30/10/2020 - 14:00 | última atualização em 03/11/2020 - 14:36

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Veja o primeiro vídeo e conheça a campanha 'Justiça para os inocentes'

Clara Passi

A campanha “Justiça para os inocentes”, iniciativa da Comissão de Direitos Humanos e Assistência Judiciária (CDHAJ) da OABRJ em conjunto com o coletivo de artistas 342Artes e a Midia Ninja pelo fim de prisões de inocentes com base unicamente em reconhecimento por fotografia, teve seus primeiros momentos na noite de quinta-feira, dia 29. 

Foram ao ar nas redes sociais uma live com Caetano Veloso e o juiz André Nicolitt e um vídeo sobre o primeiro dos quatro casos revoltantes de jovens negros que a CDAHJ acompanha, o de  Angelo Gustavo Pereira Nobre, 28 anos. Veja o vídeo abaixo.

As histórias dos outros personagens: Douglas Peçanha e Silva, de 29 (morto pela Polícia Militar), Ramon Carlos de Souza, de 28, e Danilo Félix Vicente de Oliveira, 24 anos, serão contadas nas próximas semanas. Todos eles estão sendo processados e alguns já foram condenados e presos com base exclusivamente neste tipo de prova.

O pilar da iniciativa é denunciar o racismo estrutural nas instituições ao expor que 70% dos acusados injustamente por falhas no reconhecimento fotográfico são negros. 

“Queremos chamar o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, o Ministério Público, a OAB, a Defensoria Pública e todos aqueles que trabalham em segurança pública e no Judiciário para criarmos protocolos que impeçam que novas injustiças sejam cometidas”, afirma o presidente da CDHAJ, Álvaro Quintão. 

De acordo com o representante da Seccional, a campanha busca conscientizar a sociedade e criar mecanismos para que, caso a identificação por foto seja usada, o instrumento seja acompanhado de uma série de outros mecanismos que o sustente.

“Esta é uma pauta não só do Direito, mas de toda a sociedade. É uma pauta civilizatória”.

Além de pressionar para que as condenações sejam revistas, os advogados envolvidos vêm monitorando cada um dos quatro casos que servem de emblema para a causa, apoiando os representantes particulares designados pelas famílias. Em alguns dos processos, já pediram habeas corpus e ingresso como amicus curiae.

O primeiro vídeo da campanha conta a história de Angelo Gustavo Pereira Nobre (@liberdadeprogugu), que está preso desde setembro após ter sido reconhecido pela vítima de um assalto na Zona Sul do Rio por meio de uma “curtida” numa foto publicada em uma rede social. O produtor cultural de 28 anos sequer esteve no local no dia e na hora do crime, afirma a defesa. 

Durante a live, o juiz Nicolitt falou de um avanço animador ocorrido há poucos dias: a decisão do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) de absolver um homem condenado por assalto com base no reconhecimento por foto. O crime ocorreu em Santa Catarina. 

O magistrado e o cantor fizeram um panorama histórico da gênese do encarceramento em massa da população negra. Nicolitt explicou que a coisificação e a construção do estereótipo do negro como bandido no processo penal de hoje em dia são tributários do sistema penal imperial, que foi pensado a partir da escravidão, e, depois, do código penal republicano, que deu roupa nova a velhos conceitos ao criminalizar a capoeira, a vadiagem, os cultos afrobrasileiros.

Nicolitt clamou por uma “segunda abolição”, que passa pela  modernização da lei que regulamenta o reconhecimento por testemunha e por uma mudança de cultura no Judiciário. Para ele, é urgente a adoção pelos colegas de noções de psicologia social e de conceitos como o sugestionamento de testemunhas e o primado da hipótese sobre os fatos. 

“A construção da identidade do negro foi feita através do medo. Isso legitima o Estado a fazer o que bem quer com ele, a se permitir que contra ele seja infligida qualquer tipo de violência”, disse o juiz. “É um absurdo, porque nós negros somos os que mais morremos de todas as formas. Nós é que deveríamos temer”.

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