09/05/2010 - 16:06

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TCE pede explicação sobre uso de emendas para doação de vans da defesa civil

TCE pede explicação sobre uso de emendas parlamentares para doação de vans da defesa civil

 

 

Do jornal O Globo

 

10/05/2010 - A cabine do veículo sugere uma enfermaria pública motorizada. Pacientes aguardam, deitados, a hora do retorno. Muletas, garrafas plásticas, bolsas de remédios, sacolas com marmitas e outros objetos se espalham pelo piso. O motorista espera a chegada do último passageiro. Ao volante da van placa LKQ 1116, parada na Praça da Cruz Vermelha, Centro do Rio, ele torce por uma volta tranquila para Mangaratiba.

 

Com pouco mais de um ano de asfalto, resta pouco do reluzente veículo que enfeitava, com outras vans zero quilômetro, o pátio do quartel central do Corpo de Bombeiros em março de 2009. A expressão de seus ocupantes, gente doente de uma cidade sem recursos, contrasta com os semblantes felizes das autoridades, exibidos na festa que celebrou a entrega da frota, por intermédio de emendas parlamentares, no ano passado, para secretarias de Saúde, hospitais e entidades filantrópicas de 33 municípios fluminenses, ao custo de R$ 6 milhões.

 

 

Alguns doadores entregaram pessoalmente as vans

 

A doação, feita por 34 deputados estaduais, 23 deles presentes à festa de entrega, é alvo de um processo no Tribunal de Contas do Estado (TCERJ).

 

Em inspeção especial, os auditores do órgão constataram que a justificativa para a aquisição de parte dos veículos (destinada a atividades de defesa civil) não revelou o verdadeiro propósito do investimento (emendas parlamentares) e foi adquirida com um suposto sobrepreço de 20%.

 

Os deputados-doadores não se contentaram com a festa no Rio e foram pessoalmente aos municípios mais distantes, fazer a entrega de vans enfeitadas com faixas de auto-homenagem.

 

As prefeituras, por sua vez, antes de incorporar os veículos à frota, desfilaram os carros pelas ruas da cidade.

 

Para os políticos, o drama dos doentes andarilhos, que percorrem quilômetros em busca de um hospital, virou uma oportunidade política, de garimpagem de votos. Para os doentes, contudo, o deslocamento é só mais um drama a rechear a rotina difícil.

 

As vans chegaram em boa hora para os doentes, que hoje viajam com muito mais conforto em busca de tratamento.

 

Mas os deputados que puderam fazer as emendas se aproveitam da situação. No interior, são divulgadas fotos de diversos deles ao lado das vans, com faixas destacando a autoria das emendas. Há diversos sites oficiais de deputados da Assembleia Legislativa que também fazem propaganda das vans - com fotos deles entregando as ambulâncias aos prefeitos, relatos de comunidades agradecidas, elogios aos deputados-doadores e até vídeos das entregas, em diversos municípios do estado.

 

Em alguns dos sites oficiais, e também em vídeos, os deputados agradecem ao presidente da Alerj, Jorge Picciani.

 

Um protocolo regula a gestão do TFD (tratamento fora de domicílio) pelas prefeituras municipais. Responsável pelo custeio do sistema, cabe à Secretaria Estadual de Saúde e de Defesa Civil fiscalizar o atendimento, que deve ser prestado de forma técnica por profissionais da área, como assistentes sociais.

 

Mas nem sempre a regra é seguida. Pacientes da van de Cantagalo (Região Serrana) contam que, para conseguir uma vaga no automóvel doado no ano passado, precisam recorrer a Homero Ecard. A prefeitura local alega que Homero é um simples servidor, mas o banco de dados da Justiça Eleitoral mostra que ele é suplente de vereador desde 2008.

 

Até o início do ano passado, os pacientes chegavam ao Rio de kombi, vans alugadas ou carros pequenos. Dependendo da distância, a jornada começava às 3h e só terminava às 22h, muitas vezes em trajetos percorridos diariamente pelo mesmo motorista. Em 2008, a Secretaria estadual de Saúde resolveu reformular a frota, com a doação de vans das marcas Peugeot Boxer e Renault Master. Hoje, os pacientes são trazidos para a capital com muito mais conforto.

 

Três processos abertos entre 2007 e 2008 oficializaram a compra de 160 vans, ao custo total de R$ 11,3 milhões, das quais 75 já foram entregues (desembolso de R$ 6 milhões). Porém, somente em março do ano passado os veículos começaram a chegar às prefeitura, após a festa de entrega. A demora, que manteve a frota parada no pátio de um quartel do Exército por quase três meses, motivou a inspeção do TCE-RJ.

 

No evento, o secretário de Saúde e Defesa Civil, Sérgio Côrtes, destacou que, desde 2007, "quando assumimos", a indicação era para que "somássemos esforços para cumprir as emendas, e nós não só estamos conseguindo cumprir, como também as aprimoramos".

 

Os municípios, segundo ele, receberiam naquele momento vans com 16 lugares, ar-condicionado e teto elevado para que os pacientes pudessem ser transportados com dignidade para fazer os seus tratamentos.

 

Hoje, porém, Côrtes e sua equipe terão de dar explicações ao TCE sobre a compra da frota. Os auditores constataram, entre as irregularidades apontadas no relatório, que a Secretaria adquiriu 20 vans da marca Renault para empregá-las em atividades de defesa civil, exercidas pelo Corpo de Bombeiros.

 

O processo, para justificar a compra, sustenta que o Corpo de Bombeiros, em 2007, "realizou um atendimento a cada 3,30 minutos, o que acarreta no emprego intenso de sua frota operacional, ocasionando desgastes em curto período de tempo e uma depreciação acelerada, se comparada à maioria dos veículos".

 

 

Corpo de Bombeiros só usou carros por quatro meses

 

Apesar das necessidades, os veículos passaram apenas quatro meses em unidades dos bombeiros. Após uma temporada de combate à dengue, reforçaram a frota destinada ao transporte de pacientes municipais, todas doadas com a chancela das emendas parlamentares, com direito a agradecimentos e faixa comemorativa.

 

"Observa-se, portanto, que a aquisição em tela teve por motivação clara a realização de atividades tipicamente de defesa civil", ressalta o relatório. Os auditores arrematam: "Vislumbrase, desta forma, um claro desvio de finalidade, o que deve ser devidamente motivado e justificado, tendo em vista os princípios da transparência e da motivação dos atos administrativos".

 

O relatório aponta ainda um sobrepreço de 19,95% em relação ao mercado, na aquisição de 25% da frota, além da inclusão irregular, pela secretaria, de 40 vans no processo de compra, pelo sistema de pregão, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal.

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