18/01/2017 - 10:59 | última atualização em 18/01/2017 - 10:56

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Uso das Forças Armadas para fiscalizar presídios é inconstitucional

revista eletrônica Conjur

O governo Michel Temer autorizou nesta terça-feira, dia 17, a atuação das Forças Armadas nos presídios para fazer inspeções rotineiras de materiais proibidos, como armas, celulares e drogas, e reforçar a segurança nas unidades. No entanto, especialistas ouvidos pela ConJur avaliam que a medida é inconstitucional, pois extrapola as funções dos militares, e não terá grande impacto na superação da crise carcerária pela qual o país passa, e que já gerou 134 vítimas em 2017.
 
Exército Brasileiro
 
O artigo 142 da Constituição afirma que as Forças Armadas "destinam-se à defesa da Pátria, à garantia dos poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes, da lei e da ordem". Por sua vez, a Lei Complementar 97/1999, que regulamenta as atividades dos militares, prevê, em seu artigo 16-A, que os oficiais podem participar de ações preventivas ou repressivas, mas apenas contra "delitos transfronteiriços e ambientais".
 
A mesma norma autoriza, nos artigos 17, 17-A e 18, que o Exército, a Marinha e a Aeronáutica auxiliem na repressão aos "delitos de repercussão nacional ou internacional", respectivamente, no território brasileiro, áreas marinhas, fluviais e portuárias, e espaço aéreo e campos aeroportuários. Contudo, os três dispositivos só permitem que tais ajudas sejam feitas "na forma de apoio logístico, de inteligência, de comunicações e de instrução".
 
Para o advogado e colunista da ConJur Aury Lopes Jr., a medida do governo é "uma tentativa desesperada de resolver um problema bem mais complexo" e representa um desvio das finalidades constitucionais das Forças Armadas.
 
Nessa mesma linha, o criminalista Fernando Augusto Fernandes avalia que o governo somente poderia usar as Forças Armadas para intervir em presídios se o Brasil estivesse em estado de defesa ou de sítio -- que exigem graves ameaças à ordem pública ou à paz social. Mesmo assim, a ação teria que ser aprovada pelo Congresso, como fixa o artigo 34, VII, "b", da Constituição.
 
Já o presidente da Comissão de Direitos Humanos da Seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil, Marcelo Chalréo, aponta que a proposta do governo é "absolutamente inconstitucional", e "um completo desvirtuamento" das funções das Forças Armadas. "É lamentável que um presidente que foi professor de Direito Constitucional e autor de diversos livros sobre o assunto apresente uma sugestão dessas", reclama.
 
Por sua vez, o criminalista e constitucionalista Adib Abdouni entende que as Forças Armadas só podem ser usadas em penitenciárias se o governo estadual local declarar sua impossibilidade momentânea de controlar a situação. Tal admissão de incapacidade, porém, teria "nítidos impactos desfavoráveis" para o Executivo dos estados que a fizessem.
 
Outro lado
 
Além dos constitucionalistas Michel Temer e Alexandre de Moraes -- ministro da Justiça --, outros advogados apoiaram o uso das Forças Armadas na fiscalização de materiais ilícitos em presídios. De acordo com a especialista em Direito Constitucional Vera Chemim, somente com a cooperação entre os três Poderes que será possível vencer as facções criminosas.
 
Embora opine que a medida "parece uma ação desesperada", que "traz um significado de convulsão social, de alarmismo, de pânico", o criminalista Fabrício de Oliveira Campos sustenta que os militares poderiam ser usados de maneira excepcional e temporária quando solicitado pelos estados.
 
Ação ineficaz
 
Além de ter sua constitucionalidade discutível, o uso de militares em presídios é um ato ineficaz e demagógico, e não ataca as reais causas da crise carcerária, apontam especialistas no assunto. Para a socióloga Julita Lemgruber, ex-diretora do Sistema Penitenciário do Rio de Janeiro, o governo Temer deveria direcionar sua atuação para combater a superlotação das prisões.
 
Dessa forma, Julita ressalta que prioridade máxima teria que ser articular com Cármen Lúcia, presidente do Supremo Tribunal Federal e do Conselho Nacional de Justiça, um grande mutirão para retirar dos estabelecimentos os presos provisórios (que representam 40% da população carcerária) que não tem geram riscos à investigação ou às ordens pública e econômica, e aqueles que já têm direito de progredir de regime, obter livramento condicional ou indulto, ou cumprir a pena em casa ou de outra forma.
 
A criminalista Maíra Fernandes, ex-presidente do Conselho Penitenciário do Estado do Rio de Janeiro, tem visão semelhante. Segundo ela, o uso das Forças Armadas para fiscalizar itens proibidos em presídios é uma medida "demagógica" do governo Temer, que passa uma imagem de segurança para a sociedade sem atacar o principal problema do sistema prisional: a superlotação.
 
Em seus olhos, enquanto nada for feito para diminuir o número de presos provisórios e reformar a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), responsável por 28% dos detentos do país, as facções criminosas continuarão dominando as penitenciárias e assassinando outros encarcerados.
 
Julita e Maíra ainda declaram que os integrantes das Forças Armadas não têm capacitação técnica para atuar na inspeção de materiais em prisões.
 
O criminalista Daniel Bialski, por seu turno, afirma que as varas de execução penal também devem ser mais céleres, e evitar que pessoas continuem em regime fechado quando já poderiam estar no semiaberto ou no aberto.
 
Governo na contramão
 
Autorizar a ação de militares em presídios não é a única medida anunciada por Michel Temer que, segundo especialistas, não resolve os problemas da questão carcerária.
 
O presidente prometeu repasses de R$ 800 milhões para a construção de, pelo menos, uma nova penitenciária em cada estado, além de cinco novas cadeias federais para criminosos de alta periculosidade.
 
Na mesma linha de seu chefe, o ministro Alexandre de Moraes afirmou em dezembro que lançará em breve um plano de redução de homicídios focado em ações policiais, sem a participação de pastas da área social. Entre as medidas estarão o aumento do tempo necessário para progressão da pena (atualmente, o condenado deve cumprir um sexto de sua punição para ir para outro regime; se cometeu crime hediondo, mas é réu primário, dois quintos; se já tivesse antecedentes, três quintos) e a intensificação do combate às drogas.
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