que no ciclo de debates precursor da conferência serão tratados temas de relevância social e jurídica. “Antes de tudo, advogados são cidadãos”, frisou. “Passamos um ano muito intenso, com manifestações e debates calorosos. E se aprendemos algo, em especial nós, dirigentes da Ordem, foi o valor da liberdade para o nosso país. Nossa conferência seguirá a trilha em que OAB sempre se centrou, que é a da defesa do Estado Democrático de Direito”. 
 
Em explicação do tema anunciado, o presidente do Conselho Federal afirmou que a sociedade precisa de um espaço livre para expressar suas próprias verdades, sem a intervenção do Estado ou de qualquer outro meio. Para ele, hoje a censura se apresenta de forma sutil, diferente da vivenciada na ditadura militar. “A Constituição que interessa é a que atende à democracia e não a que cerceia a liberdade de expressão ou transforma a verdade em propriedade estatal. Por isso a importância de abordar, em nossa conferência, a efetivação dos direitos”, apontou Furtado.
 
Para Ayres Britto, o Estado tem sido o grande inimigo das liberdades individuais. “Hoje, os estados contemporâneos são detentores de poder político e econômico. Por isso, tratar o Estado com rédea curta é a regra do bom cavalheiro civil democrático. Uma informação cerceada causa prejuízos irreparáveis”, alertou.
 
Em concordância, os três palestrantes afirmaram que não veem necessidade de se alterar a Constituição Federal. O que cabe, para eles, é dar efetividade ao texto. Ainda há muitos pontos que, por falta de vontade política, não são postos em prática, avaliaram. 
 
Questionados se as tentativas de controle social à imprensa, principalmente por parte do poder político, encontrariam barreiras no texto constitucional, todos foram taxativos: qualquer tipo de controle esbarra nas  disposições da Carta. Segundo eles, a Constituição já regulou amplamente este tema e prevê, no âmbito do Legislativo, a criação de conselhos para sugerir propostas e medidas quanto às liberdades de imprensa e de expressão.
 
Defender a liberdade de expressão é um ato de respeito com a opinião do outro, defendeu Furtado. Segundo o presidente da OAB nacional, não é admissível que o cerceamento da liberdade ainda seja uma opção. “A verdade não é filha da autoridade. Não se pode fazer da autorização prévia um fundamento para que a história seja conhecida”. Em consonância com este raciocínio, ele anunciou a aprovação, por unanimidade do Conselho Federal da Ordem, do ingresso da entidade como amicus curiae na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 4815, que trata da publicação de biografias não autorizadas.
 
Direcionar um trabalho biográfico, de acordo com Ayres Britto, nada mais é do que fazer um auto-elogio. “A biografia é uma obra intelectual, que mescla a história com denso trabalho de pesquisa. Pedir licença para fazer isto é um absurdo”, completou.
 
Luis Felipe Salomão explicou que a mesma Constituição que declara livre toda forma de expressão é a que garante o direito de resposta nos casos de publicação de calúnias, injúrias e difamações. O Código de Ética do Jornalismo, como lembrou o presidente da OAB nacional, também antecipa esta garantia de resposta. “Todos sabem que a outra parte também tem o direito de ser ouvida”, disse.
 
Os debatedores afirmaram que apontar os limites da colisão entre o direito à privacidade e o direito à informação é um dos principais desafios do Judiciário. Para Salomão, o texto constitucional prevê tanto o direito de investigar a vida alheia quanto o de reter dados pessoais. “Conciliar esta equação é um dos maiores desafios dos constituintes. O primeiro ponto que deve ficar claro é que não existe qualquer hierarquia entre estes direitos. Para dar o norte do meu trabalho, levo em consideração o interesse público sobre a divulgação de determinada informação”, comentou o ministro.
 
Chamado de antítese da liberdade de expressão, o anonimato foi duramente criticado pelos palestrantes.  “Dentro do Estado Democrático de Direito não há razão para o anonimato. Usar a internet para fazer injúrias, difamações e campanhas caluniosas contra as pessoas, colocando-se de forma anônima, não é tolerado. A OAB, que reafirma há 25 anos seu compromisso com a Constituição, jamais poderia apoiar o anonimato como uma forma de expressão e de manifestação, principalmente quando ele é utilizado para cometer crimes e ofensas aos direitos das demais pessoas”, analisou Marcus Vinicius Furtado.
 
Quanto a esta afirmação, o ex-presidente do STF fez um alerta: “Não devemos confundir o anonimato usado para preservar uma testemunha com aquele feito para propagar opiniões, sem o risco de represálias. O pensamento é uma construção de uma pessoa. Em uma sociedade com liberdade de expressão, exercer este direito no anonimato não é constitucional”, frisou Britto.
 
Ao final do encontro, ficou a conclusão de que imprensa e Judiciário não crescem um à sombra do outro, ambos são fundamentais para a democracia. Enquanto um tem o poder de iniciar o processo de informação e revelar a história, o outro tem a obrigação de dar a palavra final e fazer prevalecer os valores constitucionais. “E se hoje estamos debatendo a liberdade de expressão, muito se deve à atuação da OAB. Ela teve um papel crucial para a democracia”, encerrou o ministro do STJ.

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