13/06/2016 - 14:47

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Recriação da CPMF

13/06/2016 - 14:47

Recriação da CPMF

Nenhuma grande economia cobra tributo desse tipo

JOSÉ ROBERTO AFONSO E MELINA ROCHA LUKIC *
 
Ao fim da década passada, o mundo mergulhou em uma crise financeira grave e sem precedente histórico. Os governos da maioria dos países, sobretudo os dos mais ricos, sofreram uma drástica e rápida deterioração do déficit e da dívida pública como consequência da crise. Mas nenhum governo adotou, nem sequer pensou em adotar, um “imposto sobre o cheque” como resposta. Nenhuma grande economia no mundo cobra um tributo deste tipo. E não é por falta de conhecimento, inclusive histórico, já que alguns países até chegaram a cobrar algo parecido, mas logo desistiram.

No Brasil, ocorre o inverso. Diante de crises fiscais passadas e da presente, como também de crises sociais (como foi o caso da saúde), opta-se por criar ou recriar uma contribuição provisória sobre a movimentação financeira – a CPMF. O que pode explicar uma diferença tão radical relativa à visão dos tributos? Uma boa hipótese é que no resto do mundo definem-se os tributos pautando-se por princípios teóricos e pela experiência histórica (e mesmo internacional). Além de arrecadar, os tributos também devem evitar prejudicar a competitividade e a justiça social. Aqui, no entanto, parece prevalecer um outro e inusitado princípio: o da comodidade. Os fiscos preferem cobrar um imposto que lhes dê menos trabalho para arrecadar, sem se importarem com os impactos para o resto da economia. Não por outro motivo é que proliferam as substituições tributárias e os regimes monofásicos e especiais nos tributos indiretos e os regimes de lucro presumido e simplificado nos diretos.

Ao contrário do que alguns defendem, a menor parcela da arrecadação da CPMF provém das pessoas físicas – talvez menos de 10%. É um erro supor que os pobres, sem contas bancárias, escapariam desse tributo, porque seu custo certamente será repassado pelas empresas nos preços de seus produtos e, como as famílias de renda baixa consomem tudo o que ganham, suportarão indiretamente e proporcionalmente uma carga maior do que os mais ricos. A produção nacional também é penalizada vis-à-vis os importados e diante da concorrência no exterior, tendo em vista que suportará um imposto internamente, ao longo de toda sua cadeia produtiva e de comercialização, que não incide lá fora. Mesmo a ideia de que a CPMF seria crucial para a fiscalização não se sustenta, haja vista que os fiscos já passaram a deter o acesso, até mesmo sem autorização judicial em alguns casos, das movimentações bancárias e de cartões de crédito, dentre outras informações, com o sigilo devidamente resguardado.

É contraditório defender a CPMF e, ao mesmo tempo, uma reforma tributária para promover uma redistribuição da carga tributária das rendas mais altas para as mais baixas, na qual se caminhasse para um imposto sobre valor adicionado e que estabelecesse um sistema tributário que não inibisse os investimentos, empregos e a produção.

Desde que foi criado como imposto, em meados dos anos 1990, sempre foi assumido pelos governos como uma solução paliativa. Ora, diante da gravidade da atual crise, é preciso enfrentar de forma realista e definitiva os problemas. A CPMF não é solução. Seria muito melhor começar pela reforma do PIS, e depois da Cofins e do ICMS, porque aí sim se estaria avançando na direção de tributos e de um sistema tributário mais simples e eficiente.
 
(*) Respectivamente, economista, professor do mestrado do IDP e pesquisador do IBRE/FGV, e professora 
e pesquisadora de Direito Tributário da FGV/Direito-Rio e advogada


Questão não pode ser discutida com base em mitos

MARCOS CINTRA*
A possível recriação da CPMF reacende uma série de críticas infundadas contra esse tipo de tributação. Muitos aspectos voltaram a ser levantados pelos adversários desse tipo de tributo como se ele fosse o grande mal que pode surgir do processo de ajuste fiscal em discussão.

Cumpre dizer que o reequilíbrio das contas públicas deveria ser feito através de cortes de despesas, mas há pouco espaço nesse sentido porque o governo controla só 10% do que arrecada. O resto refere-se a gastos exigidos por lei. Mesmo na fatia de despesa que poderia ser reduzida há pressão de segmentos da sociedade contra essa prática. Todos apoiam corte de gastos – dos outros.

O jeito será aumentar tributos e o remédio menos amargo e com menor efeito colateral deve vir da recriação da CPMF. É preferível que ela tenha uma alíquota até superior a 0,2%, como foi proposto, frente à possibilidade de deixá-la de lado e de que outros impostos tenham suas já elevadas alíquotas majoradas.

A CPMF é o tributo que menos prejudica a sociedade. Seus críticos têm estudos que possam mostrar o contrário?
Um dos pontos que os críticos mais repetem é que a CPMF é um tributo injusto porque é regressivo. Ou seja, que ele penaliza duramente os mais pobres. Isso é falso e foi avaliado em alguns trabalhos que eles insistem em ignorar.

Produzi uma simulação quando a CPMF vigorava para aferir a tão alegada regressividade. Utilizando quatro faixas mensais de renda familiar apurei que essa crítica não é pertinente. Na menor faixa de rendimento (R$ 454,69), a CPMF (direta e indireta) representava 1,64% da renda; na segunda (R$ 1.215,33), 1,58%; na terceira (R$ 2.450,05), 1,51%; e na quarta (R$ 8.721,92), 1,41%.

A ex-deputada federal Maria da Conceição Tavares também estudou a suposta regressividade da CPMF e concluiu que esse tipo de tributo recai fundamentalmente sobre o segmento de maior renda. Segundo ela, é falso o argumento de que o imposto pune basicamente os mais pobres, uma vez que, em seus exercícios, constatou-se que as alíquotas médias efetivas são maiores para as camadas de renda mais alta.

Conclusões semelhantes foram publicadas por Nelson Leitão Paes e Mirta Noemi Sataka Bugarin no estudo Parâmetros tributários da economia brasileira, publicado na Revista de Estudos Econômicos – FEA-USP (out-dez/2006). Os autores apuraram que a CPMF é o imposto mais harmonioso do sistema tributário brasileiro. O ônus desse tributo sobre o orçamento das famílias era de 1,3%, isto é, ele é uniforme em qualquer faixa de renda, não é regressivo. O trabalho mostra ainda que entre os tributos mais prejudiciais está o ICMS, tido pelos críticos da tributação sobre movimentação financeira como um imposto justo.

Convém aos críticos da CPMF que entrem nesse debate e defendam suas teses com base em avaliações técnicas. Não dá para discutir uma questão tão essencial para o país com base em mitos e em teses que não se sustentam.
 
*Doutor em Economia pela Universidade Harvard (EUA) e professor titular de Economia na FGV (Fundação Getúlio Vargas). Foi deputado federal (1999-2003) e autor do projeto do Imposto Único

 

 

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