09/10/2023 - 15:04 | última atualização em 09/10/2023 - 15:10

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Voz é para ser ouvida: seminário na OABRJ aborda impacto da desigualdade e da violência de gênero na vida de crianças e adolescentes durante processos judiciais

Biah Santiago



Historicamente, as relações desiguais na sociedade interferem e até intensificam a violência de gênero, afetando principalmente as mulheres. Esse dado estimulou a Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ a promover um seminário, nesta segunda-feira, dia 9, sobre o impacto desta prática na vida de crianças e adolescentes ao longo de um processo judicial. 

Para assistir ao encontro na íntegra, basta acessar o canal da Seccional no YouTube. 


“A desigualdade de gênero é o arcabouço desse tipo de violência”. Assim definiu a assessora-chefe da CDHAJ, Aline Cordeiro, em sua fala de abertura.



“Isso é o que promove a violência contra as mulheres, mulheres trans, travestis e trabalhadoras sexuais. Quando as oportunidades são negadas com base no gênero, cria-se um ambiente propício para a perpetuação da violência”, constatou Aline. 

“Não podemos tolerar e devemos ser intransigentes com qualquer tipo de violência, como o sexismo, o machismo e a misoginia. Acredito que promovendo a equidade, conseguimos avançar para extinguir essas violências na sociedade”.

Considerando o tema como polêmico, o presidente da comissão, Ítalo Pires, ressaltou a relevância do debate no âmbito do Direito para a promoção de direitos aos grupos marginalizados socialmente.

“Em certa medida os temas são polêmicos, porque não são unânimes na sociedade, e tão pouco na advocacia, mas são fundamentais para quem está comprometido com os direitos humanos”, julgou Pires. 

“Este é um debate com muitas possibilidades de análise. O objetivo deste encontro é trazer temas como este para o conhecimento da classe e da sociedade como um todo. Não sairemos daqui com as respostas, mas sim com os problemas delimitados para amadurecermos a discussão e tentar entender onde está a Justiça em relação à violência de gênero e o quanto ela [a Justiça] afeta as crianças e adolescentes nos processos judiciais”.


Também compuseram a mesa a coordenadora do GT da Criança e Adolescente da comissão e conselheira tutelar, Patrícia Félix; e a integrante do GT de de Gênero da CDHAJ, Ludimila Cindra.

“Vivemos em uma sociedade que não consegue encarar que crianças e adolescentes são sujeitos de direitos, com prioridade absoluta, e com a Lei de Alienação Parental [Lei nº 12.318/2010] e que, na maioria das vezes, nem ouve as crianças. Elas são vítimas de uma estrutura patriarcal e misógina, em que observamos a violência contra a criança atrás de um protecionismo jurídico da instrumentalização desta lei”, ponderou a conselheira tutelar ao constatar os casos de violência praticados contra o público infanto-juvenil.

O ser mulher e mãe negra no Brasil, bem como o direito delas enquanto trabalhadoras sexuais na busca por direitos aos filhos foram questões trazidas à luz na primeira parte do encontro.

Especialistas na matéria foram as responsáveis pelas palestras inicias como Patrícia Félix; a presidente da Comissão da Igualdade Racial da OAB/Belford Roxo, Cristiane Oliveira; as integrantes do GT de Violência da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária da OABRJ, Catarina Souza e Karen Machado; a integrante do GT de Direito à Saúde da CDHAJ, Talita Salgado; e em formato virtual, a coordenadora-geral da Articulação Nacional de Profissionais do Sexo (Anprosex), Monique Prada; a doutoranda em Antropologia pela Universidade de Brasília, Débora Barcellos; e a fundadora do Coletivo Filhas da Luta do Rio Grande do Norte, Diana Soares.

“Precisamos pensar em um novo jeito de acolher crianças que carregam junto a nós, mães, o estigma da atividade sexual”, disse Monique, autora do livro 'Putafeminista' (Editora Veneta), um tipo de manifesto para dar voz às trabalhadoras sexuais. 


“A maior parte de nós exerce esse tipo de trabalho para sustentar nossos filhos. Portanto, acredito que é preciso saber qual é o tamanho da liberdade das mães e o quanto esse preconceito contra trabalhadoras sexuais também serve para argumentar contra outras mulheres que não exercem essa função, usando esse fator para um pedido de retirada de guarda”.



Entre as falas das palestrantes, a plateia participou efetivamente da discussão e apresentou questões relacionadas à exposição das debatedoras. 

Com reflexões sobre o tema, a advogada Catarina Souza apresentou um estudo que coloca a mulher em um cenário de cárcere perante a sociedade.

“O encarceramento feminino quadruplicou nos últimos 20 anos e ,infelizmente, ainda há uma escassez de dados muito grande. Segundo o CNJ, temos aproximadamente 900 mil pessoas encarceradas e isso diz muito sobre o nosso país”, considerou Catarina.

“O perfil dessas pessoas presas é de 68% de mulheres negras, sendo o tráfico de drogas a porta de entrada para o sistema prisional. Nisso, é possível verificar uma demarcação de mulheres negras, pobres, periféricas, com pouca escolaridade e falta de acesso ao emprego formal. O recorte de gênero possui suas particularidades, e relaciono esse mesmo sofrimento aos homens e jovens negros que são encarcerados e mortos na mesma medida. O racismo estrutural ainda reflete no contexto prisional na sociedade, e como dizem, ‘todo camburão tem um pouco de navio negreiro'". 

A plateia participou efetivamente do debate e apresentou pontos a serem levantados pelos palestrantes durante encontro.

É possível assistir a segunda etapa do seminário, que discutiu os direitos reprodutivos e sexuais das pessoas transexuais e a revogação da Lei de Alienação Parental centrado no direitos das mães, pelo canal da OABRJ no YouTube. 

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