13/06/2016 - 13:58

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Eloísa Machado de Almeida - Coordenadora do projeto Supremo em pauta: ‘É imperioso que o STF seja, mais do que nunca, transparente em sua agenda’

13/06/2016 - 13:58

Eloísa Machado de Almeida - Coordenadora do projeto Supremo em pauta: ‘É imperioso que o STF seja, mais do que nunca, transparente em sua agenda’

Coordenadora do projeto Supremo em pauta e professora da FGV Direito SP, Eloísa Machado de Almeida analisa, nesta entrevista, o protagonismo da mais alta corte do país em face da crise de representatividade no sistema político, e possíveis desdobramentos da decisão pelo afastamento de Eduardo Cunha da presidência da Câmara dos Deputados e do exercício parlamentar. Para Eloísa, ainda faltam explicações do tribunal sobre ter criado “uma nova hipótese de suspensão do mandato” e quanto ao lapso temporal entre o recebimento da denúncia contra Cunha, em dezembro de 2015, e o julgamento que o afastou, em 5 de maio, após conduzir a votação pela abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff. 

O protagonismo judicial, segundo a pesquisadora, “é especialmente complicado porque, no caso do Supremo, não há controles democráticos sobre essas decisões que criam novas regras”. “Ser um poder político sem nenhum tipo de controle democrático é um problema para qualquer democracia”, observa Eloísa, para quem a corte deveria ser mais transparente na formação de sua pauta de julgamentos.

 
PATRÍCIA NOLASCO

A decisão do STF de afastar Eduardo Cunha da presidência da Câmara e do exercício do mandato pode trazer questionamentos jurídicos por parte dos demais parlamentares acusados de crimes?

Eloísa Machado de Almeida – A decisão do ministro Teori Zavascki, referendada de forma unânime pelo pleno do tribunal, pode vir a trazer questionamentos para os demais parlamentares que estejam sobre investigação criminal. Isso porque o argumento central usado na decisão é o de que o mandato eleitoral estava sendo usado para favorecer ou permitir o cometimento de crimes, bem como atrapalhar investigações. Diante dessa constatação, o STF aplicou medida cautelar em substituição à prisão provisória para garantir o regular curso da persecução criminal.

Dessa forma, qualquer parlamentar que esteja sob investigação e que tenha acusações de prática criminosa envolvendo de alguma forma o seu mandato pode vir a sofrer as mesmas consequências, quer pela suspeita da continuidade da prática criminosa (se favorecida pelo exercício do mandado) ou por interferir nas investigações, incluídos aqui eventuais obstáculos criados para as investigações internas em comissões de ética das casas legislativas.

Ainda que o tribunal tenha afirmado, por muitas vezes, se tratar de uma decisão excepcional, há expectativas, bastante razoáveis, de que as decisões da corte sejam coerentes e de que haja tratamento igualitário entre aqueles que estão sujeitos à sua ação jurisdicional. Decisões de ocasião são um grande problema para a concepção de Estado de Direito na qual a igualdade é um valor fundamental.

O STF, na visão de alguns juristas, poderia ter determinado o afastamento cautelar de Cunha em dezembro de 2015, ao receber a denúncia criminal contra ele. Ao afastá-lo – na condição de réu a quem foi permitido presidir a votação do pedido de abertura de processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff – e fundamentando sua decisão na excepcionalidade, a corte assumiu uma decisão política?

Eloísa Machado – Os fundamentos de fato utilizados para a adoção da medida de cautela para assegurar as investigações são, em sua maior parte, anteriores ao recebimento da denúncia contra Cunha pelo STF em dezembro do ano passado. Assim, é possível argumentar que o Supremo já teria condições, em dezembro de 2015, de aplicar alguma medida cautelar quando analisou a denúncia. Porém, entre aquela data e abril de 2016, quando foi efetivamente julgada a medida cautelar, cinco novos inquéritos foram apresentados pelo procurador-geral da República e novos fatos foram imputados a Cunha, especialmente relativos ao manejo de obstruções às atividades da Comissão de Ética da Câmara dos Deputados. Ainda assim, não é possível depreender da decisão que teriam sido novos fatos que ensejaram a aplicação da medida cautelar.

