Juiz exige observância dos princípios humanitários da Organização das Nações Unidas (ONU) para despejos e remoções de moradores de áreas ocupadas em Minas Gerais. Os princípios mínimos de respeito aos direitos da pessoa consagrados na legislação internacional sustentaram a decisão do Ministro Og Fernandes, do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a favor dos moradores, que foi premiada no I Concurso Nacional de Decisões Judiciais e Acórdãos em Direitos Humanos. A decisão final foi tomada pela Segunda Turma do Superior Tribunal da Justiça (STJ) anulando acórdão da 6ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ/MG), que negou pedido para que o governo do estado garantisse o cumprimento de medidas humanitárias na remoção de cerca de 8 mil famílias assentadas na região de Isidoro, norte da capital mineira. Og Fernandes foi o relator do processo no STJ. Em um mandado de segurança apresentado no TJ/MG, moradores da comunidade pediam ao tribunal que impedisse o governo de realizar a reintegração de posse sem o cumprimento das normas legais, como o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Estatuto do Idoso, além de tratados internacionais de que o Brasil é signatário. Entre as medidas previstas nestas normas está o fornecimento de informações prévias e detalhadas sobre a remoção, a realização de campanhas preventivas e panfletagem entre a população afetada, a disponibilização de ambulâncias e UTIs móveis no local, a proteção especial às crianças, mulheres e idosos, a garantia de abrigo para as famílias despejadas e a realização da remoção sem o uso da força. Na época, cerca de 30 mil pessoas viviam no local. Encaminhado à 6ª Câmara Cível, o mérito do mandado de segurança não chegou a ser analisado, sob o argumento de que os autores utilizavam o instrumento jurídico errado para combater a decisão de remover as famílias. Ao analisar o recurso no STJ, Og Fernandes negou que os autores pretendessem impedir a reintegração de posse utilizando o mandado de segurança e considerou que, por envolver a proteção de direitos relativos à dignidade da pessoa humana, à segurança e à moradia, seria impróprio “sobrepor formalismos à importância da questão submetida ao Poder Judiciário”. Para o ministro, o pedido resume-se à concessão de segurança de modo a impedir que as autoridades realizem a reintegração de posse sem o cumprimento dos regramentos previstos nos tratados internacionais de que o Brasil é signatário, bem como na Diretriz 3.01.02/2011-CG. “Vale dizer, o mandado de segurança não foi ajuizado contra a requisição de medidas policiais para apoiar o cumprimento de mandado de despejo, mas com o fito de prevenir ilegalidades, abusos e o uso da violência pelo Estado no cumprimento da ordem judicial”, disse Og Fernandes na decisão proferida em 17 de setembro de 2015. O ministro também acolheu o argumento de que a decisão da 6ª Câmara Cível era nula, pois o Regimento Interno do TJ/MG determina que mandados de segurança envolvendo competência do governador do Estado devem ser julgados pelo Órgão Especial do tribunal. Ao final, o ministro do STJ anulou o acórdão da 6ª Câmara Cível e determinou o retorno dos autos ao TJ/MG para julgamento do mandado de segurança pelo órgão competente. A liminar que suspendeu a ordem de despejo foi mantida até a decisão do mandado de segurança. Fortalecimento Para o Og Fernandes , o reconhecimento a decisões como esta fortalecem a defesa dos direitos humanos no país. Segundo o magistrado, decisões emblemáticas em direitos humanos tornam-se símbolos da superação histórica de situações marcadas por abusos ou violações crônicas da dignidade humana e de encorajamento na aplicação dos instrumentos normativos humanitários. “Os preceitos estabelecidos pelos tratados humanitários se tornam referenciais éticos para o sistema normativo interno”, afirma o ministro. Segundo ele, a contribuição do Judiciário para a efetivação dos direitos humanos no país tende a ser infinita e se redefine a cada ciclo histórico. Com isso, o Judiciário passa a ser visto como o guardião de todo o complexo normativo humanitário no âmbito interno. “Por outro lado, quanto menor for o nível de organização da sociedade civil, especialmente para participar das decisões de natureza política, será ampliada a responsabilidade do Poder Judiciário na efetivação desses direitos”, conclui o ministro.