O Supremo Tribunal Federal decidiu ontem, por 8 votos a 2, que as mulheres têm o direito de interromper a gravidez de feto anencéfalo. Após mais de 12 horas de discussão, iniciada anteontem, a maioria dos ministros entendeu que a anencefalia inviabiliza a vida após o parto e que a legislação brasileira criminaliza apenas o aborto de fetos que se desenvolvem sem essa anomalia. Até aqui, as gestantes precisavam ir à Justiça para garantir o aborto nestes casos. Ontem prevaleceu a tese de que é desproporcional proteger o feto anencefálico, que não sobreviverá, em detrimento da saúde da gestante. "Metaforicamente, o feto anencéfalo é uma crisálida que jamais chegará em estado de borboleta, porque não alçará voo jamais", disse o ministro Carlos Ayres Britto. "Não estamos autorizando práticas abortivas. Essa é uma outra questão que eventualmente poderá ser submetida à apreciação desta Corte", disse Celso de Mello. A ação foi proposta em 2004 pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Saúde. O relator, Marco Aurélio Mello, acatou a tese jurídica de que não se trata de aborto, mas de antecipação do parto num caso específico que coloca em risco a saúde física e psíquica da gestante. Os únicos ministros que votaram contra foram Ricardo Lewandowski e Cezar Peluso. Para Lewandowski, esse é um tema do Congresso e poderia abrir espaço para a autorização do aborto de fetos com outras patologias. Peluso, para quem esse foi o julgamento mais importante da história do STF, defendeu que existe vida no feto, mesmo que anencéfalo. "O aborto provocado de feto anencéfalo é conduta vedada de modo frontal pela ordem jurídica", disse. Após o resultado, a advogada Maria Angélica Farias, de uma associação espírita, gritou: "Os senhores fizeram história como Hitler fez." A Federação Espírita Brasileira disse que ela não representa a entidade. Com o placar já consolidado, um grupo de feministas soltou balões do lado de fora do tribunal. Poucos grupos católicos estavam presentes. A Secretaria de Políticas para as Mulheres afirmou, em nota, que o governo irá garantir "o direito de escolha das mulheres e o seu acesso aos serviços especializados".