Isso é um problema porque o tempo levado para o STF decidir sobre Cunha coincide com suas atividades enquanto presidente da Câmara responsável pelos atos pertinentes ao pedido de impeachment. É evidente que a decisão que o afasta coloca uma névoa de suspeição sobre os procedimentos encabeçados por Cunha.
 
Entretanto, a alegação de que Cunha teria agido com desvio de finalidade e abuso de poder na condução do impeachment foi rejeitada pelo STF no mandado de segurança proposto pela AGU em defesa de Dilma Rousseff.
 
Acredito que, independentemente do recurso, ainda faltam explicações, por parte do Supremo, sobre este lapso temporal decisório decisivo para o desenrolar do impeachment. Isso porque importa não só o teor das decisões, mas também o momento em que são tomadas. Esse é um problema sistêmico do tribunal: não há nenhum tipo de controle sobre a pauta, sua agenda ou o critério usado para julgar alguns casos em detrimento de outros. O STF deveria ser mais transparente quanto à formação de sua pauta de julgamentos; afinal, tão importante quanto o que é julgado é também o que não é julgado.

Qual o possível impacto dessa decisão, e seus desdobramentos, nas relações do STF com o Legislativo, uma vez que não faltaram críticas dos que consideraram ter havido avanço de competência institucional?

Eloísa Machado –
Há muito que se analisa o protagonismo do Supremo Tribunal Federal frente ao Executivo e ao Legislativo, sobretudo frente à regulação do sistema político: podemos nos lembrar muito facilmente dos casos de verticalização, de limite do número de vereadores nas câmaras municipais, da fidelidade partidária, cláusulas de barreira e até mesmo de financiamento de campanhas por empresas. Todas essas decisões foram tomadas pelo STF à revelia ou contrariamente à vontade do sistema político.

Essa decisão que afasta Cunha e que, ao mesmo tempo, cria uma nova hipótese de suspensão de mandato, também favorece as críticas, não só quanto ao fato de ter sido uma interpretação bastante criativa, sem autorização constitucional expressa, mas também pelo afastamento, na prática, do papel do Legislativo da decisão sobre a continuidade do mandato de um parlamentar. A Constituição é muito clara em determinar que, na hipótese de prisão em flagrante de um parlamentar, a respectiva casa do Congresso Nacional deve deliberar sobre a decisão do STF, se a mantém ou não. Se a decisão do Supremo foi usar uma medida cautelar em substituição à prisão e se essa decisão impactou o exercício do mandato – como de fato o fez –, deveria também seguir a mesma lógica prevista para a Constituição no caso de prisão. Entretanto, a decisão cautelar de Teori, corroborada pelo plenário, não traz nada a esse respeito. Porém, já há uma ação direta de inconstitucionalidade levada pelo PP que questiona justamente esse ponto (ADI 5526, relatoria ministro Fachin). 

Ante a crise de representatividade no sistema político, e a judicialização de questões importantes para o país, pode-se dizer que o Supremo tem hoje protagonismo entre os poderes, com o risco de desequilíbrio?

Eloísa Machado – A desconfiança para com o Legislativo tende a permanecer alta, sobretudo diante de tantos e repetidos casos de corrupção, favorecimento pessoal e promiscuidade com os setores empresariais. Essa crise, que afetou muito diretamente o Executivo, não parece deixar um legado de avanço institucional. Persistem as suspeitas de favorecimento, de influência em investigações e de corporativismo.

O STF tem ocupado um espaço central nesse debate e também tem sido questionado sobre sua imparcialidade e independência. É imperioso que o tribunal seja, mais do que nunca, transparente em sua agenda. Se isso, por um lado, ressalta a importância do tribunal em nossa arquitetura constitucional, por outro denota as fragilidades de nosso sistema político.

Esse protagonismo é especialmente complicado porque, no caso do Supremo, não há controles democráticos sobre essas decisões que criam novas regras. Ser um poder político sem nenhum tipo de controle democrático é um problema para qualquer democracia.
 

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