13/01/2014 - 13:43

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Chico Mendes vive - Marcelo Chalréo

13/01/2014 - 13:43

Chico Mendes vive - Marcelo Chalréo

Estive no Acre cumprindo missão institucional em abril deste ano, para trocar ideias com a Comissão de Direitos Humanos da OAB/AC, encontrar lideranças do movimento naquele local e, particularmente, conhecer o programa de proteção a testemunhas em um estado onde a violência rural ainda é assunto corrente diante da expansão do agronegócio e da resistência dos povos da floresta. Na mesma ocasião, visitei Xapuri, onde tombou – 25 anos atrás, completados neste dezembro – um dos mais valorosos brasileiros do século passado, um ser humano ímpar e enfronhado até a medula nas causas sociais do povo brasileiro, na qual a ecológica é um dos vértices. Falo de Chico Mendes.
 
Cortador de seringa desde os 12 anos, considerado muito “bom de faca” (expressão usada para quem é capaz de extrair o látex de uma grande quantidade diária de árvores) por seus antigos companheiros, Francisco Alves Mendes Filho foi vereador na região do Xapuri, quando, decepcionado com a ação política local, resolveu se dedicar à organização dos povos da floresta, seringueiros em particular, criando e ajudando a criar sindicatos e entidades de defesa dos interesses dos povos da Amazônia. 
 
Surge nesse contexto, em meados dos anos 1980, o conceito de reserva extrativista (Resex), a partir do Conselho Nacional dos Seringueiros. A área de uma Resex é de domínio público, nela vivem seus habitantes tradicionais, praticando atividades reguladas pela própria natureza, a agricultura de subsistência, a pesca, o artesanato, a criação de pequenos animais, em usufruto e com gestão partícipe – poder público e população local. Xapuri, já um barril de pólvora ante a resistência dos povos da floresta, vê se intensificar entre grileiros, fazendeiros e políticos conservadores um ódio visceral a Chico Mendes e seus apoiadores.
 
Ao cair da noite de 22 de dezembro, Chico conversava com Gomercindo Rodrigues, o incansável ativista e assessor sindical Guma, em sua casa, convidando-o para jantar. Antes, Guma decidira dar uma volta de moto pelo centro, pois desconfiava do movimento de pistoleiros e jagunços do agronegócio, sempre a espreitar o movimento das lideranças trabalhadoras locais. Enquanto sua mulher servia a mesa para os dois policiais militares que faziam sua escolta, Chico pegou uma toalha e se dirigiu para a porta dos fundos da casa, em direção ao banheiro, fora. Ao abrir a porta, a lâmpada do caminho estava apagada. Ele ainda comentou com um dos policiais, sentado a menos de dois metros dele: “Poxa, essa lâmpada queimou ...”. 
 
Um tiro de escopeta disparado de perto atingiu seu corpo em cheio. Chico cambaleou, os policiais acorreram à porta mas não conseguiram ver nada, pela escuridão ou por conta da rápida fuga dos atiradores – eram dois na tocaia, veio-se a descobrir depois. Chico ainda deu alguns passos e tombou próximo à mulher e aos dois filhos pequenos.
 
O líder morreu, mas não seus ideais e suas convicções, vívidas nos seringueiros com os quais estive na Resex Chico Mendes, criada algum tempo depois. O simples legado das reservas, produto do saber e do conhecimento milenar dos povos da floresta, já seria suficiente, a meu juízo, para que ele, sua obra e dos seus companheiros – como Raimundão, primo e um dos mais destacados membros daquela resistência de décadas – fossem cultuados no Brasil. Fica o profundo desejo de que tudo aquilo que Chico pregou continue a gerar frutos, pois suas ideias, concepções e ideais vivem como nunca no coração de desconhecidos e bravíssimos brasileiros e brasileiras, que, na prática, vão avançando, pouco a pouco, na construção de um outro país para eles, seus filhos, netos e todos nós. 
 
Marcelo Chalréo é presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB/RJ.
 

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