20/11/2009 - 16:06

COMPARTILHE

STF não consegue explicar decisão sobre caso Battisti

STF não consegue explicar decisão sobre caso Battisti

 

 

Do jornal O Globo

 

20/11/2009 - Depois da polêmica decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de aprovar a extradição do italiano Cesare Battisti mas decidir que a palavra final caberá ao presidente Lula, o relator do caso, ministro Cezar Peluso, deixou clara sua irritação com o resultado do julgamento.

 

Peluso disse que não tem condição de redigir o texto do acórdão que resumirá a decisão final.

 

"Não tenho condições intelectuais de sequer resumir com inteira fidelidade o douto raciocínio da maioria", reclamou. Para esclarecer dúvidas sobre as consequências práticas do julgamento, a defesa do governo da Itália anunciou que entrará com embargos de declaração no STF. Também no Senado o resultado foi criticado: "O Supremo lavou as mãos, se desmoralizou", disse Demóstenes Torres (DEM-GO).

 

Juristas divergiram sobre o caso. O ministro da Justiça, Tarso Genro, afirmou que a decisão de Lula deve demorar, e denunciou que há "um fascismo galopante" na Itália.

 

 

Julgamento e discórdia no STF

 

Um dia após o julgamento do processo de extradição do ex-ativista italiano Cesare Battisti, o Supremo Tribunal Federal deu demonstrações de que ainda não tinha digerido a polêmica sessão de anteontem. Integrantes do grupo derrotado na votação que garantiu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva o direito de dar a última palavra sobre o destino do italiano deram explícitas demonstrações de insatisfação.

 

No início da sessão, o relator do caso, ministro Cezar Peluso, mostrou irritação com o resultado do julgamento. Peluso disse que não tinha condição de redigir o texto do acórdão que resumirá a parte final dos votos dos colegas, em que eles deixam a decisão final com Lula.

 

"Não tenho condições intelectuais sequer se resumir com inteira fidelidade o douto raciocínio da maioria", protestou o relator.

 

Na primeira parte do julgamento, a Corte decidiu que era ilegal a condição de refugiado dada a Battisti pelo governo brasileiro. Depois, os ministros resolveram autorizar a extradição do italiano. No terceiro momento, ficou decidido que a palavra final sobre a extradição cabe ao presidente.

 

Nos dois primeiros aspectos, prevaleceu a vontade do relator. No terceiro item, Peluso foi derrotado. Ele defendeu que fosse obrigatório ao presidente seguir a determinação do STF. A votação terminou em cinco votos a quatro nas três etapas.

 

O ministro Marco Aurélio Mello, um dos que defenderam a permanência de Battisti no país como refugiado, sugeriu ontem que Carlos Ayres Britto redigisse o acórdão. Ayres Britto foi dos mais ferrenhos defensores de que Lula deve decidir sobre a extradição. Por fim, Cármen Lúcia se ofereceu para ajudar Peluso a elaborar o texto. Anteontem à noite, o presidente do STF, Gilmar Mendes, também manifestou contrariedade ao dizer que o julgamento - em que saiu derrotado - não tinha encerrado a polêmica.

 

 

Advogado reclama de contradições

 

Para esclarecer dúvidas sobre as consequências práticas do julgamento, a defesa do governo da Itália anunciou que entrará com embargos de declaração no Supremo. O advogado Nabor Bulhões quer que o STF entre em detalhes sobre todos os possíveis desdobramentos do caso Battisti. Essa medida será tomada após a publicação do acórdão da decisão, que não tem data prevista.

 

"Com relação àquele último incidente, foi uma questão muito mal discutida, confusamente tratada. Houve incontornável obscuridade por parte de alguns ministros. Vários ministros fizeram manifestações contraditórias. As notas taquigráficas vão revelar isso com toda clareza. Foram contradições sucessivas em espaço de minutos", disse.

 

Para Bulhões, o STF quis dizer com a decisão que Lula só pode se recusar a extraditar o réu se houver previsão específica em lei: "Não há de se entender que o Supremo tenha dito que o presidente pode descumprir a lei, a Constituição e o tratado bilateral. A Itália confia que o presidente cumpra o tratado."

 

O advogado de Battisti, Luís Roberto Barroso, disse confiar que seu cliente não será extraditado. No momento, ele reúne documentos e argumentos para apresentar ao presidente Lula a fim de influenciá-lo na decisão.

 

"Não tenho nenhuma razão para supor que o presidente da República vá tomar uma decisão política diversa daquela que já tomou. Minha expectativa é que o presidente ratifique a posição dele", afirmou.

 

Barroso ponderou que o tratado de extradição firmado entre Brasil e Itália prevê que o presidente deixe de extraditar um réu por motivo político: "É incorreto dizer que a decisão do presidente de não extraditar viola o tratado. Pelo contrário: há fundamento no tratado para que o presidente faça uma valoração sobre a entrega ou não do extraditando."

 

 

Juristas também divergem sobre decisão

 

A decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de transferir ao presidente Lula a responsabilidade de extraditar ou não o terrorista italiano Cesare Battisti foi criticada ontem pelo constitucionalista Ives Gandra da Silva Martins.

 

Segundo ele, o STF deu apenas um parecer para um assunto que deveria ter sido plenamente decidido pela instância máxima do Judiciário: "Se era para decidir que o Supremo tinha que dar apenas um parecer, não precisaria ter avocada a matéria."

 

O STF tem que decidir sobre esses assuntos, e não dar parecer. Foi uma decisão infeliz, já que o governo agora vai poder decidir o que já estava decidido, que era manter o terrorista no país.

 

Para Ives Gandra, a decisão do STF abre "precedentes perigosos": "Desse jeito, até o (terrorista) Bin Laden vai poder pedir refúgio no Brasil."

 

Há, no entanto, quem defenda a decisão do STF. O jurista Dalmo Dallari disse que a medida se enquadra no sistema constitucional brasileiro e que o órgão, em casos como esses, deve sempre ser ouvido previamente para decidir sobre legalidades formais. A partir daí, segundo ele, é correta a transferência de responsabilidade do Judiciário para o Executivo para que o tema seja discutido no âmbito das relações internacionais.

 

Ao analisar juridicamente o episódio, Dallari lembrou que o filho de uma das vítimas das ações atribuídas ao grupo de Battisti, nos anos 70, recebe até hoje pensão do governo italiano por ser considerado vítima de crime político.

 

"Portanto, as ações atribuídas a Battisti são políticas. E a Constituição brasileira determina que não haja extradição nesses caso", disse Dallari, para quem o terrorista italiano deve permanecer solto no país caso o presidente Lula decida mantê-lo no Brasil. Battisti está preso desde 2007 à espera da decisão sobre se será extraditado ou não.

 

Segundo Dallari, o fato de Battisti ser réu em ação penal por uso de documento falso para entrar no Brasil também é um impeditivo para sua extradição: "O tratado de extradição prevê a hipótese (de extradição) desde que atendidas as exigências constitucionais brasileiras. E a Constituição brasileira é clara: não há extradição em casos de crimes políticos."

 

Para o jurista Fábio Konder Comparatto, a tendência é de que Battisti fique no Brasil na condição de asilado político. Ele também defende que a decisão final sobre o destino do terrorista político deve ser do Executivo. Mas faz uma ressalva: "Sempre defendi que se regulamente a competência sobre o asilo político, passando do Ministério da Justiça para o Ministério das Relações Exteriores."

Abrir WhatsApp